Sequencia extraída desse interessante romance de Theodore Sturgeon: Vênus Mais X.
O neném está dormindo e o intercomunicador eletrônico, cujo par está ligado a uma tomada entre o quarto de Karen e o de Davy, na outra casa, só emite um zunido baixo e constante de 60 ciclos. As mulheres ainda não voltaram do jogo de boliche. Tudo é muito tranquilo. Os dois homens estão tomando um drinque. Smitty está meio deitado sobre o sofá. Herb olha para o televisor que por sinal está desligado, mas a sua poltrona é muito confortável e, pela sua posição, é praticamente impossível olhar numa direção diferente. Então olha para a tela vazia e examina seus pensamentos. De vez em quando, formula um pensamento em voz alta. — Smitty?
— Hum.
— Basta dizer certas palavras a uma mulher e ela desliga.
— Que palavras?
— "Diferencial".
— Smitty se vira um pouco, coloca ambos os pés no chão e endireita levemente o corpo.
— "Transmissão" — murmura Herb. — "Potencial".
— Transmissão do que, Herb?
— Também "frequência". O que eu quero dizer é o seguinte: tome uma mulher em condições perfeitas, com bom senso e tudo o mais. Capaz de sutilezas maquiavélicas no jogo de bridge, e sem esforço aparente. Destas criaturas que sabem preparar a fórmula exata para a mamadeira e a esterilizam corretamente até o último segundo. Vai ver, uma criatura que tem um despertador automático na cabeça e que pode cozinhar um ovo de quatro minutos por quatro minutos certinhos, sem olhar para o relógio. Em suma, uma mulher com um bocado de intuição e de inteligência.
— Entendi.
— Certo. Daí, você começa a lhe explicar alguma coisa e usa uma destas palavras fatais. Por exemplo, você diz que finalmente dá para comprar um carro com dispositivo que consegue bloquear as duas rodas traseiras, de maneira a fazê-las revolver juntas, e assim você pode sair do lugar mesmo que a roda se encontre sobre o gelo. Vai ver que ela já leu alguma coisa a respeito, e então pede uma explicação. Daí você diz que é simples, aquele dispositivo apenas elimina o efeito do diferencial. No instante em que você pronuncia a palavra, você pode perceber que ela desliga. Então você explica que o diferencial não é uma coisa complicada, é só uma engrenagem na transmissão cujo efeito é permitir que a roda externa gire mais rápido que a interna. Mas enquanto você está falando, percebe que ela continua desligada, e ela continuará do mesmo jeito até que você mude de assunto. A mesma coisa acontece quando você menciona o termo "frequência".
— Frequência?
— Pois é. Falei em frequência ainda no outro dia, enquanto conversava com Jeannette e ela desligou. Então parei e disse, escute, pode me dizer o que é "Frequência"? Quer saber o que ela disse?
— Quero.
— Falou que era parte de um rádio receptor.
— Ah, diacho! Mulheres!
— Smitty, você não entendeu o que eu quis dizer. Ah, diacho, mulheres! para o raio que o parta. Você não pode encerrar o assunto dizendo apenas isto.
— Posso, sim. É muito mais simples.
— Mas a coisa me incomoda. Veja o termo "Frequência", é perfeitamente claro. Explica seu significado. "Frequente" quer dizer muitas vezes, e "frequência" mostra quantas vezes algo acontece. "Ciclos" é outro destes termos, e é perfeitamente claro: ao partir de um ponto, dá uma volta e retorna ao mesmo ponto. Ou então vai da frente para trás e de volta para a frente, que afinal significa a mesma coisa. Mas se você disser a uma mulher que se trata de uma frequência de oito mil ciclos por segundo, ela desliga duas vezes seguidas.
— Deve ser porque elas não têm uma mentalidade técnica.
— O que? Já lhe aconteceu de prestar atenção enquanto elas falam em roupas? Com gomos, preguinhas, cortes enviesados e costuras francesas duplas? Alguma vez você já observou uma mulher enquanto fica costurando numa daquelas máquinas com agulhas duplas, para frente e para trás, com lançadeira oscilante e autobobinante? Ou num escritório, em frente a uma máquina IBM?
— Está certo. Entretanto não consigo ver o que há de errado no fato delas não estarem com vontade de pensar e de entender o que é um diferencial.
— Viva! Agora, sim, você falou uma grande verdade. Elas não estão com vontade de pensar nas coisas. São capazes de manipular coisas muito mais complicadas. — Mas elas não querem. Explique-me, por quê?
— Vai ver que elas pensam que não é muito feminino, ou coisa assim.
— Quer me dizer o que há nisto que não é muito feminino? Elas votam, dirigem carros e fazem um trizilhão de coisas que antes eram prerrogativa masculina.
— Não fique quebrando a cabeça — reclama Smitty. Levanta do sofá, pega o copo vazio e se aproxima de Herb para pegar o dele. — Eu acho que se elas querem assim, devemos deixar que as coisas fiquem assim, Quer saber o que a Tillie comprou ontem? Um par de botas de laçar. Pois é, iguaizinhas às minhas. Deixem que continuem a existir as tais palavras que para elas são incompreensíveis. Vai ver, quando o guri ficar adulto, esta será a única maneira dele saber quem é seu pai e quem é sua mãe. Daí, vive la différence!
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