O TOCADOR DE ATABAQUE de Eduardo Alves da Costa
Querem o meu verso
de nariz para o ar,
equilibrando a esfera,
enquanto alguém bate com a varinha
para me por no compasso.
Pedem-me que não seja violento
e me mantenha equilibrado
entre a forma e o fundo,
porque a platéia não deve sofrer
emoções fortes.
Mas eu, nascido num tempo de sussurros,
tenho a voz contundente
e por mais que me esforce
não sirvo para cantar no coro.
Sei apenas tocar meu atabaque.
Assim, que me perdoem
os amantes dos saraus
e os arquitetos de labirintos,
que as senhoras se protejam com o xale
e os corações delicados
se encostem à parede
para fugir às correntes de ar.
Bato no atabaque
até estourar os tímpanos fracos
e chamo num grito de gozo
as almas bravias
para dançarmos juntos
mordidos pela mentira do mundo
com os nervos envenenados
e a jugular aos pinotes.
Escutem, eu vou lhes contar a história
do leão que tinha um espinho na pata…
Bato no atabaque e me consumo
como se o sangue fugisse
por um rio subterrâneo.
Vamos, o senhor não pode enganar todos
Durante todo o tempo.
Bato no atabaque
quem quiser cantar
que me dê um tom.
Por que ao sair do trabalho
a gente não volta para casa
de montanha-russa?
Bato no atabaque…
Matou o patrão com cinco tiros
porque foi despedido
sem aviso prévio.
Bato no atabaque…
Izabel, acho que meu pai,
quando souber,
vai me bater.
Bato no atabaque…
Moço, compra uma flor
pra namorada?
Bato no atabaque…
Você acha que eles bombardeiam a China?
Bato no atabaque
e o furacão me arranca pela raiz
e eu sou um baobá atravessando os céus da Flórida
para cair em Nova York,
sacudindo a Bolsa de Valores
como um enfarte.
Não sei… pra mim
quem matou Kennedy
foi a reação.
Bato, bato, bato no atabaque
Até consumir o terceiro estágio
de minha alma de astronauta
e ficar girando,
fora de órbita,
para sempre.
Eduardo Alves da Costa. No caminho, com Maiakóvski. 1985.
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