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O Canon dos Prefácios em Ficção científica — Fredric Brown por sua esposa

 


APRESENTAÇÃO

 

Fred detestava escrever. Mas gostava muito de ter escrito. Era capaz de entregar-se a toda espécie de atividade só para retardar o momento em que finalmente tinha de sentar-se à máquina: espanava a mesa, tocava flauta, lia um pouco, tornava a tocar. Ou, se residíamos numa cidade em que não houvesse carteiro, iria pessoalmente ao Correio buscar a correspondência, e, de caminho, convidava alguém para uma partida — às vezes duas ou três — de xadrez ou cartas. Quando finalmente voltava para casa, decidia já ser tarde demais para dar início ao trabalho. Após dias dessa prática, sua consciência acabava por doer. Era então que se entregava efetivamente ao trabalho, produzindo algumas linhas, ou mesmo páginas inteiras. Fosse como fosse, os livros aí estão escritos.

Não era autor prolífico. Em média, enchia três páginas por dia. Às vezes, quando o livro parecesse escrever-se por si, sua produção diária subia para seis ou sete laudas; o que entretanto era raro.

Fred tinha o hábito de andar de um lado para outro, sempre que planejava uma nova história. E como ambos passássemos em casa boa parte do tempo, surgiu o problema de que eu lhe interrompesse o fio das ideias, ao dirigir-lhe a palavra em tais ocasiões. Coisa que o azucrinava deveras. Após tentarmos, sem êxito, várias soluções, sugeri que usasse um boné vermelho quando não quisesse ser incomodado. O que ele fez. Com o passar do tempo, acostumei-me a inspecionar-lhe a cabeça antes de dirigir-me a ele.

Sempre que acabava um livro, íamos viajar, e o tempo que passávamos fora dependia exclusivamente de nossa situação financeira no momento.

Havia ocasiões em que sua imaginação realmente encalacrava. E por mais que andasse de um lado para outro em casa, não chegava a parte alguma. Quando isto se deu, certa vez, durante a composição de um de seus primeiros livros, achou ele que uma viagem noturna de ônibus talvez ajudasse. Não tinha o hábito de recolher cedo e supunha que, depois de apagadas as luzes do coletivo, tudo estando às quietas, pudesse se concentrar melhor. Muniu-se, pois, de um bloco de papéis e de um lápis-lanterna, passou alguns dias fora e, quando regressou, o problema estava resolvido.

Fez muitas outras viagens desse tipo. Tantas, que eu até acabei capaz de prever quando estavam para acontecer. Nem sempre ele regressava com a solução que tinha ido buscar; mas, nessa eventualidade, jã vinha com a trama pronta para algum outro livro.

O clímax de sua carreira foi quando abandonou a leitura de provas para dedicar-se por inteiro à tarefa de escrever. Mas a ocasião em que se sentiu mais feliz e orgulhoso foi quando ganhou o Prêmio Edgar Allan Poe, dos Escritores Americanos do Mistério, pela melhor história no gênero: The Fabulous Clipjoint. Nenhuma obra posterior lhe deu satisfação comparável. Essa assinalava, entretanto, sua estreia como escritor. É compreensível que, dentre os livros que escreveu, gostasse mais de uns que de outros; porém The Fabulous Clipjoint, por ter sido o primeiro, era também seu predileto.

Até que não tivesse vários volumes publicados, continuou a escrever contos entre um e outro livro, para não lhe faltarem recursos quando se empenhasse em obra de maior fôlego. Posteriormente, porém, só escrevia ou esboçava uma história curta quando estivesse seguro de que realmente devia fazê-lo.

Durante muito tempo desejou escrever The Office; mas, como se tratasse de um romance em moldes convencionais, a obra representava, para ele, uma experiência totalmente nova. Sabia que seus livros de mistério e ficção científica seriam sempre bem vendidos, mas ignorava qual pudesse ser a acolhida a um romance escrito por um estreante nesse campo. Ainda não se podia dar ao luxo de produzir obra que não vendesse com certeza. Por fim, escreveu-o. E vendeu.

Experimentou escrever para a TV por breve tempo, mas decidiu que isso não era para ele e acabou de volta aos livros. De sua autoria têm sido publicadas algumas centenas de contos e vinte e oito romances, sendo esta a sua oitava coletânea.

Se bem que aprecie todos os livros de Fred, o meu favorito é The Screaming Mimi. Outros de que também gosto especialmente são Here Comes a Candle, The Lenient Beast, The Far Cry, His Name Was Death e Night of the Jabberwock.

Realmente, não sou entusiasta da ficção científica, porque a maioria das obras desse gênero são, a meu ver, excessivamente técnicas. Mas acho as de Fred de fácil leitura. Minhas prediletas dentre essas são The Lights in the Sky Are Stars e The Mind Thing. What Mad Universe é obra quase clássica que também se pode contar entre as minhas favoritas.

Gosto muito de suas coletâneas, e desta em especial, por ser sua última obra acabada. E, já que representa seu adeus ao público, espero que o leitor também a aprecie.


Elizabeth Brown

***

Tradução de Jamir Martins

Editora Cultrix, 1974

A Frota Vingadora — Fredric Brown – Conto completo

A FROTA VINGADORA

Fredric Brown

 


Eles vieram da escuridão impenetrável do espaço e de uma distância inimaginável, convergiram para Vênus e o destruíram. Cada um dos dois milhões de seres daquele planeta, todos colonos da Terra, morreram em questão de minutos, e toda a flora e fauna de Vênus morreu com eles.

Tamanho era o poder de suas armas, que até mesmo a própria atmosfera do planeta tão repentinamente condenado queimou e evaporou. Vênus estava despreparada e indefesa, e o ataque foi tão inesperado e seus resultados tão rápidos e devastadores, que não houve tempo para disparar um único tiro defensivo.

Então, os atacantes se voltaram para o próximo planeta seguindo a ordem do Sol: a Terra.

Mas o mesmo não aconteceu. A Terra estava pronta; claro que não nos poucos minutos que decorreram desde a chegada dos invasores ao sistema solar, mas porque naquela altura, o ano de graça de 2820, a Terra estava em guerra com a sua colónia marciana, que tinha crescido até metade do tamanho da população da Terra e lutava pela sua independência. No exato momento do ataque a Vênus, as frotas da Terra e de Marte manobravam para entrar em combate perto da Lua.

Mas a batalha terminou mais repentinamente do que qualquer outra na história da humanidade. Uma frota conjunta de naves terrestres e marcianas, unidas diante da emergência e do inimigo comum, saiu ao encontro dos invasores e confrontou-os entre Vênus e a Terra. Eles eram numericamente superiores, então os invasores foram literalmente varridos do espaço… totalmente aniquilados.

Nas vinte e quatro horas seguintes, foi assinada a paz entre a Terra e Marte, na capital terrestre de Albuquerque. Foi uma paz sólida e duradoura, baseada no reconhecimento da independência de Marte e numa aliança perpétua entre os dois mundos, agora os únicos planetas habitáveis do sistema solar, contra qualquer agressão estrangeira. E começaram a ser feitos planos para montar uma frota vingadora para encontrar a nave dos atacantes e destruí-la antes que enviassem uma nova frota contra o sistema solar.

Instrumentos terrestres e navios patrulha haviam detectado a chegada dos invasores, embora não a tempo de salvar Vênus, mas a leitura dos instrumentos mostrava a direção de onde os alienígenas tinham vindo, e indicava, embora não mostrando exatamente a magnitude, que vinham de uma distância quase incrível.

Uma distância que seria impossível de percorrer se não existisse o recentemente inventado Combustível C-Plus, que permitia a uma nave acelerar a uma velocidade muito superior à da luz. Ainda não havia sido utilizado, pois a guerra Terra-Marte esgotou todos os recursos de ambos os planetas, e o Combustível C-Plus também não tinha finalidade dentro do sistema solar, já que eram necessárias enormes distâncias para acelerar mais rápido que o da luz.

Agora, porém, havia um propósito definido: a Terra e Marte uniram seus esforços e tecnologias, e construíram uma frota equipada com Combustível C-Plus, com o objetivo de enviá-lo contra o planeta natal dos invasores e destruí-lo. A execução do projeto levaria dez anos e estimou-se que a viagem exigiria mais dez anos, mas nada impediu as firmes intenções.

A frota vingadora, não muito grande em número, mas incrivelmente poderosa em armamento, deixou Puertomarte no ano de 2830.

Nada mais foi ouvido dela.

Só um século depois é que o seu destino foi conhecido, e isto apenas graças ao raciocínio dedutivo de Jon Spencer IV, o grande historiador e matemático.

“Há algum tempo”, escreveu Spencer, “sabemos que um objeto que excede a velocidade da luz viaja para trás no tempo. Portanto, a frota vingadora chegou ao seu destino, segundo a nossa cronologia, antes de ter iniciado a sua viagem.”

“Até agora não conhecíamos as dimensões do universo em que vivemos. Hoje, graças à experiência da frota vingadora, podemos deduzi-los. Em uma direção, pelo menos, o universo tem cem milhas de comprimento de ponta a ponta. Em dez anos, viajando para frente no espaço e para trás no tempo, a frota percorreu exatamente a distância de 186.334.186.334 milhas. A frota, seguindo um caminho reto pela curvatura natural do universo, circunavegou-o até o ponto de partida, onde chegou exatamente dez anos antes de partir. Ele destruiu o primeiro planeta habitado que encontrou e então, ao passar para o próximo, seu almirante deve tê-lo reconhecido e de repente entendido a verdade, ele também reconheceu a frota que vinha ao seu encontro, e ao fazê-lo ele deu a ordem de cessar o fogo no mesmo instante em que a frota conjunta Terra-Marte o alcançou."

"É certamente um paradoxo surpreendente reconhecer que a frota vingadora era liderada pelo almirante Barlo, que estava no comando da frota terrestre na época em que as frotas combinadas da Terra e de Marte se uniram para destruir aqueles que ele pensava serem invasores alienígenas, e também que muitos outros homens que ocuparam cargos em ambas as frotas durante aquele dia memorável, mais tarde formaram parte da tripulação da frota vingadora."

“Seria interessante especular o que teria acontecido se o almirante Barlo, que foi derrotado por ele mesmo, tivesse reconhecido Vênus no final de sua jornada em vez de destruí-la. Mas tal especulação é fútil, isso não poderia ter acontecido, pois Barlo já havia destruído o planeta antes, e se não o tivesse feito não teria ocupado o cargo de comandante da frota enviada para vingar a destruição. O passado não pode ficar chateado…"

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Título original:  O conto "Vengeance Fleet" de Fredric Brown foi lançado em 1961. Este conto é uma variante de "Vengeance, Unlimited", que foi publicado anteriormente em 1950.

Tradução: Herman A. Schmitz

Fredric Brown foi um mestre na arte de contar histórias curtas, marcando presença tanto na ficção científica quanto no suspense e na comédia. Conhecido por seu humor afiado e sua habilidade em criar finais surpreendentes, ele se destacou nas décadas de 1940 e 1950 como um dos autores mais criativos do gênero. Suas narrativas, muitas vezes minimalistas e cheias de reviravoltas, exploram a condição humana com sagacidade e ironia, deixando o leitor sempre com algo em que pensar.  

Brown também teve uma relação especial com o audiovisual: muitas de suas histórias foram adaptadas para a TV e o cinema, destacando sua versatilidade como contador de histórias. Obras como Arena e The Last Martian influenciaram tanto o público quanto os escritores da época, ajudando a definir um estilo que une reflexão, entretenimento e surpresa. Seja criando contos de poucas palavras ou tramas elaboradas, Fredric Brown permanece um dos grandes nomes para quem aprecia a mistura de criatividade e inteligência narrativa.

Marcianos, voltem pra casa! - Fredric Brown — Prólogos Imortais da FC

Marcianos, voltem pra casa!

Fredric Brown



Prólogo

O fato de o povo da Terra não estar preparado para enfrentar a chegada dos marcianos foi culpa exclusiva deles. Deveriam ter prestado maior atenção ao alerta colocado pelos acontecimentos do século anterior e, especialmente, pelas décadas anteriores.

De certa forma, pode-se considerar que tal alerta datava de muito tempo, pois desde que estabeleceu a opção de que a Terra não era o centro do Universo, mas apenas mais um entre os vários planetas que giravam em torno do Sol, que os homens especularam se os outros planetas também não seriam habitados. No entanto, tais especulações sempre permaneceram num nível puramente filosófico, como ocorre com as especulações sobre o sexo dos anjos ou se foi o ovo ou a galinha primeiro.

Podemos dizer que o alerta começou realmente com Schiaparelli e Lowell, particularmente este último.

Schiaparelli foi o astrônomo italiano que descobriu os canais de Marte, mas nunca afirmou que fossem construções artificiais. Foi Lowell quem, depois de estudá-los e desenhá-los, deu asas à imaginação, dizendo que se tratavam de canais artificiais. Prova positiva de que Marte era habitado.

É verdade que poucos astrónomos ficaram do lado de Lowell; alguns até negaram a existência das listras na superfície do planeta ou alegaram que eram ilusões de ótica, enquanto outros explicaram que eram linhas naturais, e não canais.

Mas as pessoas, que tendem sempre a acentuar o positivo, eliminaram esmagadoramente o negativo e seguiram Lowell. Eles exigiram e obtiveram milhões de palavras de especulação científica sobre os marcianos, fantasias do tipo suplemento dominical.

Depois, os romances de ficção científica tomaram conta do campo da especulação. Eles venceram sua primeira batalha contundente em 1895, quando H. G. Wells escreveu sua magnífica obra “A Guerra dos Mundos”, clássico que descreve a invasão da Terra pelos marcianos, que conseguem cruzar o espaço com projéteis disparados pelos canhões de Marte.

Esse romance, que se tornou imensamente popular, ajudou a preparar a Terra para a invasão. Orson Welles deu-lhe outro empurrão. Em 1938, no Dia da Mentira, ele transmitiu um programa de rádio que consistia numa dramatização do livro de Wells, e demonstrou, inadvertidamente, que muitos de nós já estávamos prontos para aceitar a invasão marciana como algo real. Milhares de pessoas em todo o país, que ligaram os seus receptores assim que o programa começou e, portanto, não ouviram o aviso de que se tratava de algo fictício, acreditaram que se tratava de acontecimentos reais, que era verdade que os marcianos tinham chegado.

Os romances de ficção científica tiveram um grande boom, o que, juntamente com o desenvolvimento da ciência, tornou cada vez mais difícil separar a ciência da fantasia nos romances.

Foguetes V-2 cruzando o Canal da Mancha e bombardeando a Inglaterra. Radar, sonar. Depois a bomba A. Energia atômica. As pessoas começaram a acreditar que a ciência poderia realizar qualquer coisa que se propusesse a fazer.

Lançados de White Sands, Novo México, foguetes interplanetários experimentais começaram a deixar a atmosfera da Terra. Um satélite artificial disposto para girar em torno da Terra. Muito em breve chegaríamos à Lua.

A bomba H. Os discos voadores. Claro, agora sabemos o que são, mas então não se sabia, e muitos acreditavam na sua origem extraterrestre.

O submarino atômico. A descoberta da metzita em 1963. A teoria de Barner provando que Einstein estava errado e provando que velocidades maiores que a da luz eram possíveis.

Qualquer coisa poderia ser verdade e muitas pessoas esperavam que isso acontecesse.

Esta psicose de antecipação não afetou apenas o Hemisfério Ocidental. Em todos os lugares, as pessoas estavam dispostas a acreditar em qualquer coisa, como aquele japonês em Yamanashi, que alegou ser marciano e foi rapidamente linchado por uma multidão que acreditou em suas palavras. Depois, os motins em Singapura em 1962. E sabe-se agora que a revolução filipina do ano seguinte foi iniciada por uma seita secreta muçulmana, que afirmava estar em comunicação mística com os venusianos e agir sob a sua orientação, conselho e direção. E em 1964, um trágico acidente ocorreu com dois aviadores do Exército dos EUA que foram forçados a fazer uma aterragem forçada com a nave espacial de teste que pilotavam. Eles tiveram que pousar ao sul da fronteira e foram eliminados com entusiasmo e imerecidamente pelos mexicanos, que, ao vê-los sair do aparelho com seus trajes espaciais e capacetes, os tomaram por marcianos.

Sim, deveríamos estar preparados para o que aconteceu. Mas e a forma como eles chegaram? Sim e não. A ficção científica apresentou os marcianos sob milhares de disfarces diferentes — altas sombras azuis, répteis microscópicos, insetos gigantescos, bolas de fogo, flores ambulantes, etc. —, mas sempre evitou cuidadosamente o vulgar, e o vulgar acabou por ser verdadeiro. Na verdade, eles eram homenzinhos verdes.

Mas com uma diferença..., e que diferença. Ninguém poderia estar preparado para isso.

Porque muitas pessoas ainda acreditam que este facto pode ter alguma importância na questão, penso que devo dizer que o ano de 1964 começou sem nada que o distinguisse da dezena de anos anteriores.

A única diferença é que começou um pouco melhor. A depressão do início da década acabou e o mercado de ações atingia novos patamares nunca antes vistos.

A Guerra Fria permaneceu congelada e não houve mais sinais de uma explosão iminente do que em qualquer momento após a crise na China.

A Europa estava mais unida do que em qualquer outro momento desde a Segunda Guerra Mundial, e uma Alemanha restabelecida voltou a ocupar o seu lugar entre as grandes nações industrializadas. Nos Estados Unidos, os negócios floresciam e a maioria das famílias tinha dois carros. Na Ásia havia menos fome do que o habitual.

Sim, 1964 começou bem.

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Título original: Martians, Go Home

© 1955, Fredric Brown

Un Hombre Distinguido — Fredric Brown (cuento)



UN HOMBRE DISTINGUIDO

Fredric Brown


Se llamaba Hanley, Al Hanley, y al mirarle nadie hubiera pensado que iba a ser tan importante. Y de haber conocido la historia de su vida hasta el momento en que llegaron los Darianos, nadie hubiera sospechado lo agradecido que iban a estar una vez leído este relato a Al Hanley.

En aquel momento daba la casualidad de que Hanley estaba borracho. Y no es que el hecho fuera anormal: llevaba una larga temporada borracho, y se proponía continuar en aquel estado, a pesar de que se había convertido en una empresa difícil. Se había quedado sin dinero, y sin amigos que pudieran prestárselo. Había agotado también su lista de conocidos.

Se encontraba en la penosa condición de tener que andar varias millas para visitar a alguien a quien conocía muy superficialmente y tratar de obtener un préstamo de un dólar... o de veinticinco centavos. La larga caminata desvanecería los efectos del último trago. Bueno, no del todo, de modo que se hallaba en el estado de Alicia cuando estaba con la Reina Roja y tenía que correr todo lo que podía para permanecer en el mismo lugar.

Y mendigar a los desconocidos no era aconsejable, ya que los polizontes podían echarle el guante y obligarle a pasar una noche de sed en el calabozo, lo cual hubiera sido mucho peor. Se encontraba en aquella fase del alcoholismo en que pasar doce horas sin beber significaba enfrentarse con todos los horrores del infierno, en forma de delirium tremens.

El delírium tremens son simples alucinaciones. Si uno es listo, sabe que no existen. A veces incluso resultan una compañía agradable, si se es aficionado a esa clase de cosas. Circunstancia que no se daba en Hanley. Se presentan cuando un hombre que ha estado borracho durante una larga temporada, se ve repentinamente privado de la bebida por un prolongado período, como cuando está en la cárcel, por ejemplo.

El pensar en ellas mantenía a Hanley en un estado de sacudimiento. Sacudiendo específicamente la mano de un antiguo amigo, un amigo íntimo al cual sólo había visto unas cuantas veces en toda su vida, y en circunstancias no demasiado favorables. El nombre del amigo era Kid Eggleston, y se trataba de un robusto aunque maltrecho ex boxeador, que recientemente había sido el matón de una taberna, donde Hanley le había conocido, naturalmente.

Pero no necesitamos concentrarnos en recordar su nombre ni su historia, porque no va a durar mucho en lo que respecta a este relato. En realidad, dentro de un minuto y medio, exactamente, va a gritar, y luego se desmayará y no oiremos hablar más de él.

Pero, de camino, permítanme mencionar que si Kid Eggleston no hubiera gritado ni se hubiera desmayado, ustedes no estarían ahora leyendo este relato. Estarían, quizás, cavando en una mina, bajo un sol verdoso, en el extremo más apartado de la galaxia. No creo que la perspectiva les entusiasme, de modo que no olviden que fue Hanley quien les salvó y continúa salvándoles de ella. No sean demasiado duros con él. Si Tres y Nueve se hubieran llevado a Kid, las cosas serían muy distintas.

Tres y Nueve procedían del planeta Dar, que es el segundo (y único habitable) planeta de la anteriormente citada estrella verde situada en el extremo más apartado de la galaxia. Tres y Nueve no eran, desde luego, sus nombres completos. Los nombres Darianos son números, y el nombre completo de Tres era 389057792869223. O por lo menos, ésa sería su traducción al sistema decimal.

Estoy seguro de que ustedes me perdonarán por mencionarles simplemente como Tres y Nueve. Ellos no me lo perdonarían. Un Dariano siempre se dirige a otro citando su número completo, y cualquier abreviación es, no sólo descortés, sino insultante. Pero los Darianos viven mucho más tiempo que nosotros. Por lo tanto, pueden permitirse el lujo de malgastarlo, cosa que yo no puedo hacer.

En el momento en que Hanley sacudía la mano de Kid, Tres y Nueve estaban aún a cosa de una milla de distancia, midiendo de abajo arriba. No iban en un avión, ni siquiera en una nave espacial (Y, desde luego, tampoco en un platillo volante. Naturalmente que sé lo que son los platillos volantes, pero pregúntenme por ellos en otro momento. Ahora tengo que ocuparme de los Darianos). Iban en un dado espacio-tiempo.

Supongo que tendré que explicar esto. Los Darianos habían descubierto —como nosotros podemos descubrir algún día— que Einstein tenía razón. La materia no puede viajar a una velocidad superior a la de la luz sin convertirse en energía. Y a ustedes no les gustaría convertirse en energía, ¿verdad? Lo mismo les ocurría a los Darianos cuando iniciaron sus exploraciones a través de la galaxia.

De modo que llegaron a la conclusión de que se puede viajar a una velocidad superior a la de la luz, si se viaja simultáneamente a través del tiempo. Es decir, a través del continuo espacio-tiempo, más bien que a través del espacio en si. Su trayecto desde Dar cubría una distancia de 163.000 años luz.

Pero, dado que simultáneamente habian retrocedido 1.630 siglos, el tiempo transcurrido para ellos durante el viaje había sido cero. En su viaje de regreso habían recorrido 1.630 siglos hacia el futuro, y llegaron a su punto de partida en el continuo espacio-tiempo. Espero que comprendan lo que quiero decir.

De cualquier modo, allí estaba su dado, invisible para los terrestres, una milla encima de Filadelfia (Y no me pregunten por qué escogieron precisamente Filadelfia: no comprendo que a alguien se le ocurra escoger Filadelfia para nada). Había estado posado allí durante cuatro días, mientras Tres y Nueve recogían y estudiaban las emisiones de radio, hasta que fueron capaces de comprender y hablar nuestro idioma.

Desde luego, no aprendieron absolutamente nada acerca de nuestra civilización, ni de nuestras costumbres. ¿Imaginan ustedes la posibilidad de trazar un cuadro de la vida de los habitantes de la Tierra, escuchando una mezcla de concursos de lo toma o lo deja, caldos concentrados, Charles Mac Carthy y las Lágrimas de Una Madre?

Y no es que a ellos les importara cómo era nuestra civilización, mientras no fuera lo bastante desarrollada como para representar una amenaza para ellos... cosa de la que quedaron convencidos al cabo de cuatro días. No puede reprochárseles que obtuvieran esa impresión, que al fin y al cabo era correcta.

—¿Bajamos? —le preguntó Tres a Nueve.

—Sí, le dijo Nueve a Tres.

Tres se enroscó alrededor de los mandos.

—...desde luego que le vi boxear —estaba diciendo Hanley—. Y era usted muy bueno, Kid. Su manager debía de ser muy malo, pues no encuentro otra explicación al hecho de que no llegara usted a la cumbre. Tenía usted clase. ¿Qué le parece si vamos a echar un trago?

—¿Paga usted o yo, Hanley?

—Bueno, en estos momentos ando un poco escaso de fondos, Kid. Pero necesito un trago. En recuerdo de los viejos tiempos...

—Usted necesita un trago como yo un agujero en la cabeza. Está como una cuba, y será mejor que deje la bebida antes de que el delirium tremens...

—Creo que ya se ha presentado —le interrumpió Hanley—. Mire quién hay detrás de usted.

Kid Eggleston volvió la cabeza y miró. Gritó y se desmayó. Tres y Nueve estaban acercándose. Más allá veíase un monstruoso dado, de veinte pies de longitud. Mejor dicho, había el perfil de un dado. Su modo de estar allí y, sin embargo, de no estar allí, resultaba algo intranquilizador. Aquello debía de ser lo que asustó a Kid.

Porque en Tres y Nueve no había nada que pudiera infundir temor. Eran vermiformes, de unos quince pies de longitud (completamente extendidos) y de un pie de espesor, aproximadamente, en el centro, terminando en punta por ambos lados. Eran de un agradable color azul pálido, y no poseían ningún órgano sensorial visible, de modo que no podía saberse donde empezaban y donde terminaban... lo cual no importaba demasiado, a fin de cuentas, porque los dos extremos eran exactamente iguales.

Y, a pesar de que estaban avanzando hacia Hanley y hacia el ahora yaciente Kid, no tenían lo que podía corresponder a una cabeza y lo que podía corresponder a unos pies. Avanzaban flotando y en su posición normal: enroscados.

—Hola, muchachos —dijo Hanley—. Habéis asustado a mi amigo, maldita sea. Y en el preciso instante en que se disponía a invitarme a un trago. De modo que me debéis uno.

—Reacción ilógica —le dijo Tres a Nueve—. Éste es un ejemplar de otra clase. ¿Nos los llevamos a los dos?

—No. El otro, aunque de mayor tamaño, es más debilucho, evidentemente. Y un ejemplar será suficiente. Vamos.

Hanley retrocedió un par de pasos.

—Si vais a invitarme a un trago, de acuerdo. De no ser así, quiero saber adónde vamos.

—A Dar.

—¿Quieres decir qué habéis venido aquí desde Dar? Mira, muchacho, mi menda no irá a ninguna parte hasta que aflojéis la mosca y me paguéis un par de chatos.

—¿Has entendido algo? —le preguntó Nueve a Tres. Tres agitó negativamente uno de sus extremos—. ¿Nos lo llevamos a la fuerza?

—No es necesario, si viene voluntariamente. ¿Quieres entrar voluntariamente en el dado, criatura?

—¿Hay algo de beber dentro?

—Sí. Entra, por favor.

Hanley se dirigió hacia el dado y entró. No es que creyera que estaba realmente allí, desde luego, pero, ¿qué tenía que perder? Cuando se presentan las alucinaciones, es mejor seguirles la corriente. El dado era sólido, y no amorfo, ni siquiera transparente, desde el interior. Tres se enroscó alrededor de los mandos y manipuló cuidadosamente unos delicados mecanismos con ambos extremos.

—Estamos en el intraespacio —le dijo a Nueve—. Sugiero que nos quedemos aquí hasta que hayamos estudiado este ejemplar y podamos informar si es apto para nuestros propósitos.

—¡Eh, muchachos! ¿Qué hay de ese trago?

Hanley estaba empezando a preocuparse. Sus manos temblaban, y las arañas estaban deslizándose a lo largo de su espina dorsal.

—Parece que está sufriendo —dijo Nueve—. Tal vez tiene hambre, o sed. ¿Qué es lo que beben esas criaturas? ¿Peróxido de hidrógeno, como nosotros?

—La mayor parte de la superficie de su planeta parece estar cubierta de agua, abundante en cloruro sódico. Podemos sintetizar un poco...

Hanley aulló:

—¡No! Ni siquiera agua sin sal. ¡Necesito whisky!

—Analizaremos su metabolismo —dijo Tres—. Con el intrafluoroscopio, puedo hacerlo en un segundo.

Se desenroscó de los mandos y se acercó a un extraño aparato. Parpadearon unas luces.

Tres dijo:

—¡Qué raro! Su metabolismo depende de C2 H2 OH.

—¿C2 H2 OH?

—Si. Alcohol... al menos, básicamente. Con cierta dilución de H2O y sin el cloruro sódico presente en sus mares, así como cantidades fabulosamente menores de otros ingredientes. Eso parece ser lo único que ha consumido durante un período bastante largo. Se encuentra en una proporción de 24% en su corriente sanguínea y en su cerebro. Todo su metabolismo parece estar basado en ello.

—Muchachos —suplicó Hanley—. Me estoy muriendo por un trago. ¿Qué os parece si suspendéis la conferencia y me dais algo de beber?

—Un momento, por favor —dijo Nueve—. Voy a preparar lo que necesitas. Déjame utilizar los nonios en el intrafluoscopio, y añadir el psicómetro.

Parpadearon más luces, y Nueve se dirigió a un rincón del dado que era un laboratorio. Cuando regresó no había transcurrido un minuto. Llevaba una especie de cubilete lleno hasta la mitad de un líquido ambarino.

Hanley lo olió, luego bebió. Suspiró profundamente.

—Estoy muerto —dijo—, esto es licor irlandés, el néctar de los dioses. No existe otra bebida como ésta.

Bebió ávidamente, y el líquido ni siquiera quemó su garganta.

—¿Qué es eso, Nueve? —preguntó Tres.

—Una fórmula muy complicada, adaptada a sus exactas necesidades. Cincuenta por ciento de alcohol, cuarenta y cinco por ciento de agua. Los restantes ingredientes, sin embargo, son considerables en número; incluyen todas las vitaminas y minerales que su sistema precisa, en proporción adecuada y todos insípidos. Además, otros ingredientes en cantidades minúsculas para mejorar el sabor... de acuerdo con sus gustos. A nosotros nos sabría horriblemente, en el supuesto de que pudiéramos beber alcohol o agua.

Hanley suspiró y bebió largamente. Se tambaleó un poco. Luego miró a Tres y sonrió.

—Ahora sé que no estás ahí —dijo.

—¿Qué quiere decir? —le preguntó Nueve a Tres.

—Sus procesos mentales parecen completamente ilógicos. Dudo de que su especie sirva para la esclavitud. Pero tenemos que asegurarnos, desde luego. ¿Cuál es tu nombre, criatura?

—¿Qué importa el nombre, camarada? —preguntó Hanley—. Llámame como quieras. Vosotros sois mis mejores amigos. Llevadme donde queráis. Con tal de que me aviséis cuando lleguemos a Dar...

Bebió largamente y se tumbó en el suelo. Unos extraños sonidos surgieron de él, pero ni Tres ni Nueve pudieron identificarlos como palabras. Sonaban aproximadamente así: Zzzzzz, glup... Zzzzzz, glup.

Le sacudieron, tratando de despertarle, pero fracasaron en el intento.

Le observaron, sometiéndole a todas las pruebas que su estado permitía. Hanley no se despertó hasta unas horas después. Se sentó y miró a los dos Darianos. Dijo:

—No lo creo. No estáis aquí. Por el amor de Dios, dadme otro trago, de prisa.

Le dieron el cubilete: Nueve había vuelto a llenarlo. Hanley bebió. Cerró los ojos. Dijo:

—No me despertéis.

—Pero, si estás despierto...

—Entonces, no dejéis que me duerma. Esto es pura ambrosía... la bebida de los dioses.

—¿Quiénes son los dioses?

—Ya no hay. Pero esto es lo que bebían. En el Olimpo.

Tres dijo:

—Procesos mentales completamente ilógicos.

Hanley alzó el cubilete. Dijo:

—Aquí es aquí, y Dar es Dar, amigos —Bebió.

—¿Qué sabe usted acerca de Dar? —preguntó Tres.

—Dar no tiene las cosas que tenéis vosotros. A vuestra salud, muchachos.

Bebió de nuevo.

—Demasiado estúpido para ser adiestrado para algo que no sea un trabajo físico —dijo Tres—. Pero, si tiene el vigor suficiente, tal vez podamos recomendar una incursión a este planeta. Tiene de tres a cuatro mil millones de habitantes. Y nosotros podemos utilizar el trabajo manual: tres o cuatro mil millones de esas criaturas nos ayudarían considerablemente.

—¡Hurra! —dijo Hanley.

—No parece coordinar bien —dijo Tres pensativamente—, Pero quizás su vigor físico es considerable. Criatura, ¿cómo debemos llamarte?

—Llamadme Al, muchachos.

Hanley se estaba poniendo en pie.

—¿Es ése tu nombre, o el de tu especie?

Hanley se recostó contra la pared y meditó unos instantes.

—El de la especie —dijo—. ¡Un momento! Voy a decirlo en latín.

La dijo en latín.

—Deseamos comprobar tu vigor. Corre arriba y abajo de uno a otro lado de este dado, hasta que te canses. Deja, yo sostendré el cubilete con tu alimento.

Cogió el cubilete de manos de Hanley. Hanley se resistió a soltarlo.

—Un trago más —dijo—. Sólo un traguito más, y correré para ti. Correré para el presidente.

—Tal vez lo necesite —dijo Tres—. Dale un poco más, Nueve.

Podía ser el último trago por una temporada, de modo que Hanley lo aprovechó bien. Luego contempló alegremente a los cuatro Darianos que le estaban mirando. Dijo:

—Os veré en las carreras, muchachos. A todos. Y, apostad por mí. Ganador y colocado. ¿Otro traguito, primero?

Le dieron otro traguito... esta vez realmente corto: menos de dos onzas.

—Basta —dijo Tres—. Ahora, corre.

Hanley dio un par de pasos y cayó de bruces. Dio media vuelta sobre sí mismo y se quedó tendido en el suelo, con una beatífica sonrisa en el rostro.

—¡Increíble! —dijo Tres—. Tal vez trata de engañarnos. Vamos a comprobarlo, Nueve.

Nueve lo comprobó.

—¡Increíble! —dijo—. Realmente increíble que después de un esfuerzo tan pequeño esté inconsciente... inconsciente hasta el punto de ser insensible al dolor. Y no está fingiendo. Su tipo es completamente inútil para Dar. Ajusta los mandos y enviaremos un informe. Nos lo llevaremos, de acuerdo con nuestras instrucciones complementarias, como un ejemplar para el parque zoológico. Físicamente, es el ejemplar más raro que hemos descubierto en cualquiera de los varios millones de planetas.

Tres se enroscó en los controles y utilizó sus dos extremos para manipular mecanismos. Transcurrieron ciento sesenta y tres mil años luz y 1.630 siglos, ajustándose de un modo tan absoluto y perfecto que ni el tiempo ni la distancia parecieron haber sido cruzados.

En la capital de Dar, la cual gobierna a millares de planetas útiles, y ha visitado millones de planetas inútiles —como la Tierra—, Al Hanley ocupa una gran jaula de cristal en un lugar de honor, como ejemplar realmente asombroso.

En el centro de la jaula hay una balsa, de la cual bebe a menudo y en la cual se le ha visto bañarse. La balsa está siempre llena de un brebaje delicioso, que es en relación con el mejor whisky de la Tierra, lo que el mejor whisky de la Tierra es en relación con la ginebra de tina elaborada en una tina sucia. Además, está reforzado —sin que afecte a su sabor— con todas las vitaminas y minerales que el metabolismo de Hanley necesita.

No produce resaca ni otras desagradables consecuencias. Es una bebida tan deliciosa para Hanley como la constitución de Hanley para los visitantes del zoo, los cuales le contemplan admirados y luego leen el cartel colgado de su jaula, encabezado por el nombre de su especie en latín... tal como Hanley se la reveló a Tres y a Nueve.

ALCOHOLICUS ANONYMOUS

Vive a base de una dieta de C2 H2 OH, ligeramente reforzada con vitaminas y minerales. Ocasionalmente brillante, pero completamente ilógico. Carece de vigor: sólo puede dar unos cuantos pasos sin caerse. Carece de todo valor comercial, pero es un fascinante ejemplar de la más extraña de las formas de vida descubiertas hasta ahora en la Galaxia. Procede del Planeta 3, del Sol JX647-HG908.

Tan raro, en realidad, que le han sometido a un tratamiento que le hace prácticamente inmortal. Y es bueno que sea así, porque es un ejemplar zoológico tan interesante, que si algún día muere, los Darianos tendrían que bajar a la Tierra en busca de otro. Y podría suceder que tropezaran con usted o conmigo... y que diera la casualidad de que usted o yo, según el caso, estuviéramos sobrios. Y esto sería terrible para todos nosotros.

***
Título original:Man of Distinction
Revista o libro:Thrilling Wonder Stories
Editorial:Standard Magazines, Inc.
FechaFebrero de 1951

O Escritor de Ficção Científica descrito por sua esposa (Fredric Brown)


O Escritor de Ficção Científica descrito por sua esposa

por Elizabeth Brown


Apresentação à coletânea Paradoxo Perdido 

de Fredric Brown



Fred detestava escrever. Mas gostava muito de ter escrito. Era capaz de entregar-se a toda espécie de atividade só para retardar o momento em que finalmente tinha de sentar-se à máquina: espanava a mesa, tocava flauta, lia um pouco, tornava a tocar. Ou, se residíamos numa cidade em que não houvesse carteiro, iria pessoalmente ao Correio buscar a correspondência, e, de caminho, convidava alguém para uma partida — às vezes duas ou três — de xadrez ou cartas. Quando finalmente voltava para casa, decidia já ser tarde demais para dar início ao trabalho. Após dias dessa prática, sua consciência acabava por doer. Era então que se entregava efetivamente ao trabalho, produzindo algumas linhas, ou mesmo páginas inteiras. Fosse como fosse, os livros aí estão escritos.

Não era autor prolífico. Em média, enchia três páginas por dia. Às vezes, quando o livro parecesse escrever-se por si, sua produção diária subia para seis ou sete laudas; o que entretanto era raro.

Fred tinha o hábito de andar de um lado para outro, sempre que planejava uma nova história. E como ambos passássemos em casa boa parte do tempo, surgiu o problema de que eu lhe interrompesse o fio das idéias, ao dirigir-lhe a palavra em tais ocasiões. Coisa que o azucrinava deveras. Após tentarmos, sem êxito, várias soluções, sugeri que usasse um boné vermelho quando não quisesse ser incomodado. O que ele fez. Com o passar do tempo, acostumei-me a inspecionar-lhe a cabeça antes de dirigir-me a ele.

Sempre que acabava um livro, íamos viajar, e o tempo que passávamos fora dependia exclusivamente de nossa situação financeira no momento.

Havia ocasiões em que sua imaginação realmente encalacrava. E por mais que andasse de um lado para outro em casa, não chegava a parte alguma. Quando isto se deu, certa vez, durante a composição de um de seus primeiros livros, achou ele que uma viagem noturna de ônibus talvez ajudasse. Não tinha o hábito de recolher cedo e supunha que, depois de apagadas as luzes do coletivo, tudo estando às quietas, pudesse se concentrar melhor. Muniu-se, pois, de um bloco de papéis e de um lápis-lanterna, passou alguns dias fora e, quando regressou, o problema estava resolvido.

Fez muitas outras viagens desse tipo. Tantas, que eu até acabei capaz de prever quando estavam para acontecer. Nem sempre ele regressava com a solução que tinha ido buscar; mas, nessa eventualidade, jã vinha com a trama pronta para algum outro livro.

O clímax de sua carreira foi quando abandonou a leitura de provas para dedicar-se por inteiro à tarefa de escrever. Mas a ocasião em que se sentiu mais feliz e orgulhoso foi quando ganhou o Prêmio Edgar Allan Poe, dos Escritores Americanos do Mistério, pela melhor história no gênero: The Fabulous Clipjoint. Nenhuma obra posterior lhe deu satisfação comparável. Essa assinalava, entretanto, sua estréia como escritor. É compreensível que, dentre os livros que escreveu, gostasse mais de uns que de outros; porém The Fabulous Clipjoint, por ter sido o primeiro, era também seu predileto.

Até que não tivesse vários volumes publicados, continuou a escrever contos entre um e outro livro, para não lhe faltarem recursos quando se empenhasse em obra de maior fôlego. Posteriormente, porém, só escrevia ou esboçava uma história curta quando estivesse seguro de que realmente devia fazê-lo.

Durante muito tempo desejou escrever The Office; mas, como se tratasse de um romance em moldes convencionais, a obra representava, para ele, uma experiência totalmente nova. Sabia que seus livros de mistério e ficção científica seriam sempre bem vendidos, mas ignorava qual pudesse ser a acolhida a um romance escrito por um estreante nesse campo. Ainda não se podia dar ao luxo de produzir obra que não vendesse com certeza. Por fim, escreveu-o. E vendeu.

Experimentou escrever para a TV por breve tempo, mas decidiu que isso não era para ele e acabou de volta aos livros. De sua autoria têm sido publicadas algumas centenas de contos e vinte e oito romances, sendo esta a sua oitava coletânea.

Se bem que aprecie todos os livros de Fred, o meu favorito é The Screaming Mimi. Outros de que também gosto especialmente são Here Comes a Candle, The Lenient Beast, The Far Cry, His Name Was Death e Night of the Jabberwock.

Realmente, não sou entusiasta da ficção científica, porque a maioria das obras desse gênero são, a meu ver, excessivamente técnicas. Mas acho as de Fred de fácil leitura. Minhas prediletas dentre essas são The Lights in the Sky Are Stars e The Mind Thing. What Mad Universe é obra quase clássica que também se pode contar entre as minhas favoritas.

Gosto muito de suas coletâneas, e desta em especial, por ser sua última obra acabada. E, já que representa seu adeus ao público, espero que o leitor também a aprecie.



Elizabeth Brown

Introdução à coletânea "Paradoxo Perdido". Ed. Cultrix, 1974.

Fredric Brown - Sentinela (Conto)


SENTINELA

Fredric Brown

 

Estava molhado, enlameado; tinha fome e tinha frio e estava a cinquenta mil anos luz de casa.

O sol distante quase não iluminava e a gravidade, que era o dobro daquela a que estava acostumado, dificultava cada movimento.

Mesmo após dezenas de milhares de anos a guerra não havia mudado.

Para os pilotos do espaço era fácil, com suas brilhantes astronaves e suas superarmas. Mas quando as naves aterrissavam, era o soldado a pé, a infantaria, que tinha de apoderar-se do terreno, palmo a palmo e custasse o sangue que custasse. Isso é precisamente o que acontecia naquele maldito planeta de uma estrela da qual não havia ouvido falar até por os pés nele. E, agora, era terreno sagrado porque o inimigo também estava ali.

O inimigo, a única outra raça inteligente da Galáxia, raça cruel de monstros abomináveis e hediondas criaturas repulsivas.

O primeiro contato foi perto do centro da Galáxia, após a lenta e dificultosa colonização de uns doze mil planetas; foi uma guerra à primeira vista. Eles começaram a disparar sem tentar qualquer negociação ou tratado. Agora lutavam planeta por planeta, em uma guerra amarga.

Sentia-se úmido, empoeirado, com frio e faminto, o dia era brutal com um vento que doía os olhos. Porém o inimigo estava se infiltrando e cada posto avançado era vital.

Estava alerta, com o fuzil preparado. A cinquenta mil anos luz de sua casa, lutando em um mundo estranho e duvidando se voltaria a ver o seu, sua esposa, sua filhinha…

E então ele viu um deles se arrastando até ele. Armou o fuzil e disparou. O inimigo deu esse grito estranho que eles dão e depois silenciou. Está morto. O espetáculo daquele ser deitado no chão o faz tremer. Alguns podem acostumar-se depois de certo tempo, mas ele nunca conseguiu. Eram umas criaturas tão repulsivas, somente com dois braços e duas pernas e uma pele horrivelmente frágil e sem escamas…!

FIM

Título Original: Sentry, 1954
Tradução de Herman Schmitz, O Alienático - 2013.

Fredric Brown - O Solipsista (Conto)


O solipsista

Fredric Brown

Walter B. Jehovah tinha sido solipsista toda a sua vida. Não vou justificar o seu nome, pois este era realmente o seu nome. Um solipsista, no caso de o leitor não conhecer a palavra, é alguém que acredita que ele próprio é a única coisa que realmente existe, que as outras pessoas e o universo em geral só existem na sua imaginação, e que se ele deixasse de os imaginar estes também deixariam de existir.

Um dia, Walter B. Jehovah começou a ser solipsista praticante. No espaço de uma semana, a sua mulher fugiu com outro homem, perdeu o seu emprego de expedidor e partiu uma perna quando afugentava um gato preto para impedir que este se atravessasse no seu caminho.

Enquanto estava de cama no hospital, decidiu acabar com tudo.

Olhou pela janela, contemplou as estrelas, desejou que elas deixassem de existir e elas desapareceram. Depois, desejou que todas as outras pessoas deixassem de existir e o hospital ficou estranhamente silencioso, apesar de ser um hospital. A seguir, fez o mesmo ao mundo, e encontrou-se suspenso num vazio. Livrou-se do seu corpo com a mesma facilidade e depois deu o passo final, querendo que ele próprio deixasse de existir.

Nada aconteceu.

Estranho, pensou, poderá haver um limite para o solipsismo?

"Sim", disse uma voz.

"Quem é?", perguntou Walter B. Jehovah.

"Sou aquele que criou o universo que acabaste de querer que deixasse de existir. E agora que vieste substituir-me - houve um suspiro profundo - posso finalmente deixar de existir, cair no esquecimento e deixar-te ocupar o meu lugar."

"Mas como posso eu deixar de existir? É isso que estou a tentar fazer, sabes?"

"Sim, sei", disse a voz. "Tens que fazer como eu fiz. Cria um universo. Espera até que surja nele uma pessoa que acredite realmente naquilo em que acreditaste e que queira que ele deixe de existir. Depois podes retirar-te e deixá-la ocupar o teu lugar. Adeus!"

E a voz desapareceu.

Walter B. Jehovah estava sozinho no vazio e só havia uma coisa que ele podia fazer. Criou o Céu e a Terra.

Levou sete dias a fazê-lo.


Fredric Brown
Tradução de Pedro Galvão
Retirado de What Mad Universe, 1949.

Fredric Brown - A Primeira Máquina do Tempo (Conto)

A Primeira Máquina do Tempo

Fredric Brown



 
"Senhores: a primeira Máquina do Tempo", apresentou, orgulhosamente, o professor Johnson a seus dois colegas. "De fato, trata-se de um modelo experimental em escala reduzida. Ele operará apenas com objetos pesando cerca de um quilo e para distâncias em direção ao passado e ao futuro de vinte minutos ou menos. Mas funciona".

O modelo em escala reduzida se parecia com uma balança, daquelas usadas em agências de correio - exceto por dois interruptores na parte debaixo da plataforma.

O professor Johnson segurou um pequeno cubo de metal. "Nosso objeto experimental", disse, "é um cubo de metal pesando mais ou menos meio quilo. Primeiro, vou mandá-lo cinco minutos na direção do futuro".

Ele inclinou-se para frente e regulou um dos botões da máquina do tempo. "Observem os seus relógios", disse.

Eles olharam os seus relógios. O professor Johnson colocou cuidadosamente o cubo na plataforma da máquina. O objeto desapareceu.

Cinco minutos depois, no segundo exato, o objeto reapareceu.

O professor Johnson o recolheu. "Agora cinco minutos na direção do passado". Ele regulou o outro dial. Segurando o cubo em sua mão olhou para o seu relógio. "Faltam seis minutos para as três horas. Eu vou agora ativar o mecanismo - colocando o cubo na plataforma - exatamente às três horas. Consequentemente, ao faltarem cinco minutos para as três, o cubo desaparecerá da minha mão e aparecerá na plataforma cinco minutos antes de eu colocá-lo ali".

"Como você poderá colocá-lo ali, então?", perguntou um dos colegas.

"Enquanto a minha mão se aproxima, ele desaparecerá da plataforma e aparecerá na minha mão para ser posto ali. Três horas. Reparem, por favor".

O cubo desapareceu da sua mão.

O cubo apareceu na plataforma da máquina do tempo.

"Vêem? Daqui a cinco minutos eu o colocarei ali, mas ele já está ali!"

Seu outro colega franziu as sobrancelhas ao olhar para o cubo. "Mas", disse, "e se, agora que ele já apareceu cinco minutos antes de você o colocar ali, você mudasse de ideia sobre fazer isso e não o pusesse ali às três horas? Não estaria envolvido aqui certo tipo de paradoxo?"

"Uma ideia interessante", respondeu o professor Johnson. "Eu não havia pensado nisso; será interessante fazer um teste. Muito bem, eu não vou...".

Não sucedeu nenhum tipo de paradoxo. O cubo continuou onde estava.

Mas todo o resto do Universo, professores e tudo o mais, desapareceu.


Fredric Brown. From these ashes, 1954. Trad. de Gustavo Bernardo. Framingham, USA: Nesfa Press, 2001

Fredric Brown - Resposta (Conto)


Resposta

Fredric BROWN

Cerimoniosamente, Dwar Ev soldou com ouro a última conexão. Os olhos de uma dezena de câmeras de televisão o obsevaram, propagando para o universo inteiro uma dezena de imagens daquilo que fazia.

Com um aceno para Dwar Reun, ele se ergueu e dirigiu-se para trás da chave cujo funcionamento faria o contato; o comutador que poria em conexão simultânea todos os monstruosos sistemas de computadores de cada um dos planêtas populados do universo - noventa e seis milhões ao todo - num circuito em que se comunicariam com o supercalculador, o prodígio cibernético que reuniria todo o conhecimento de tôdas as galáxias.

Dwar Reyn fêz uma breve introdução aos trilhões de telespectadores e após uma breve pausa, disse:

-Dwar Ev … Agora!

Dwar Ev acionou a chave. Houve um zumbido profundo, o desencadeamento da fôrça de noventa e seis bilhões de planêtas. Luzes piscarm até ganhar firmeza, no painel quilométrico.

Dwar Ev recuou e aspirou profundamente.

-A honra de fazer a primeira pergunta é sua, Dwar Reyn.- Farei a pergunta que nenhum sistema cibernético isolado foi capaz de responder até hoje.

Voltou-se, para encarar o painel.

-Deus existe?

A poderosa voz respondeu sem hesitação, e sem que se ouvisse o ruído de um disjuntor sequer.

-Sim, agora existe um Deus.

Um terror súbito surgiu no rosto de Dwar Ev. Com um salto, tentou atingir o computador.

O relâmpago que desceu do céu sem nuvens derrubou-o e fundiu definitivamente a chave de contato.


A Resposta, 1954, Fredric Brown
Título original: Answer
Tradução: Gilberto Couto Barreto