Philip K. Dick — Você já mascou Can-D?


Philip K. Dick - trecho de Os Três Estigmas de Palmer Eldritch

— Obviamente, a solução é conhecê-la melhor — disse avidamente Leo. — Você já mascou Can-D? — perguntou com indiferença. — Pois devia. A despeito do fato de criar hábito. É uma verdadeira experiência. — Ele, claro, mantinha um suprimento da droga, gradação AA, em sua mansão-satélite.

Quando convidados se reuniam; a coisa era trazida para acrescentar cor ao que poderia se tornar uma ocasião monótona. — O motivo por que pergunto é que você parece o tipo de mulher dotada de imaginação ativa e a reação que a pessoa tem a Can-D depende, varia, com os poderes imaginativos do tipo criativo da pessoa.

— Eu gostaria de experimentar, algum dia — respondeu a senhorita Jurgens. Olhou em volta, baixou a voz e inclinou—se para ele. — Mas é ilegal.

— É...? — Ele a olhou fixamente.

— O senhor sabe que é. — A moça pareceu aborrecida.

— Escute aqui — disse Leo — , eu posso lhe arranjar um pouco. Claro, mascaria a erva com ela. Em comunhão, as mentes dos usuários fundiam-se, tornavam-se uma nova entidade — ou pelo menos tal era a experiência Algumas sessões de consumo de Can-D na intimidade, e saberia tudo o que houvesse para saber a respeito de Pia Jurgens. Havia nela alguma coisa — além das óbvias qualidades físicas, anatômicas — que o fascinava Ansiava por tornar-se mais íntimo dela.

— Nós não usaremos uma representação.

Por uma ironia da sorte, ele, o criador e fabricante do micro-mundo de Perky Pat preferia usar Can-D num vácuo. O que um terráqueo tinha a ganhar com um cenário, na medida em que era uma miniatura das condições que prevaleciam numa cidade típica da Terra? Para colonos numa lua uivante e varrida por tempestades, amontoados no fundo de um alojamento para se defenderem de cristais congelados de metano e de outras coisas, a situação era diferente. Perky Pat e seu cenário eram uma reentrada no mundo em que haviam nascido. Mas ele, Leo Bulero, estava muito cansado do mundo em que nascera e onde ainda vivia. E mesmo na mansão-satélite, com todas as suas esquisitas e não tão esquisitas diversões, não conseguia preencher o vazio. Contudo...

— Essa Can-D — disse a senhorita Jurgens — é uma grande coisa e não surpreende que tenha sido proibida. É como uma religião. A Can-D é a religião dos colonos. — Soltou uma risadinha. Um pedaço dela, mascado durante quinze minutos, e então... — fez um gesto amplo — desaparece o alojamento miserável. Desaparece o metano. A coisa fornece uma razão para se viver. Será que não vale o risco e a despesa?

Mas o que é que existe de igual valor para nós?, perguntou Leo a si mesmo e sentiu-se triste. Fabricando os cenários de Perky Pat e cultivando e distribuindo a base de líquen para o produto final acondicionado de Can-D tornara a vida suportável para mais de um milhão de expatriados involuntários da Terra. Mas que diabo conseguia ele em troca? Minha vida, pensou, é dedicada aos outros, estou começando a ficar inquieto, não é suficiente. Havia seu satélite, onde Scotty esperava, havia sempre os complexos detalhes de suas duas grandes operações comerciais, a legal e a outra que não era... Mas não haveria na vida mais do que isso?




Philip K. Dick - Os Três Estigmas de Palmer Eldritch, 1965

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