A Revelação de Rama — Arthur C. Clarke & Gentry Lee – Prólogos imortais da Ficção Científica

A Revelação de Rama

Arthur C. Clarke & Gentry Lee



PRÓLOGO

Em um dos distantes braços espiralados da galáxia da Via-Láctea, uma discreta estrela amarela solitária orbita lentamente o centro galáctico a trinta mil anos-luz de distância. Essa estrela estável, o Sol, leva 225 milhões de anos para completar uma revolução em sua órbita galática. A última vez em que o Sol esteve na sua posição presente, répteis gigantescos de poderes assustadores tinham começado a estabelecer seu domínio na Terra, um pequeno planeta azul que é um dos satélites do Sol.

Dentre os planetas e outros corpos da família do Sol, foi apenas nessa Terra que se desenvolveu algum tipo de vida complexa e duradoura. Apenas nesse mundo especial as substâncias químicas evoluíram até uma consciência e então perguntaram, quando começaram a compreender as maravilhas e dimensões do universo, se milagres semelhantes àqueles que as criaram teriam acontecido em alguma outra parte.

Afinal de contas, argumentavam essas sensíveis criaturas terrestres, há cem bilhões de estrelas somente na nossa galáxia. Estamos bem certas de que pelo menos vinte por cento dessas estrelas têm planetas em suas órbitas, e que um número pequeno mas significativo desses planetas teve, em alguma época de sua história, condições atmosféricas e térmicas capazes de formar aminoácidos e outras substâncias químicas orgânicas que são o sine qua non de qualquer biologia que podemos imaginar. Pelo menos uma vez na história, aqui na Terra, esses aminoácidos descobriram a auto-replicação, e o milagre da evolução que veio a produzir os seres humanos foi posto em movimento. Como podemos presumir que essa seqüência ocorreu apenas naquela única vez em toda a história? Os átomos mais pesados necessários para a nossa criação foram forjados nos cataclismos estelares que explodiram por todo esse universo durante bilhões de anos. É provável que somente aqui, neste único lugar, esses átomos tenham se concatenado em moléculas especiais e evoluído para um ser inteligente capaz de fazer a pergunta: “Estamos sozinhos?”

Na sua busca por seus companheiros cósmicos, de início os seres terrestres construíram telescópios que lhes permitissem ver seus vizinhos planetários imediatos. Mais tarde, quando sua tecnologia atingiu um nível mais avançado, sofisticadas espaçonaves robóticas foram enviadas para examinar esses outros planetas e verificar se neles havia ou não algum sinal de vida. Através dessas explorações, constatou-se que não havia qualquer tipo de vida inteligente em nenhum outro corpo de nosso sistema solar. Se houver alguém por lá, concluíram os cientistas humanos, alguma espécie semelhante à nossa com a qual pudéssemos nos comunicar, deve estar além do vazio que separa nosso sistema solar de todas as outras estrelas.

No final do século 20 do sistema humano de tempo, as grandes antenas da Terra começam a procurar sinais coerentes no céu, a fim de determinar se por acaso alguma outra inteligência estaria nos enviando uma mensagem de rádio. Essa busca continuou por mais de cem anos, tendo se intensificado durante os dias fulgurantes da ciência internacional no início do século 21, e diminuído mais tarde, nas últimas décadas do século, depois que o quarto conjunto sucessivo de técnicas sistemáticas de escuta não conseguiu localizar nenhum sinal alienígena.

Por volta do ano 2130, quando o estranho objeto cilíndrico foi identificado pela primeira vez vindo do espaço interestelar na direção do nosso sistema solar, a maioria dos seres humanos pensantes concluíra que a vida devia ser escassa no universo e que a inteligência, se é que jamais existiu fora da Terra, era excessivamente rara. De que outra forma, diziam os cientistas, poderíamos explicar a falta de resultados positivos em toda a nossa cuidadosa busca extraterrestre durante o século passado?

Portanto, todos na Terra se assombraram quando, depois de uma inspeção minuciosa, o objeto que entrou no nosso sistema solar em 2130 foi considerado, incontestavelmente, um artefato de origem alienígena. Era uma prova inegável de que existia uma inteligência avançada, ou pelo menos tinha existido em alguma época anterior, em outra parte do universo. Quando uma missão espacial foi desviada para encontrar-se com o pardacento gigante cilíndrico, com dimensões maiores que as maiores cidades da Terra, os pesquisadores cosmonautas encontraram um mistério atrás do outro. Mas eles não foram capazes de responder a algumas das questões mais fundamentais sobre a enigmática espaçonave alienígena. O intruso objeto proveniente das estrelas não fornecia explicações definitivas sobre sua origem ou finalidade.

Aquele primeiro grupo de exploradores humanos não só catalogou as maravilhas de Rama (nome dado ao gigantesco objeto cilíndrico antes de se saber que era um artefato extraterrestre), mas também explorou e mapeou seu interior. Depois que o grupo de exploração deixou Rama e a espaçonave alienígena desapareceu em volta do Sol, saindo do sistema solar em velocidade hiperbólica, os cientistas analisaram detalhadamente todos os dados coletados durante a missão. Todos reconheceram que os visitantes humanos de Rama não tinham encontrado as verdadeiras criaturas da misteriosa espaçonave. Contudo, a cuidadosa análise realizada depois da sua passagem revelou um princípio imutável de sua redundante engenharia. Cada sistema principal e cada subsistema do veículo tinham duas cópias. Os navegantes de Rama projetavam tudo em triplos. Os cientistas concluíram que era muito provável que em breve surgiriam duas outras espaçonaves semelhantes.

Os anos que se seguiram imediatamente à visita de Rama I, em 2130, foram anos de expectativa na Terra. Estudiosos e políticos proclamavam que uma nova era da história humana havia começado. A Agência Espacial Internacional (ISA), trabalhando em cooperação com o Conselho de Governos (COG), criou cuidadosos procedimentos a serem utilizados na próxima visita dos ramaianos. Todos os telescópios foram voltados para os céus, competindo entre si pela aclamação que receberia o indivíduo ou o observatório que primeiro localizasse a próxima espaçonave Rama. Mas não houve outra aparição.

Na segunda metade da década de 2130, o boom econômico, cujos últimos estágios foram, em parte, alimentados pelas reações internacionais a Rama, terminou abruptamente. O mundo mergulhou na maior depressão de sua história, conhecida como o grande caos, que gerou a anarquia e a miséria por toda parte. Todas as pesquisas científicas foram abandonadas durante essa triste era, e, depois de várias décadas de atenção aos problemas do mundo, o povo da Terra quase se esqueceu do inexplicável visitante das estrelas.

Em 2200, um segundo intruso cilíndrico chegou no sistema solar. Os cidadãos da Terra tiraram a poeira dos antigos procedimentos desenvolvidos depois da partida da primeira Rama e prepararam-se para o encontro com Rama II. Foi escolhida para a missão uma tripulação com doze integrantes. Logo depois do encontro, os doze declararam que a segunda espaçonave Rama era quase idêntica à anterior. Os humanos encontraram novos mistérios e maravilhas, inclusive alguns seres alienígenas, mas continuaram incapazes de responder às questões sobre a origem e finalidade de Rama.

Três mortes estranhas entre os tripulantes criaram uma grande preocupação na Terra, onde todos os aspectos da missão histórica foram assistidos pela televisão. Quando o gigantesco cilindro realizou uma manobra de meio curso, colocando-se na trajetória que impactaria a Terra, todos ficaram alarmados e apavorados. Os líderes mundiais concluíram com relutância que, na ausência de qualquer outra informação, não tinham escolha a não ser, concluir que Rama II era hostil. Não podiam permitir que uma espaçonave alienígena se chocasse com a Terra, ou se aproximasse o suficiente para utilizar as armas que devia possuir. Tomaram a decisão de destruir Rama II enquanto ela ainda se encontrava a uma distância segura da Terra.

A equipe de exploração teve ordem de voltar, mas três de seus membros, dois homens e uma mulher, ainda se encontravam a bordo de Rama II quando a espaçonave alienígena desviou-se da falange nuclear enviada da Terra. Rama afastou-se da Terra hostil e partiu em alta velocidade do sistema solar, carregando seus segredos intactos e três passageiros humanos.

Foram necessários treze anos de velocidades relativísticas para que Rama II viajasse da vizinhança da Terra até seu destino, um imenso complexo de engenharia chamado Nodo, localizado em uma órbita distante em torno da estrela Sírius.

Os três humanos a bordo do gigantesco cilindro tiveram cinco filhos e tornaram-se uma família. Enquanto investigava as maravilhas de sua casa espacial, a família encontrou-se de novo com as espécies extraterrestres que tinha visto anteriormente. Porém, quando chegaram a Nodo, os humanos já haviam se convencido de que aqueles outros alienígenas eram, como eles, passageiros de Rama.

A família humana permaneceu em Nodo durante pouco mais de um ano. Durante esse tempo, a espaçonave Rama foi remodelada e preparada para a sua terceira e última viagem ao sistema solar. A família soube pela Águia, uma criação não-biológica da Inteligência Nodal, que o objetivo das espaçonaves Rama era adquirir e catalogar o máximo possível de informações sobre passageiros espaciais na galáxia. A Águia, com cabeça, bico e olhos de uma águia e corpo humano, informou também que a última espaçonave, Rama III, conteria um habitat cuidadosamente projetado com capacidade para duas mil pessoas.

Um vídeo foi transmitido de Nodo para a Terra, anunciando a volta iminente da terceira espaçonave Rama. Esse vídeo explicava que uma elaborada espécie extraterrestre desejava observar e estudar as atividades humanas durante um longo período, e solicitava que dois mil representantes humanos fossem enviados ao encontro de Rama III na órbita de Marte.

Rama III realizou a viagem de Sírius para o sistema solar em uma velocidade correspondente a mais da metade da velocidade da luz. No interior da espaçonave, dormindo em beliches especiais, encontrava-se grande parte da família humana que tinha estado em Nodo. Na órbita de Marte, essa família acolheu os outros humanos da Terra e o habitat primitivo no interior de Rama foi rapidamente organizado. A colônia resultante, chamada Novo Éden, foi completamente encerrada e isolada do restante da espaçonave alienígena por meio de grossas paredes.

Quase imediatamente, Rama III acelerou de novo a velocidades relativísticas, deslocando-se para fora do sistema solar na direção da estrela amarela Tau Ceti. Três anos se passaram sem qualquer interferência externa na vida dos humanos. Os cidadãos do Novo Éden tornaram-se tão envolvidos em sua vida diária que mal prestavam atenção ao universo fora de sua colônia.

Quando uma série de crises se abateu sobre a frágil democracia do paraíso criado para os humanos pelos ramaianos, um líder oportunista subiu ao poder na colônia e começou a suprimir impiedosamente toda e qualquer oposição. Um dos exploradores originais de Rama II fugiu do Novo Éden nessa ocasião, e acabou fazendo contato com um casal simbiótico de uma espécie alienígena que vivia encerrado no habitat adjacente. Sua esposa permaneceu na colônia humana e tentou em vão conscientizar a comunidade, mas foi aprisionada depois de alguns meses, condenada por traição, e sua execução foi marcada.

Enquanto as condições ambientais e de vida dentro do Novo Éden continuavam a se deteriorar, tropas humanas invadiram a área adjacente ao Hemicilindro Norte da espaçonave Rama, e entregaram-se a uma guerra de aniquilamento contra o casal simbiótico de espécie alienígena. Nesse meio-tempo, os misteriosos ramaianos, conhecidos somente através de suas geniais criações de engenharia, continuaram sua observação detalhada a distância, certos de que dentro de pouco tempo os humanos entrariam em contato com a avançada espécie que vivia na região ao sul do mar Cilíndrico...

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