O Escritor de Ficção Científica descrito por sua esposa
por Elizabeth Brown
Apresentação à coletânea Paradoxo Perdido
de Fredric Brown
Fred detestava escrever. Mas gostava muito de ter escrito. Era capaz de entregar-se a toda espécie de atividade só para retardar o momento em que finalmente tinha de sentar-se à máquina: espanava a mesa, tocava flauta, lia um pouco, tornava a tocar. Ou, se residíamos numa cidade em que não houvesse carteiro, iria pessoalmente ao Correio buscar a correspondência, e, de caminho, convidava alguém para uma partida — às vezes duas ou três — de xadrez ou cartas. Quando finalmente voltava para casa, decidia já ser tarde demais para dar início ao trabalho. Após dias dessa prática, sua consciência acabava por doer. Era então que se entregava efetivamente ao trabalho, produzindo algumas linhas, ou mesmo páginas inteiras. Fosse como fosse, os livros aí estão escritos.
Não era autor prolífico. Em média, enchia três páginas por dia. Às vezes, quando o livro parecesse escrever-se por si, sua produção diária subia para seis ou sete laudas; o que entretanto era raro.
Fred tinha o hábito de andar de um lado para outro, sempre que planejava uma nova história. E como ambos passássemos em casa boa parte do tempo, surgiu o problema de que eu lhe interrompesse o fio das idéias, ao dirigir-lhe a palavra em tais ocasiões. Coisa que o azucrinava deveras. Após tentarmos, sem êxito, várias soluções, sugeri que usasse um boné vermelho quando não quisesse ser incomodado. O que ele fez. Com o passar do tempo, acostumei-me a inspecionar-lhe a cabeça antes de dirigir-me a ele.
Sempre que acabava um livro, íamos viajar, e o tempo que passávamos fora dependia exclusivamente de nossa situação financeira no momento.
Havia ocasiões em que sua imaginação realmente encalacrava. E por mais que andasse de um lado para outro em casa, não chegava a parte alguma. Quando isto se deu, certa vez, durante a composição de um de seus primeiros livros, achou ele que uma viagem noturna de ônibus talvez ajudasse. Não tinha o hábito de recolher cedo e supunha que, depois de apagadas as luzes do coletivo, tudo estando às quietas, pudesse se concentrar melhor. Muniu-se, pois, de um bloco de papéis e de um lápis-lanterna, passou alguns dias fora e, quando regressou, o problema estava resolvido.
Fez muitas outras viagens desse tipo. Tantas, que eu até acabei capaz de prever quando estavam para acontecer. Nem sempre ele regressava com a solução que tinha ido buscar; mas, nessa eventualidade, jã vinha com a trama pronta para algum outro livro.
O clímax de sua carreira foi quando abandonou a leitura de provas para dedicar-se por inteiro à tarefa de escrever. Mas a ocasião em que se sentiu mais feliz e orgulhoso foi quando ganhou o Prêmio Edgar Allan Poe, dos Escritores Americanos do Mistério, pela melhor história no gênero: The Fabulous Clipjoint. Nenhuma obra posterior lhe deu satisfação comparável. Essa assinalava, entretanto, sua estréia como escritor. É compreensível que, dentre os livros que escreveu, gostasse mais de uns que de outros; porém The Fabulous Clipjoint, por ter sido o primeiro, era também seu predileto.
Até que não tivesse vários volumes publicados, continuou a escrever contos entre um e outro livro, para não lhe faltarem recursos quando se empenhasse em obra de maior fôlego. Posteriormente, porém, só escrevia ou esboçava uma história curta quando estivesse seguro de que realmente devia fazê-lo.
Durante muito tempo desejou escrever The Office; mas, como se tratasse de um romance em moldes convencionais, a obra representava, para ele, uma experiência totalmente nova. Sabia que seus livros de mistério e ficção científica seriam sempre bem vendidos, mas ignorava qual pudesse ser a acolhida a um romance escrito por um estreante nesse campo. Ainda não se podia dar ao luxo de produzir obra que não vendesse com certeza. Por fim, escreveu-o. E vendeu.
Experimentou escrever para a TV por breve tempo, mas decidiu que isso não era para ele e acabou de volta aos livros. De sua autoria têm sido publicadas algumas centenas de contos e vinte e oito romances, sendo esta a sua oitava coletânea.
Se bem que aprecie todos os livros de Fred, o meu favorito é The Screaming Mimi. Outros de que também gosto especialmente são Here Comes a Candle, The Lenient Beast, The Far Cry, His Name Was Death e Night of the Jabberwock.
Realmente, não sou entusiasta da ficção científica, porque a maioria das obras desse gênero são, a meu ver, excessivamente técnicas. Mas acho as de Fred de fácil leitura. Minhas prediletas dentre essas são The Lights in the Sky Are Stars e The Mind Thing. What Mad Universe é obra quase clássica que também se pode contar entre as minhas favoritas.
Gosto muito de suas coletâneas, e desta em especial, por ser sua última obra acabada. E, já que representa seu adeus ao público, espero que o leitor também a aprecie.
Elizabeth Brown
Introdução à coletânea "Paradoxo Perdido". Ed. Cultrix, 1974.
Que bela ideia a do boné vermelho!
ResponderExcluirSeria ideal pra mim, quando estou no 'intenet banking',
efetuando pagamentos, e a mulher vem me contar
peripécias dos cachorros!
Pena que eu não suporte chapéus.
Acho que nunca li nada do Brown, pelo menos, não lembro.
Abraço.
Também acho, deveriam ser vendidos com uma frase impressa, tipo: Pensando, dê o fora! ...
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