Trasplante obligatorio — La biología en la ciencia ficción



Contra-portada:
"Cuando la ciencia ficción penetra en la biología puede inducirnos a grandes especulaciones en el estudio de la vida. Con esta antología de relatos seleccionados por Isaac Asimov y sus colaboradores Martin H. Greenberg y Charles G. Waugh, tenemos ocasión de conocer la importancia de esta ciencia para los grandes maestros de la ciencia ficción. En este volumen se presentan doce relatos cuyo denominador común es la biología, tratando diferentes aspectos de la evolución, la biología celular, la genética, la fisiología, la reproducción o la ecología. En «Ruido atronador», Ray Bradbury nos sitúa en el año 2500, transportándonos al pasado en un peligroso safari a la Tierra. Poul Anderson, en «Los hijos del mañana», narra una historia de mutaciones genéticas y sus consecuencias después de una guerra atómica. En «Trasplante obligatorio», cuento que da título a esta antología, Robert Silverberg nos remite a una época y un lugar en el que los jóvenes se ven obligados a donar un órgano de su cuerpo. De lo contrario morirán irremediablemente. Los relatos de Fredric Brown, James S. Schmitz, Ursula Le Guin, Thomas N. Scortia, entre otros, completan este volumen."

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Título original: Caught in the organ draft: Biology in Science Fiction

Contenido:

Introducción (Isaac Asimov, Introduction, 1983)
Prohibida la entrada (Fredric Brown, Keep out, 1954)
Cuerpo de investigación (Floyd L. Wallace, Student body, 1953)
Ruido atronador (Ray Bradbury, A sound of thunder, 1952)
Invariable (John R. Pierce, Invariant, 1944)
El exterminador (A. Hyatt Verrill, The exterminator, 1931)
Los hijos del mañana (Poul Anderson (como F. N. Waldrop), Tomorrow's children, 1947)
Mary y Joe (Naomi Mitchison, Mary and Joe, 1970)
Cambio marino (Thomas N. Scortia, Sea change, 1956)
Trasplante obligatorio (Robert Silverberg, Caught in the organ draft, 1972)
Nueve vidas (Ursula K. Le Guin, Nine lives, 1969)
Tierra extraña (Edmond Hamilton, Alien earth, 1949)
El abuelo (James H. Schmitz, Grandpa, 1955)

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Isaac Asimov, Charles G. Waugh, Martin H. Greenberg, 1959.
Traducción: Hernán Sabaté
Diseño portada: Salinas Blanch

Maravilhas da Ficção Científica - Mario da Silva Brito

Maravilhas da Ficção Científica
Introdução de Mario da Silva Brito (trecho)

A ficção científica, de fato, é mais literatura do que ciência. Esta pertence aos compêndios e aos tratados. Os cientistas, no entanto, não a depreciam. Consideram-na, antes, uma hipótese de trabalho dependente da verificação sistemática.

O que a ciência pode representar para o homem na fecundação do seu espírito e na transformação de sua vida, formulando os termos do drama humano, já é matéria para a literatura, para a fábula. O reingresso do homem atua! no mundo da fábula — eis o que a science fiction pratica. Parte o escritor de uma concepção não alheia à ciência e cria, apoiado nela, a trama imaginária, e a narra consoante os seus recursos literários, e estes lhe darão, conforme a qualidade artística da fatura, grandeza ou platitude, realismo ou falsidade. Groff Conklin, experimentado antologista e teórico do gênero, conceitua-o como estando baseado em ideias científicas que não tenham sido provadas impossíveis. Daí não caber estranheza ante a notícia de que, na Universidade de Harvard, o professor Dwight Wayne Batteau mantenha uma cátedra de Ficção Científica aplicada à Engenharia, cuja finalidade é encaminhar os cientistas no aproveitamento das sugestões engendradas pelos escritores. Estes, por sua vez, em muitos casos, são técnicos, homens de laboratório e de pesquisas, cientistas numa palavra, e se valem da ficção para elaborarem, na forma de contos, novelas ou romances, hipóteses que não ousaram ainda formular em termos de rigorosa ciência. Há mesmo críticos literários que definem a ficção científica como a literatura da hipótese. O que importa assinalar, é que os escritores de ficção científica creem, convictamente, nas histórias que inventam e dão força de verdade à supra-realidade que descrevem. Por isso mesmo, os psicanalistas se detêm na análise mais profunda dessas narrativas, sentindo-as como um sonho rico de símbolos. Mas neste, como em qualquer outro gênero literário, o artesão não é dispensado, as regras estéticas não são abandonadas e nem a arte de compor, consoante as exigências estilísticas é de plano secundário. Exatamente porque, antes de mais nada, é preciso respeitar a sua condição de literatura.

A ficção científica, muito embora trate de mundos desconhecidos, de universos vagamente pressentidos, de objetos não identificados, de robôs e monstros, de fenômenos estranhos, de seres extraterrenos ou potências invisíveis, de naves estapafúrdias, de galáxias, de civilizações e culturas de outros planetas, é, em vez de escapista, vincadamente humana e dá a dimensão da perplexidade do homem na hora histórica em que vive. Pertence, como consequência, a um mundo que, pela exacerbação do conhecimento, derrogou as certezas que conquistara com o auxílio da própria ciência. Afinal, o homem moderno e o homem primitivo se igualaram na mesma ignorância — este por nada saber e aquele por saber demais, ficando, assim, atônito diante de cada nova descoberta. Um e outro, cada qual no seu devido tempo, lançam as mesmas indagações sofridas: Que é o homem? A vida? O tempo e o espaço? O futuro? Ambos se definem pela mesma insegurança, por semelhante inquietação ante o ignoto, o mistério. A ficção científica faz às vezes, enfim, de uma Cosmogonia. O Fabuloso de tal forma envolveu o homem, que tudo é mágico, mirabolante, absurdo, inédito e... possível.

A um mundo estável, que vai da geometria euclidiana ao racionalismo de Descartes, da regrada lógica aristotélica ao cosmos de Galileu e ao positivismo de Comte, para assinalar apenas algumas balizas, sucedeu outro, conturbado e revolucionado pela Relatividade, a Cibernética, os Quanta, a Mecânica Ondulatória, a Astrobiologia, a Sociometria, a Genética, a Psicanálise, as transmutações dos conceitos de Espaço e Tempo, a Radioatividade e os Raios Cósmicos, a Biofísica e a Bioquímica, a Eletrônica, a Telecomunicação, as mutações artificiais e tantas outras situações novas e desnorteantes que desmantelaram a solidez de suas interpretações da vida e do meio ambiente.

O homem, antes centro do Universo, acabou adquirindo a ciência — e o que é muito mais: a consciência — de que está instalado num minúsculo ponto perdido num braço de galáxia, entre outros milhares de milhões de grupos estelares, e sabe, por exemplo, que cada novo telescópio prescreve toda a Astronomia sabida até ontem. Ficou sem pontos de referência adaptados às dimensões humanas, observa Erich From, que ainda afirma: “A ciência, os negócios, a política, perderam todos os fundamentos e proporções que façam sentir humanamente. Vivemos em cifras e abstrações; posto que nada é concreto, nada é real. Tudo é possível, de fato e moralmente. A ficção científica não é diferente do fato científico, nem o são os pesadelos e os sonhos dos acontecimentos do ano seguinte.”

A ficção científica funda suas raízes nesse mundo instável e alienado. A espécie humana em perigo — perigo suposto ou real — produz uma literatura premonitória. É o grande documento da criatura em face ao seu destino problemático. Ou a catarse de um sentimento de culpa coletivo. Seja como for, é uma literatura do homem, nascida do seu íntimo profundo, não importa que tantas vezes temerosa e fatalista, desiludida e triste.

Em outros tempos, a literatura preocupou-se com o passado ou o presente das sociedades. Agora está voltada para o futuro, que não consegue vislumbrar nitidamente.

Literatura de fuga, essa da ficção científica? Parece que não. É antes filha do impasse, da crise, da humanidade intranquila e sem paz. Mas, nem por isso, é toda ela feita de dor e, em nenhum momento, de desprezo pela condição humana. Muito pelo contrário, está vinculada ao tempo terrível que as manchetes diariamente denunciam, e, em alguns autores, seus personagens, exilados em outras galáxias, ou em mundos artificiais, apresentam-se nostálgicos da boa e velha Terra que abandonaram por força das circunstâncias, e conspiram contra os governos estelares para retornarem ao solo de antanho, com o fito de novamente colonizá-lo, tirá-lo do seu barbarismo e reorganizá-lo em termos de amor e simplicidade. São personagens ansiosos por retomarem ao humano, por descobrirem uma verdade simples, que nada tenha a ver com máquinas, poder ou glória, mas que devolva aos seres a indispensável dimensão humana.

Uma derradeira indagação: até quando a ficção-científica será apenas ficção-científica?

MARIO DA SILVA BRITO

Henry Kuttner – Portadas #CienciaFicción

Mutante - Henry Kuttner
Chessboard Planet - Henry Kuttner
Return to Otherness - Henry Kuttner

¿Qué es el método científico? — Isaac Asimov



¿Qué es el método científico?



Evidentemente, el método científico es el método que utilizan los científicos para hacer descubrimientos científicos. Pero esta definición no parece muy útil. ¿Podemos dar más detalles?

Pues bien, cabría dar la siguiente versión ideal de dicho método:

  1. Detectar la existencia de un problema, como puede ser, por ejemplo, la cuestión de por qué los objetos se mueven como lo hacen, acelerando en ciertas condiciones y decelerando en otras.
  2. Separar luego y desechar los aspectos no esenciales del problema. El olor de un objeto, por ejemplo, no juega ningún papel en su movimiento.
  3. Reunir todos los datos posibles que incidan en el problema. En los tiempos antiguos y medievales equivalía simplemente a la observación sagaz de la naturaleza, tal como existía. A principios de los tiempos modernos empezó a entreverse la posibilidad de ayudar a la naturaleza en ese sentido. Cabía planear deliberadamente una situación en la cual los objetos se comportaran de una manera determinada y suministraran datos relevantes para el problema. Uno podía, por ejemplo, hacer rodar una serie de esferas a lo largo de un plano inclinado, variando el tamaño de las esferas, la naturaleza de su superficie, la inclinación del plano, etc. Tales situaciones deliberadamente planeadas son experimentos, y el papel del experimento es tan capital para la ciencia moderna, que a veces se habla de «ciencia experimental» para distinguirla de la ciencia de los antiguos griegos.
  4. Reunidos todos los datos elabórese una generalización provisional que los describa a todos ellos de la manera más simple posible: un enunciado breve o una relación matemática. Esto es una hipótesis.
  5. Con la hipótesis en la mano se pueden predecir los resultados de experimentos que no se nos habían ocurrido hasta entonces. Intentar hacerlos y mirar si la hipótesis es válida.
  6. Si los experimentos funcionan tal como se esperaba, la hipótesis sale reforzada y puede adquirir el status de una teoría o incluso de una «ley natural».
Está claro que ninguna teoría ni ley natural tiene carácter definitivo. El proceso se repite una y otra vez. Continuamente se hacen y obtienen nuevos datos, nuevas observaciones, nuevos experimentos. Las viejas leyes naturales se ven constantemente superadas por otras más generales que explican todo cuanto explicaban las antiguas y un poco más.

Todo esto, como digo, es una versión ideal del método científico. En la práctica no es necesario que el científico pase por los distintos puntos como si fuese una serie de ejercicios caligráficos, y normalmente no lo hace.


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Isaac Asimov
Tirado de: 100 preguntas básicas sobre la ciencia
Alianza Editorial

Humor Cosmico — Joe Haldeman (Introdução à antologia)



Introducción

Gran parte de la ciencia ficción es terriblemente seria. Los autores urden historias para advertirnos de que «nos estamos agotando». Inventan nuevos universos y nuevas razas de hombres, como marcos y protagonistas de vastos dramas. Con todo el Universo, pasado, presente y futuro, como escenario, no es de extrañar que el pincel sea grueso y las pinceladas audaces.

La ciencia ficción hace mucho ruido; el zumbido de las pistolas lanzarrayos, el choque de los planetas, el rugido de las metáforas cósmicas. Pero si escuchamos atentamente, oiremos una risita ocasional, alguna carcajada, incluso, y más allá —a cuatro años luz al sudeste de Alfa del Centauro— un coro de estridentes risas. Porque también existe una ciencia ficción para divertirse.

Lo único que todos los relatos siguientes tienen en común es que me han hecho reír. Por lo demás, son muy diferentes. Encontramos constantes y burlonas extravagancias en las fabulosas máquinas de Henry Kuttner, pero también un relato de Damon Knight que parece muy sensato y serio… hasta la última línea. Tenemos el más negro de los humores negros y algunas frivolidades puramente divertidas. Ambas cosas en el mismo relato, escrito por una extraña persona con el nombre en minúscula, llamada andy offutt.

Están ustedes a punto de conocer a personas tan inverosímiles como Caedman Wickes (investigador privado, especialista en denuncias singulares), un ejército de Clark Kents, y Félix Funck, supersiquiatra. Naturalmente, hay unos cuantos sabios distraídos, e incluso uno que se desvanece gradualmente.

Y las máquinas: un enorme aparato aparentemente construido con la única finalidad de comer tierra mientras canta «St. James Infirmary», una pelota de hojalata con todo el encanto del Viejo Mundo, un robot transparente enamorado de sus propias vísceras, y una ególatra bomba H que habla y tiene un ojo azul.

Pero no todo es frivolidad y ligereza, ¡oh, no! Estos relatos versan sobre temas tan enormemente serios como terremotos catastróficos, un mundo, que se ha vuelto loco, canibalismo, la invasión de las arañas, un dispositivo ideado para hacer estallar todo el Universo en calidad de, uh, terapia,

Los temas, al menos, son serios

Joe Haldeman


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Título original: COSMIC LAUGHTER

Edición en lengua original:
© Joe Haldeman – 1974
© M.ª T. Segur – 1977
Traducción
© Jorge Sánchez – 1977
Diseño y realización de la cubierta

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Índice

Un ligero error de cálculo, por Ben Bova
¡Es un pájaro, por es un avión!, por Norman Spinrad
Los robots están aquí, por Terry Carr
/ de Newton, por Joe Haldeman
Los hombres que asesinaron a Mahoma, por Alfred Bester
Servir al hombre, por Damon Knight
Una bomba en la bañera, por Thomas N. Scortia
El hechicero negro del castillo negro, por Andrew J. Black Offutt
Gallegher Plus, por Henry Kuttner

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Expansão Humana na Galáxia - Robert A. Heinlein

Expansão Humana na Galáxia


A Grande Diáspora da raça humana, que começou há mais de dois milênios, quando o Êxodo Libby-Sheffield foi divulgado, e que continua até hoje não mostrando sinal algum de diminuir, tornou a redação da história, como narrativa única — ou mesmo muitas narrativas compatíveis —, impossível. No século XXI (gregoriano), no Velho Lar Terra, a nossa raça era capaz de dobrar o seu número três vezes em cada século — desde que tivesse espaço e matérias-primas.

O Êxodo para as Estrelas proporcionou ambos. O Homo sapiens espalhou-se por este setor da nossa galáxia a muitas vezes a velocidade da luz e multiplicou-se como fermento. Se tivesse ocorrido a duplicação no potencial do século XXI, nosso número seria agora da ordem de 7 X 109 X 268 — número este tão grande que chega a desafiar o controle emocional; ele é adequado apenas para os computadores:
7 X 109 X 268 = 2 066 035 336 255 469 780 992 000 000 000
ou mais de dois mil milhões de bilhões de trilhões de pessoas — ou uma massa de proteína vinte e cinco milhões de vezes maior de que toda a massa do planeta nativo da nossa raça, Sol III, Velho Lar.


Um absurdo.

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Robert A. Heinlein - Amor Sem Limites

La Muerte de Arquímedes — Karel Capek (cuento breve)

LA MUERTE DE ARQUÍMEDES

KAREL CAPEK

Karel Capek (1890-1938) es, junto con su compatriota Kafka, el nombre más sobresaliente de las letras checas de principios de siglo… y uno de los más importantes clásicos de la ciencia ficción universal. Su drama R.U.R. (publicado recientemente en español por Alianza Editorial), estrenado en 1921, fue el origen de la palabra «robot», y con él escribió otras muchas obras de fantasía: «Válka s molky» («Guerra con las salamandras», editada por Aguilar), «Povetron» («Meteoro»), «Krakatit», donde en una alucinante predicción nos narra la historia de un explosivo capaz de destruir el mundo entero… El relato que les ofrecemos aquí, una fantasía histórica de humanísima concepción, nos introduce en lo mejor de Capek: su pensamiento universal, más allá de todo tiempo y de todo espacio.


La historia de Arquímedes no sucedió exactamente en la forma en que ha sido escrita; es verdad que fue asesinado cuando los romanos conquistaron Siracusa, pero no es correcto que un soldado romano entrase violentamente en su casa con la intención de saquearla y que Arquímedes, absorto en dibujar una figura geométrica, le gritase enfadado: «¡No estropee mis círculos!». Entre otras cosas, Arquímedes no era un profesor distraído que desconociese lo que estaba ocurriendo a su alrededor; por el contrario, era por naturaleza un soldado dedicado que inventó máquinas de guerra para la defensa de la ciudad de Siracusa por sus habitantes. Por otra parte, el soldado romano no era un asaltante borracho, sino el educado y ambicioso centurión Lucius, que sabía con quién tenía el honor de hablar y que no había entrado a saquear; antes bien, saludó desde la puerta y dijo:
—Ave, Arquímedes.
Arquímedes levantó la vista de la tablilla de cera en la que realmente estaba dibujando algo y preguntó:
—¿Qué pasa?
—Arquímedes —prosiguió Lucius—, sabemos que, sin tus máquinas de guerra, Siracusa no hubiera resistido ni un mes, mientras que con ellas nos habéis tenido ocupados durante dos años completos. No pienses que nosotros, los militares, no sabemos apreciar esto. Son unas máquinas magníficas. Mis felicitaciones.
—Por favor —Arquímedes negó con su mano—, realmente no son nada, simples mecanismos para lanzar proyectiles…, meros juguetes. Desde un punto de vista científico no tienen apenas importancia.
—Pero desde el punto de vista militar sí la tienen —contestó Lucius—. Escucha, Arquímedes, he venido a pedirte que trabajes con nosotros.
—¿Con quién?
—Con nosotros, los romanos. Después de todo ya debes saber que Cartago está declinando. ¿Qué sacarías con ayudarles? Pronto los derrotaremos, ya lo verás. Lo mejor para todos es que os unáis a nosotros.
—¿Por qué? —murmuró Arquímedes—. Nosotros, los de Siracusa, somos griegos. ¿Por qué tendríamos que unirnos a vosotros?
—Porque vivís en Sicilia, y necesitamos Sicilia.
—¿Y por qué la necesitáis?
—Porque queremos ser los dueños del Mediterráneo.
—Ajá —dijo Arquímedes, y contempló reflexionando su tablilla—. ¿Y por qué lo queréis?
—Porque quien es dueño del Mediterráneo —dijo Lucius— es dueño del mundo. Esto es irrefutable.
—¿Y es necesario que seáis los dueños del mundo?
—Sí. La misión de Roma es convertirse en la dueña del mundo. Y puedo asegurarte que eso es lo que va a ser.
—Posiblemente —dijo Arquímedes, borrando algo de su tablilla—. Pero yo no lo aconsejaría, Lucius. Escucha: el ser dueños del mundo os va a ocasionar que algún día tengáis mucho que defender. Es terrible la cantidad de problemas que os va a ocasionar.
—Eso no importa; seremos un gran imperio.
—Un gran imperio —musitó Arquímedes—. Si dibujo un pequeño círculo o un gran círculo, los dos son círculos. Todavía hay fronteras…, nunca os quedaréis sin fronteras, Lucius. ¿Crees que un círculo grande es más perfecto que un círculo pequeño? ¿Crees que eres un geómetra más grande si dibujas un círculo más grande?
—Vosotros los griegos siempre estáis haciendo malabarismos con las argumentaciones —objetó el centurión—. Nosotros tenemos otros medios para probar que tenemos razón.
—¿Cuáles?
—La acción. Por ejemplo: hemos conquistado vuestra Siracusa, por tanto Siracusa nos pertenece. ¿Es ésta una prueba suficiente?
—Sí —dijo Arquímedes, y se rascó la cabeza con el punzón—. Sí, habéis conquistado Siracusa; tan sólo que ya no es y nunca más será la misma Siracusa que fue antes. Mira: era una ciudad grande y famosa, ahora ya no lo volverá a ser. ¡Pobre Siracusa!
—Pero Roma será grande. Roma tiene que llegar a ser más fuerte que cualquiera en todo el mundo.
—¿Por qué?
—Para mantener su posición. Cuanto más fuertes somos, más enemigos tenemos. Ésa es la razón por la que tenemos que ser los más fuertes.
—Sobre la fuerza —susurró Arquímedes—, soy algo versado en Física, Lucius, y te diré algo. La fuerza se absorbe a sí misma.
—¿Qué quieres decir?
—Es tan sólo una ley, Lucius. La fuerza que es activa se absorbe a sí misma. Cuanto más fuerte se es, más fuerza se usa en mantenerse así; y llegará un día…
—Continúa, ¿qué ibas a decir?
—Oh, nada. No soy un profeta, Lucius; tan sólo soy un físico. La fuerza se absorbe a sí misma. Es todo lo que sé.
—Escucha, Arquímedes: ¿no te gustaría trabajar con nosotros? No tienes ni idea de las tremendas posibilidades que se abrirían ante ti en Roma. Fabricarías las más potentes máquinas de guerra del mundo…
—Perdóname, Lucius. Soy un viejo y me gustaría trabajar en una o dos de mis ideas. Como puedes ver, en estos momentos estoy dibujando una.
—Arquímedes, ¿no te atrae la idea de ganar el dominio del mundo con nosotros?… ¿Por qué no contestas?
—Excúsame —murmuró Arquímedes, inclinándose sobre sus tablillas—, ¿qué dijiste?
—Que un hombre como tú podría conquistar el dominio del mundo.
—Hum, el dominio del mundo —dijo Arquímedes con voz aburrida—. No te ofendas, pero tengo algo más importante aquí. Algo más duradero, ¿comprendes? Algo que realmente perdurará.
—¿Qué es?
—¡Cuidado! ¡No estropees mis círculos! Es el método para calcular el área del segmento de un círculo.

Luego se dijo que Arquímedes, el sabio, había perdido la vida en un accidente.

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Título original:
DEVATERO POHADEK
© 1931, Karel Capek.
Traducción de L. V. Gil

in: Nueva Dimensión 3, espanha, 1968.

O Pesadelo - Herman Schmitz (conto curto)

Ilustração de Marcelo Galvan

O Pesadelo
por Herman Schmitz


Uma das primeiras coisas que se aprende numa estação orbital é enfrentar a si mesmo. Isto é, defrontar-se com a solidão que no espaço fica dando voltas em torno a você mesmo.

Aqui na estação orbital que rodeia o satélite Saturno VI, os cinco mil quilômetros do seu diâmetro são percorridos em 134 dias terrestres.

Faltam 82 dias ainda...

Dias... O que são eles? Talvez uma vaga referência, ecos de uma rotina certamente familiar que a nave controla diariamente da Terra. Isso que ela chama de amanhecer ou anoitecer, com aromas de pinheiros e fumaças de carros, é totalmente falso, é inteiramente inútil, como o esplendor e a vastidão desses arcos na escotilha principal – os anéis de Saturno sobre a minha cabeça.

E essa outra visão, então, mais para baixo, Saturno VI, um mundo de metano, etano e propano, etileno e acetileno, dióxido e monóxido de carbono, formando um aerossol gigantesco, um enorme inseticida de nitrogênio e hidrogênio do qual se espera um dia recriar a mesma atmosfera da Terra, já que aqui só falta o calor do sol.

Observar essas coisas é lá com os computadores, que são máquinas instruídas para reagir às ínfimas alterações lá embaixo. A mim compete apenas consagrar todo o meu tempo a desfrutar deste vasto ócio.

São 134 dias, e eu sozinho aqui em Saturno VI. Sem nada o que fazer. Sem nada para fazer. E faltam 82 dias ainda.

Agora passei a perseguir os fantasmas delirantes que arrebatam minha mente: “Que fazer quando de tuas mãos surgem bruscamente dois pequenos olhos, abertos apenas por um breve instante, numa piscadela maliciosa, para sumirem logo em seguida?”

E depois, mesmo com as mãos fechadas e rígidas, elas vão subindo, aplicando ao braço a tensão de uma força inexplicável.

Em seguida, correntes de energia me sacodem e chacoalham, transformando-me numa figura bizarra que gesticula freneticamente pelos salões vazios da estação.

Essa coisa ainda me agarrará na escuridão. Aí será então meu cérebro que saltará como um coelho assustado. E não será só mais uma, serão cinco, uma dezena, talvez centenas ou milhares dessa coisa: atacando, arrasando, arrastando tudo a ruínas.

“Tem alguém aí me ouvindo?”

Nada…

Não tenho como pedir ajuda, a interferência magnética de Saturno impede a comunicação. Só tenho botões roxos e azuis piscando intermitentes.

Lá longe, no solo marciano, o comando da missão sacode a cabeça. Não há nada o que fazer. Nada. Nada. Nada.

É só acordar, vestir qualquer roupa, comer e apertar alguns botões…

É seguro que todos os deuses se enganaram. E a dor então me atinge em cheio. Tenho somente um único desejo, o de trocar esse corpo. Esse eu não o tive nunca. Um corpo novo em qualquer outro lugar, menos aqui em Saturno VI.

Estreito destino esse de corredores intermináveis até um coração que já não mais responde…

Não. Não. Não! Não. Não… não… n…

***

— Quantos dias mesmo o coração desse aí aguentou, doutor Alberto?

— Cinquenta e dois, um dos maiores tempos conseguidos no nosso simulador. Temo que o programa brasileiro da nossa base em Saturno VI atrase bastante, excelência!

— Pois é… É um lugar danado de bão… Veja como todos eles viram poetas. Bom, temos que seguir recrutando, uai.


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Este conto pertence ao livro TERRASSOL (c) 2014
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Leitura performática do conto "O Pesadelo" realizada pelo próprio autor, na noite de sexta feira de 14 de março de 2014, na IV Mostra da Vila Cultural Cemitério de Automóveis, projeto Vilanias, Sarau: Prosa, Poesia & Outras Delícias.


Batendo na Porta Aberta — Herman Schmitz (Conto)

Ilustração de Marcelo Galvan


Batendo Na Porta Aberta

Herman Schmitz



Memorando nº 000278 

Ao Senhor Presidente da comissão de Investigações do Senado

Assunto: possível destruição da nossa realidade por seres alienígenas



Tendo em conta o alarde que hoje se faz na imprensa do nosso país a respeito do estranho sumiço do professor Martins Fontes e da sua máquina dimensional, quero, por meio deste memorando, relatar os fatos que acompanhei na condição de investigador subalterno da Borges & Berger Auditoria – sólida empresa mineira de consultoria e auditoria de projetos que foi contratada, de maneira especial, para acompanhar os assuntos relacionados à reposição de peças na construção da denominada máquina dimensional; projeto de cunho secreto das Forças Armadas Brasileiras, representado nas pessoas do General Morais e do eminente matemático e professor Martins Fontes, criador da máquina e chefe da divisão de engenharia do exército, especialmente criada para construí-la.

Desde os tempos do filósofo grego Pitágoras de Samos que os matemáticos são vistos com desconfiança, mas desta vez as suspeitas se concretizaram.

Logo que me vi na Base Militar de Itapetinga, no interior da Bahia, eu percebi que as coisas não andavam como de costume. Veja bem, contratar uma empresa de auditoria de Belo Horizonte para acompanhar uma construção secreta em outro estado, com peças vindas de São Paulo, envolvendo quilômetros de distância, parece agora intencionalmente malicioso no sentido de dificultar essa mesma auditoria.

Além disso, contei mais de vinte falhas de segurança, tanto no transporte como no armazenamento desse material. (Ver o memorando 000125.)

Outra falha crítica, a meu ver, foi a ausência nessa tarefa de outros matemáticos envolvidos com o projeto ou, pelo menos, de uma equipe de supervisão com conhecimento técnico. O controle direto de um projeto dessa natureza, atribuído ao professor Martins, foi obviamente consequência de algum ardil do próprio professor quando da negociação do projeto.

Custou-me muito tempo saber do que se tratava realmente o projeto. O General Morais me passava as listas de reposição sempre com o cenho franzido, uma espécie de mau humor que dissuadia qualquer tentativa de entendimento. Somente quando tive acesso ao professor Martins Fontes é que a ideia do todo tomou forma.

Segundo a teoria – que o próprio professor fez questão de me demonstrar –, com essa máquina dimensional se poderia transformar qualquer material, inclusive pessoas, alterando suas dimensões espaciais ao ponto de se poder achatar, por assim dizer, à espessura zero qualquer material e depois poder restituí-lo ao formato original.

Lembro claramente do professor comentando as vantagens militares de seu invento:

— Com a máquina dimensional, João Carlos, o Exército Brasileiro vai poder atravessar as fronteiras como se fosse um pelotão impresso numa folha de papel, que deslizará por baixo da porta do inimigo e do outro lado se materializará com todo o seu armamento.

Tendo eu uma natureza pacata e mineiramente tranquila, achei exagerada a conversa tipicamente militar em um ilustre matemático e imediatamente me precavi de que algo se passava.

A cada encontro nosso, a antipatia natural aumentava perante os delírios megalomaníacos a que o professor se entregava. Achava eu, na época, que o professor, de certa maneira, forjava essa personalidade belicosa somente para agradar aos militares que o estavam financiando.

Hoje, quero retificar neste memorando que a trama engendrada pela mente doentia do professor o levou a burlar os militares com esse circo, mas, ao mesmo tempo, estava relacionada às suas descobertas da existência de seres insuspeitos nas regiões unidimensionais do espaço.

Como todos os meus colegas de trabalho nesse ramo de auditoria, não somos muito loquazes, portanto o professor apreciava muito as minhas visitas, pois elas satisfaziam a sede de glória por suas descobertas, que pelo caráter secreto do projeto ele não poderia tornar públicas.

— Os geômetras, João Carlos, existem apenas nas dimensões mais básicas da geometria. Eles são segmentos perfeitos de pontos, destituídos de volumes e de detalhes e veem o nosso universo tridimensional como uma dimensão extra na sua realidade. Desse modo, a nossa relação entre eles é do quadrado elevado ao cubo. Pelos meus cálculos, eles poderiam utilizar esta nossa dimensão como uma dimensão extra e extrair toda a sua necessidade de energia da nossa dimensão. O nosso universo, para esses seres, representa apenas combustível grátis, e se eles nos descobrirem, nos queimarão como lenha e o nosso fim será no fogo do inferno como já predisse Nostradamus.

Na época, me pareceram deduções extravagantes essas, influência do ambiente de alto segredo que rodeia esse tipo de instalação militar.

Não sei precisar quanto o Alto Comando sabia das descobertas do professor. A atitude arrogante do General Morais em relação aos meus trabalhos dificultou em muito as nossas trocas de opiniões sobre o projeto. E quero enfatizar que sempre fui visto com desprezo e como um mal necessário ao desenvolvimento dessa máquina.

Essa atitude tomou uma forma mais polêmica quando enviei o memorando 000180, no qual ressalvo que as peças requisitadas pelo General Morais estavam muito acima do que seria permitido conceder ao projeto. A minha ignorância da engenharia e da matemática do projeto foi utilizada como contra-argumento e o caso foi desconsiderado.

Porém, desde aquela época e ainda hoje – temos as faturas para confirmar –, percebe-se claramente que se estava construindo duas máquinas absolutamente iguais, disfarçadas nos pedidos que se replicavam de quando em quando. Havia sempre o argumento de falhas mecânicas, mas quando investiguei – por minha conta, diga-se de passagem – o destino das peças estragadas, topei com um esquema de reciclagem que aparentemente servia apenas para camuflar o fato de não haver tantas perdas assim. (Ver o memorando 000220.)

Quando se iniciaram os testes com a máquina, a paranoia militar por segurança atingiu o apogeu, dificultando mais uma vez o acesso de pessoas mais responsáveis na avaliação dos primeiros resultados. Novamente o professor iludiu as autoridades, fechando-se no laboratório e realizando pessoalmente as primeiras viagens dimensionais.

A culpa de hoje não podermos reproduzir a máquina criada pelo professor foi desse excesso de segredo, pois agora não possuímos nem mesmo um filme ou sequer uma fotografia da máquina construída. Temos as listas com o material necessário, mas não o esquema de montagem, e, desse jeito, pode ser muito tarde quando se venha a acertar na loteria.

Senhor Presidente, espero que a simples vista dos relatórios reordenados por mim, no anexo 07 do memorando 000277, possa eliminar qualquer dúvida em relação à atitude premeditada do professor para duplicar a sua máquina e transportá-la para outra dimensão – na qual ele se encontra agora –, e depois, numa atitude covarde e egoísta, raptar a sua primeira máquina por meio da porta dimensional, deixando-nos à mercê desses seres que agora poderão nos utilizar como combustível para alimentar as suas caldeiras ou sabe-se lá o que mais.

Deixo aqui, portanto, o meu apelo no sentido de tornar público essa situação, bem como para encorajar outros grandes matemáticos do nosso país a se debruçarem nas teorias dimensionais e tentarem encontrar esses seres – os geômetras –, seja lá onde estejam, para impedir o extermínio total de nossa realidade, pois as portas que nos ligam a eles estão todas abertas.




Atenciosamente,
João Carlos de Oliveira, ex-auditor da Borges & Berger Auditoria

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Conto presente no livro TERRASSOL (c) 2014 de Herman Schmitz.

Arthur C. Clarke - Todo o Tempo do Mundo (Conto Longo)

TODO O TEMPO DO MUNDO
Arthur C. Clarke (c) 1952



Quando a tranquila batida ressoou na porta, Robert Ashton inspecionou a sala num movimento rápido e automático. Sua austera respeitabilidade deixou-o satisfeito e devia inspirar confiança a qualquer visitante. Não que tivesse alguma razão para esperar a polícia, mas não havia sentido em arriscar-se.
- Entre - disse ele, esperando para pegar os Diálogos de Platão numa prateleira ao lado. Talvez o gesto fosse um tanto aparatoso, mas sempre impressionava os clientes.
A porta abriu-se lentamente. A princípio, Ashton empenhou-se numa leitura atenta, não se preocupando em erguer os olhos. Sentiu o coração acelerar-se ligeiramente e um suave e até certo ponto estimulante aperto no peito. Naturalmente não era possível que fosse um tira, alguém lhe teria dado o aviso. Contudo, um visitante não anunciado era coisa incomum e, portanto, potencialmente perigoso.
Ashton pousou o livro, relanceou a porta com os olhos e disse com um tom de neutralidade na voz:
- Em que lhe posso ser útil?
Não se levantou. Tais cortesias pertenciam a um passado que há muito já tinha enterrado. Além disso, era uma mulher. E nos círculos que ele agora frequentava, as mulheres estavam acostumadas a receber jóias, roupas e dinheiro - mas nunca respeito.
Com aquela visitante, no entanto, havia alguma coisa que lentamente fez com que ele se erguesse na ponta dos pés. Não era apenas o fato de ser bonita. Ela possuía uma autoridade que se revelava naturalmente no porte e na atitude, que a situava num mundo diferente do mundo das amásias floridas encontradas no curso, normal dos negócios. Havia um cérebro e uma vontade atrás daqueles olhos calmos e indagadores. Um cérebro, Ashton suspeitou, igual ao seu.
Mas ele não poderia imaginar quão grosseira mente a estava subestimando.
- Sr. Ashton - ela começou -, não percamos tempo. Sei quem é o senhor e queria um trabalho seu. Aqui estão minhas credenciais.
Abriu uma sacola grande e elegante, de onde tirou um grosso maço de notas.
- Pode encarar isso - disse ela - como amostra.
Ashton apanhou a quantia que negligentemente lhe foi atirada. Era a maior soma de dinheiro que já pegara em sua vida: uma centena, pelo menos, de notas de cinco libras, todas novas e numeradas em série. Procurou-as sentir entre os dedos. Se não fossem verdadeiras, eram de tão boa qualidade que a diferença praticamente não tinha importância.
Deixou o polegar correr para cá e para lá ao longo da bolada, como se procurasse sentir as cartas de um baralho marcado, e disse pensativa mente:
- Gostaria de saber como as conseguiu. Se não são falsificadas, devem ser
roubadas, e vai ser difícil passar todas elas.
- São verdadeiras. Mas há muito pouco tempo estavam no Banco da Inglaterra. Se não têm utilidade para você pode queimá-las. Só quis mostrar que tenciono negociar.
- Vá em frente.
Fez um gesto para que ela se sentasse na única poltrona da sala e se empoleirou na beira da escrivaninha.
A visitante tirou um pacote de papéis da ampla sacola e entregou-os a ele.
- Estou pronta a pagar o que quiser se conseguir me arranjar o que está nessas listas. Você me passaria o material em hora e lugar a combinar. E tem mais. Vou lhe dar garantias de que poderá executar os roubos sem qualquer risco pessoal.
Ashton deu uma olhada na lista e suspirou. A mulher era louca. Melhor, contudo, manter o bom humor. Podia sair mais dinheiro de onde saíram a lista e a primeira bolada.
- Estou reparando - disse amavelmente - que todos esses itens estão no Museu Britânico, e que a maioria deles, rigorosamente falando, são inestimáveis. Quero dizer que não podem ser comprados nem vendidos.
- Eu não pretendo vendê-los. Sou uma colecionadora.
- Assim parece! Quanto está pronta a pagar por essas aquisições? - Faça um preço.
Houve um breve silêncio. Ashton ponderou as possibilidades. Adquirira um certo orgulho profissional com o seu trabalho, mas havia certas coisas que nenhuma soma de dinheiro tornava realizável. Ainda assim, seria divertido ver até que ponto o lance podia chegar.
Examinou novamente a lista.
- Penso que um milhão redondo seria uma cifra muito razoável por este lote - disse ironicamente.
- Acho que não está me levando muito a sério. Só com os seus contatos, você poderia ter arranjado muito facilmente esta quantia.
Houve um brilho súbito e alguma coisa faiscou no ar. Ashton pegou o colar antes que ele caísse no chão. Apesar de seu autocontrole, foi incapaz de evitar uma exclamação de espanto. Uma fortuna lhe cintilava entre os dedos. Um diamante central era o maior que já vira, e devia ser uma das jóias mais famosas do mundo.
A visitante pareceu completamente indiferente quando ele deslizou o colar para dentro do bolso. Ashton estava extremamente impressionado; percebia que o desinteresse da mulher não era uma dissimulação. Para ela, aquela fabulosa gema não tinha mais valor que um torrão de açúcar. Isso era loucura numa escala inconcebível.
- Admitindo que você possa soltar uma bolada - disse ele -, acha que é fisicamente possível fazer o que pede? Podíamos conseguir roubar um dos itens da lista, mas dentro de umas poucas horas o museu estaria em peso com a polícia atrás de nós.
Já com uma fortuna no bolso, podia dar-se ao luxo de ser franco. Além disso, tinha curiosidade em saber mais alguma coisa sobre a fantástica visitante.
Ela sorriu um pouco tristemente, como quem estivesse se adaptando a uma criança retardada.
- Se lhe mostrar como fazer - disse brandamente - aceitará o serviço?
- Sim! Por um milhão!
- Notou alguma coisa estranha desde que entrei aqui? Não está tudo muito... quieto?
Ashton prestou atenção. Meu Deus, ela tinha razão! Nunca havia silêncio completo na sala, nem à noite. E havia sempre um vento soprando na cumeeira... Para onde ele fora agora? 0 barulho distante do tráfego cessara. E há cinco minutos estivera amaldiçoando as locomotivas, que trocavam de linha no pátio de manobras do terminal da estrada de ferro. Que acontecera com elas?
- Vá até a janela.
Obedeceu à ordem e afastou as cortinas de renda encardida, os dedos tremendo ligeiramente a despeito de todo o esforço para controlá-los. Mas então relaxou A rua estava completamente, vazia, como frequentemente acontecia naquela hora da manhã. Não havia tráfego e isso explicava a ausência de ruído. Em seguida, no entanto, seu olhar caiu sobre o alvoroço das casas enfumaçadas, voltadas para o pátio de manobras.
A visitante sorriu quando ele se enrijeceu com o choque.
- Diga-me o que está vendo, Sr. Ashton.
Ele virou-se lentamente, a face pálida, engolindo em seco.
- Quem é você? - disse arquejando. - Uma bruxa?
- Não seja tolo! Há uma explicação muito simples. Não foi o mundo que se transformou; foi você.
Ashton arregalou outra vez os olhos para a inacreditável locomotiva no desvio, a coluna de fumaça congelada, imóvel, como se fosse de fios de algodão. Percebeu ainda que as nuvens estavam também imóveis; deviam estar deslizando pelo céu afora. Tudo em volta dele tinha a imobilidade antinatural da fotografia, a nítida irrealidade de uma cena entrevista num faiscar de luz.
- Você é suficientemente inteligente para descobrir o que está acontecendo, mesmo se não pode entender como a coisa foi feita. Sua escala de tempo foi alterada: um minuto do mundo exterior seria um ano nesta sala.
De novo ela abriu a sacola. Tirou desta vez o que parecia ser um bracelete de algum metal prateado, com uma série, de mostradores e interruptores incrustados nele.
- Pode chamá-lo um dínamo pessoal - disse. - Com isso no pulso, você é invencível. Pode ir e vir livremente; pode roubar tudo o que está naquela lista e me trazer todo o material antes que qualquer um dos guardas do museu tenha piscado um olho. Quando tiver terminado o serviço, pode se distanciar quilômetros antes de desativar o campo magnético e reentrar no mundo normal. Mas ouça cuidadosamente e faça exatamente o que eu disser. O campo pessoal tem um raio de dois metros, por isso você tem de manter pelo menos essa distância de qualquer outra pessoa. Em segundo lugar, você não deve desligar o bracelete até que a tarefa esteja completa e eu lhe tenha dado o pagamento. Isto é muito importante! E agora, o plano que arquitetei é o seguinte...
Nenhum criminoso na história do mundo jamais possuira tamanho poder. Era inebriante, ainda que Ashton perguntasse a si mesmo se algum dia se acostumaria à ideia de que tudo isso de fato aconteceu. Mas já deixara de se preocupar com explicações - pelo menos até o serviço estar concluído e ele ter recebido a recompensa. Depois, talvez, fugiria da Inglaterra para desfrutar de uma aposentadoria bem merecida.
A visitante saíra alguns minutos na sua frente, mas quando Ashton desceu à rua o cenário mantinha-se inteiramente inalterado. Embora estivesse preparado para isso, a sensação ainda era enervante. Sentiu um impulso para apressar-se, como se fosse impossível que tal situação perdurasse, como se tivesse que fazer o serviço antes que a coisa saísse dos eixos. O que, no entanto, conforme lhe fora assegurado, não podia acontecer.
Na High Street diminuiu o passo para apreciar o tráfego imóvel, os pedestres paralisados. Seguindo o aviso que recebera, tomou cuidado para não chegar demasiado perto de ninguém que estivesse dentro do seu campo. Como as pessoas parecem ridículas quando são vistas desse jeito, despojadas do garbo que o movimento consegue proporcionar, bocas meio abertas em caretas idiotas!
Ter de procurar auxílio era contra a sua índole, mas algumas partes do serviço eram muito trabalhosas para ele executar sozinho. De mais a mais, podia pagar, generosamente sem nunca despertar suspeitas. A maior dificuldade, Ashton percebeu, seria encontrar alguém suficientemente inteligente para não ficar alarmado - ou tão estúpido para aceitar qualquer coisa como axioma, sem discutir. Decidiu tentar a primeira das possibilidades.
O estabelecimento de Tony Marchetti situava-se ao fundo de uma rua lateral, e tão perto do posto policial que qualquer um acharia que ele estava levando o despistamento longe demais. Atravessando a porta de entrada, Ashton pôde ver de relance o sargento de serviço na delegacia sentado imóvel em sua escrivaninha. Resistiu à tentação de ir até lá para combinar um pouco de prazer com os negócios. Mas esse tipo de coisa podia esperar até mais tarde.
A porta do gabinete de Tony escancarou-se na sua frente quando ele se aproximou. Era uma ocorrência tão normal, num mundo onde nada era normal, que Ashton se pôs a imaginar o que aconteceria se o dínamo deixasse de funcionar. Deu uma rápida olhada na rua, mas tranquilizou-se com a imobilidade do quadro atrás de si.
- Mas não é possível! Bob Ashton por aqui! - disse uma voz familiar. - É incrível encontrá-lo assim tão cedo, de manhã! Você está usando um estranho bracelete. Pensei que só existisse o meu.
- Alô, Aram - respondeu Ashton. - Parece que está havendo muita coisa de que nenhum de nós está informado. Você já destinou algum trabalho a Tony ou ele ainda está livre?
- Sinto muito. Há um servicinho que o manterá ocupado por algum tempo.
- Não me diga! É na National ou na Tate Gallery? Aram Albenkian alisou o elegante cavanhaque.
- Quem lhe disse isso? - perguntou.
- Ninguém. Mas afinal você é o mais fraudulento marchand do mercado e estou começando a adivinhar o que está se passando. Será que uma morena alta, de excelente aparência, não lhe deu esse bracelete e uma lista cheia de itens?
- Não vejo por que eu devia lhe contar, mas em todo caso a resposta é não. Foi um homem.
Ashton sentiu-se momentaneamente surpreso. Depois deu de ombros.
- Eu devia ter imaginado que havia mais de um deles. Gostaria de saber quem está por trás disso.
- Tem alguma ideia? - indagou cautelosamente Albenkian.
Ashton julgou que valeria a pena ariscar-se a desperdiçar alguma informação para testar as reações do outro.
- É evidente que não estão interessados em dinheiro. Eles têm todo o dinheiro que querem e podem dispor de ainda mais com este aparelho. A mulher que se encontrou comigo disse que era uma colecionadora. Levei a coisa como piada, mas vejo agora que ela estava falando sério.
- Por que eles nos meteram na brincadeira? O que os impediria de fazer todo o trabalho sozinhos? - perguntou Albenkian.
- Talvez tivessem medo. Ou talvez quisessem nosso... ahn... conhecimento especializado. Alguns dos itens da minha lista são muito estranhos. Minha teoria é que são agentes de algum milionário maluco.
O argumento não tinha solidez e Ashton sabia disso. Mas queria ver as brechas que Albenkian tentaria tapar.
- Meu caro Ashton - disse impacientemente o outro, mostrando o pulso. - Como você explica essa coisinha? Não entendo nada de ciência, e mesmo assim sou capaz de enxergar que isso está muito além dos sonhos mais delirantes de nossa tecnologia. De tudo isso, só se pode tirar uma conclusão.
- Diga!
- Que esse pessoal é de... algum outro lugar. Nosso mundo está sendo metódica-te despojado dos seus tesouros. Você conhece toda aquela droga que se lê sobre foguetes e espaçonaves. Bem, já existe quem tenha tornado a coisa realidade.
Ashton não riu. A teoria não era mais fantástica do que os fatos.
- Quem quer que sejam - disse ele -, estão muito bem informados acerca de tudo o que pretendem. Queria saber com quantas equipes estão trabalhando. Aposto que agora mesmo alguém está visitando o Louvre e o Prado. O mundo vai ter um choque antes que o dia de hoje termine.
Despediram-se de modo bem amigável, nem um nem outro confidenciando qualquer detalhe de real importância sobre os respectivos negócios. Por um breve momento, Ashton pensou em aproveitar-se de Tony fazendo-lhe uma contraproposta, mas não havia sentido em hostilizar Albenkian. Buscaria a ajuda de Steve Regan, embora isso significasse ter de caminhar mais de um quilômetro, já que, evidentemente, não era possível utilizar qualquer meio de transporte. Morrería de velhice antes que um ônibus completasse o trajeto. E não estava certo do que aconteceria se tentasse guiar um carro enquanto o campo estivesse acionado. Além disso, fora avisado para não tentar experiência alguma.
Ashton ficou assombrado de que nem mesmo um mentecapto tão particularmente experiente quanto Steve conseguisse aceitar o dínamo com naturalidade. Teria, afinal de contas, de dizer alguma coisa, ainda que provavelmente os quadrinhos fossem a única leitura do outro. Assim, após algumas palavras de explicação grosseiramente simplificada, Steve afivelou um bracelete sobressalente que, para surpresa de Ashton, sua visitante entregara sem comentários. Em seguida, os dois iniciaram a longa caminhada para o museu.
Ashton, ou sua cliente, pensara em tudo. Ele e Steve fizeram uma pausa no banco de um parque para descansar, saborear alguns sanduíches, tomar fôlego. Quando por fim chegaram ao museu, nenhum dos dois se sentia muito esgotado pelo exercício inabitual.
Atravessaram juntos os portões do museu - incapazes, embora não fosse lógico, de falar de outro modo que não em sussurros - e subiram os amplos degraus de pedra do vestíbulo. Ashton conhecia perfeitamente o caminho. Num humor galhofeiro apresentou seu cartão da Sala de Leitura quando, mantendo uma respeitável distância, passou pelos recepcionistas transformados em estátuas. Pareceu-lhe que a maioria dos frequentadores da grande câmara comportavam-se normalmente, como sempre o faziam, mesmo sem o benefício do dínamo.
Coletar os livros indicados na lista era um trabalho simples e mecânico, mas tedioso. Pareciam ter sido escolhidos por sua beleza como obras de arte, tanto quanto pelo conteúdo literário. A seleção fora realizada por alguém que estava por dentro do assunto. Seria um trabalho deles mesmos, Ashton se perguntava, ou teriam subornado alguns especialistas, do mesmo modo como subornaram a ele? Perguntava ainda se conseguiría discernir todas as ramificações da trama.
Na lista havia um número considerável de velhas edições, mas Ashton tomava cuidado para não danificar nenhum livro, mesmo os que não faziam parte do pedido. Sempre que recolhia uma carga razoável de volumes, passava-os a Steve, que os conduzia para o saguão e os amontoava nas lajes do pavimento. Finalmente, uma pequena pirâmide estava formada.
Não importa que eles tenham saído por curtos períodos do campo do dínamo. Ninguém daria importância a uma momentânea vibração de existência no mundo normal.
Ficaram duas horas na biblioteca, fazendo depois uma pausa para outro lanche antes de continuar o serviço. De passagem, Ashton se deteve para uma tarefa um tanto pessoal.
Houve um tilintar de vidro quando a pequenina redoma, posta em solitário esplendor, entregou prodigamente seu tesouro. E assim, o manuscrito de Alice foi depositado em segurança no bolso de Ashton.
Entre as antiguidades, ele não se sentiu inteiramente à vontade. Havia alguns exemplares a serem retirados de cada galeria e, às vezes, era difícil entender as razões da escolha. Parecia - e de novo ele se lembrava das palavras de Albenkian - que essas obras de arte tinham sido selecionadas por alguém que possuía padrões total mente exóticos. Pelo menos desta vez, com umas poucas exceções, obvia mente dei não haviam sido orientados por especialistas.
Pela segunda vez na história, a redoma do Vaso de Portland foi destruída. Em cinco segundos, pensou Ashton, os alarmes estariam ressoando por todo o museu, todo o edifício estaria em alvoroço. Mas em cinco segundos ele poderia estar a quilômetros de distância. Era um pensamento embriagador, e enquanto trabalhava diligentemente para completar o serviço, começou a lamentar o preço que pedira. Mesmo agora, no entanto, ainda não era tarde demais.
Experimentou a serena satisfação do bom trabalhador ao contemplar Steve carregando a grande salva de prata do tesouro Mildenhall para o saguão. A peça foi colocada ao lado da já agora impressionante pilha de objetos.
- Aí está todo o material - disse ele. - Esta noite vou pô-lo em ordem. Agora você tem que se desfazer deste seu bracelete.
Saíram do museu e caminharam até uma rua lateral, escondida, sem pedestres por perto. Ashton desatou a estranha fivela do dínamo de Steve e afastou-se. Deu uma olhada para trás e viu o comparsa enrijecido, congelado naquela imobilidade que o atingira logo que o aparelho fora retirado do seu pulso. Steve estava outra vez vulnerável, movendo-se novamente com todos os outros homens no fluxo do tempo. Mas antes que os alarmes disparassem, ele se teria perdido nas multidões de Londres.
Quando Ashton retornou ao pátio do museu, o tesouro já tinha ido embora. No lugar da pilha de objetos se achava a mulher que o visitara há... há quanto tempo? Mantinha o porte altivo e a elegância, mas, pensou Ashton, parecia um pouco cansada. Aproximou-se para que seu campo pessoal se fundisse com o dela e os dois deixassem de estar separados por um intransponível golfo de silêncio.
- Espero que esteja satisfeita - disse ele. - Como removeu tudo tão depressa?
Ela tocou o bracelete que trazia em seu próprio pulso e deu um pálido sorriso.
- Temos muitos outros poderes além deste.
- Então por que precisaram da minha ajuda?
- Foram razões técnicas. Era necessário separar os objetos que queríamos de qualquer outro material dispensável. Devíamos reunir apenas o que precisávamos para não afetar... como devo chamá-las?... nossas limitadas facilidades de transporte. Agora pode devolver-me o bracelete?
Ashton entregou lentamente o que estivera no pulso de Steve, mas não se deu ao trabalho de desatar o seu. O que estava fazendo podia ser perigoso, mas tencionava escapar ao primeiro indício de uma reação.
- Estou pronto a reduzir meus honorários - disse ele. - Acho até que abriria mão de qualquer pagamento... em troca disso - concluiu apalpando o pulso, onde a complexa peça de metal cintilava à luz do Sol.
Ela olhou-o com uma expressão tão insondável quanto o sorriso da Gioconda... Será que isso, Ashton se perguntou, também tinha ido juntar-se às preciosidades que ele recolhera? Quanta coisa tinham retirado do Louvre?
- Eu não diria que está reduzindo os honorários - afirmou a mulher. - Todo o dinheiro do mundo não poderia comprar um único desses braceletes.
- Ora, as coisas que dei a vocês...
- O senhor é ganancioso, Sr. Ashton. Sabe que com um desses dínamos o mundo inteiro lhe pertencería.
- E que tem isso? Vocês têm algum outro interesse em nosso planeta? Já não tomaram o que queriam?
Houve uma pausa. Depois, inesperada mente, ela sorriu.
- Então achou que eu não pertenço ao seu mundo?
- Sim. E sei que vocês têm outros agentes além de mim. Vieram de Marte ou não vai querer me contar?
- Estou totalmente pronta a esclarecer. Mas é possível que a história não lhe agrade nem um pouco.
Ashton olhou-a desconfiado. O que ela quis dizer com isso? Num movimento automático, escondeu o pulso atrás das costas, protegendo o bracelete.
- Não. Eu não vim de Marte ou de qualquer planeta de que já tenha ouvido falar. Você não entendería o que eu sou. Só lhe direi o seguinte: eu vim do futuro.
- Do futuro? Isso é ridículo!
- É mesmo? Gostaria de saber por quê...
- Se esse tipo de coisa fosse possível, nossa história passada estaria cheia de viajantes no tempo. Além disso, o fato implicaria a reductio ad absurdum. Viajar para o passado podia mudar o presente e provocar paradoxos de toda a espécie.
- São bons argumentos, embora, talvez, nem tão originais quanto você supõe. De qualquer modo, eles só refutam a possibilidade da viagem no tempo em geral, não no caso muito especial que nos interessa agora.
- E o que tem ele de específico? - perguntou Ashton.
- Em ocasiões muito raras, e com o dispêndio de uma quantidade enorme de energia, é possível produzir uma... singularidade no tempo. Durante a fração de segundo em que a singularidade ocorre, o passado torna-se acessível ao futuro, embora apenas de uma maneira limitada. Podemos mandar nossas mentes até vocês, mas não nossos corpos.
- Você quer dizer - revidou Ashton - que o corpo que estou vendo foi tomado de empréstimo?
- Ok, eu paguei por ele, como estou pagando a você. O proprietário concordou com as condições. Somos muito conscienciosos nesses assuntos.
Ashton estava pensando com rapidez. Se a história era verdadeira, ele possuía uma inegável vantagem.
- Quer dizer - continuou - que vocês não têm controle direto sobre a matéria e precisam atuar por intermédio de agentes humanos?
- Sim. Mesmo esses braceletes foram feitos aqui, sob nosso controle mental.
Ela estava esclarecendo muita coisa, com demasiada prontidão, revelando toda a sua fraqueza. Um sinal de alerta estava piscando no fundo da mente de Ashton, mas ele confiava muito profundamente em si mesmo para bater em retirada.
- Está me parecendo - disse pausadamente - que você não pode obrigar-me a entregar este bracelete.
- Isso é perfeitamente correto.
- E isso é tudo o que eu queria saber.
Estava sorrindo para ele naquele momento. Havia alguma coisa naquele sorriso que o fez gelar até a medula.
- Não somos vingativos nem cruéis, Sr. Ashton - disse ela serenamente. - O que vou fazer agora se apoia unicamente em meu senso de justiça. Pois bem: o senhor pediu o bracelete; pode ficar com ele. Mas vou mostrar-lhe exatamente que utilidade terá.
Por um momento, Ashton sentiu um violento impulso para entregar o dínamo. Ela deve ter-lhe adivinhado os pensamentos.
- Não! É tarde demais. Insisto em que fique com ele. E posso tranquilizá-lo num ponto: ele não se estragará; lhe será útil - novamente aquele sorriso enigmático - para o resto de sua vida...
- O senhor se importa se dermos um passeio, Sr. Ashton? Já concluí meu trabalho e gostaria de ter uma última visão de seu mundo antes de abandoná-lo para sempre.
Virou-se e sem esperar pela resposta iniciou, a caminhada para os portões de ferro. Instigado pela curiosidade, Ashton seguiu-a.
Andaram em silêncio até se encontrarem entre o tráfego congelado na Tottenham Court Road. Durante algum tempo, ela contemplou as multidões agitadas, ainda que imóveis. Depois suspirou.
- Não posso deixar de sentir pena deles, e do senhor. Eu me pergunto como teriam se arranjado.
- Que está querendo dizer com isso?
- Ainda agora, Sr. Ashton, o senhor sugeriu que o futuro não pode mergulhar no passado, porque a história seria alterada. Uma objeção inteligente, mas, temo, irrelevante. O senhor vê: o seu mundo não tem mais história para alterar.
Ela apontou para o outro lado da estrada de ferro e Ashton girou prontamente sobre os calcanhares. Não havia nada, exceto um jornaleiro curvando-se ante uma pilha de jornais. Uma manchete estampava a incrível mensagem por entre a brisa que soprava neste mundo sem movimento. Ashton leu com dificuldade as palavras rudemente impressas:
SUPERBOMBA: TESTE HOJE
A voz em seus ouvidos parecia vir de muito longe.
- Eu lhe disse que a viagem no tempo, mesmo nesta forma limitada, requer um enorme dispêndio de energia; muito mais do que uma simples bomba pode liberar, Sr. Ashton. Mas aquela bomba é somente um estopim...
Ela apontou para a solidez do chão sob os pés.
- O senhor sabe alguma coisa sobre o seu próprio planeta? Provavelmente não; sua espécie aprendeu muito pouco. Mas até os seus cientistas já descobriram que, duas mil milhas abaixo, a Terra tem um núcleo líquido, mas muito denso. Este núcleo é formado de matéria comprimida que pode existir em qualquer um dos dois estados estáveis. Dado um certo estímulo, pode passar de um desses estados para o outro, assim como uma gangorra pode tombar ao toque de um dedo. Mas essa mudança, Sr. Ashton, irá liberar tanta energia quanto todos os terremotos desde o começo do seu mundo. Os oceanos e continentes se partirão em pedaços e serão lançados no espaço; o sol terá um segundo cinturão de asteróides. Os ecos desse cataclismo repercutirão através das idades e vão nos abrir uma fração de segundo em sua época. Durante esse instante, então, estamos procurando salvar tudo o que podemos dentre os tesouros do seu mundo. Mais não podemos fazer; mesmo se as suas motivações foram puramente egoístas e completamente desonestas, o senhor prestou à sua espécie um serviço que nunca lhe passou pela cabeça.. . Agora, tenho de retornar à nave, pois quase há cem mil anos a contar daqui as ruínas da Terra são esperadas. Pode guardar o bracelete.
A partida foi instantânea. A mulher se enrijeceu de repente, tornando-se idêntica às outras estátuas na rua em silêncio. Ele estava sozinho.
Sozinho Ashton ficou segurando o bracelete reluzente diante dos olhos, hipnotizado por sua intrincada mão-de-obra e pelos poderes que ocultava. Fizera uma barganha, tinha de lhe ser fiel. Podia sobreviver a toda a extensão de sua vida - à custa de um isolamento que nenhum outro homem jamais conhecera. Se desligasse o campo magnético, os últimos segundos da história soariam implacavelmente pela última vez.
Segundos? Na verdade, era menos tempo que isso. Pois ele entendeu que a bomba já devia ter explodido.
Sentou-se no meio-fio e começou a pensar. Não era preciso entrar em pânico; tinha de encarar as coisas calmamente, sem histeria. Afinai, ele tinha muito tempo.
Todo o tempo do mundo. 

Philip K. Dick - Biografia Esboçada

Introdução à tradução de Minority Report (Record - 2002)

Minority Report — A nova lei é a terceira superprodução de Hollywood baseada em uma obra de Philip K. Dick, junto com Blade Runner —O caçador de andróides (baseada no romance Do Androids Dream of Electric Sheeps?) e O vingador do futuro.

Houve, ainda, outras adaptações, como Screamers — Gritos mortais, com direção de Christian Dugway (baseada na novela A segunda variedade) e Impostor, de Gary Felder (baseada na história de mesmo nome). Sem mencionar a produção francesa Confissões de um doido, adaptada do romance sobre a vida nos EUA nos anos 50, Confessions of a Crap Artist. E nem se falou ainda nos projetos abortados. John Lennon interessou-se pelo romance The Three Stigmata of Palmer Eldrich (deu para perceber que Dick tinha um jeito muito particular com os títulos) e houve duas
tentativas de filmar A Scanner Darkly (primeiro com Terry Gillian na direção, agora com uma opção nas mãos de George Clooney e Steven Soderbergh).

Mas quando Dick morreu, há duas décadas, ainda muito novo, aos 54 anos de idade, seu trabalho era pouco conhecido fora de um pequeno círculo de admiradores apaixonados. Durante a maior parte de sua vida, ele foi relativamente pobre, às vezes quase miserável (em um artigo ele descreve, em seu estilo bem-humorado característico, como, durante uma época, ele e sua mulher sobreviviam comendo comida de cachorro), enquanto outros escritores americanos de ficção científica, como Isaac Asimov, Robert A. Heinlein e Frank Herbert, ficaram ricos, com grandes sucessos de vendas em todo o mundo. Apesar disso, esses três superastros só tiveram cada um uma grande produção baseada em seus trabalhos (respectivamente, O homem bicentenário, Tropas estelares e Duna — O mundo do futuro), um total que Dick sozinho conseguiu igualar.

Mas por que aconteceu isso? Por que o trabalho desse escritor praticamente sem dinheiro algum, cuja maioria dos livros eram edições de bolso baratas escritas em maratonas de algumas semanas movidas a anfetamina (no auge, escreveu seis por ano), atraiu tanta atenção?

Bem, a, primeira coisa a dizer é que, na opinião de muitos, se há um escritor de ficção científica que merece a definição de gênio, esse é Philip K. Dick. Ele não é um grande estilista literário, e às vezes a pressa com que escrevia fica evidente.

Mas uma torrente de invenção flui de seus livros e contos, acompanhada de alterações de percepção vertiginosas que são a marca registrada de seu trabalho.

Ele via o futuro de um jeito diferente dos outros escritores mais bem-sucedidos.

Enquanto eles optavam centrar suas histórias no conceito, Dick preferia as pessoas. E essas pessoas não eram heróis ou heroínas tradicionais: eram os cidadãos comuns do futuro, lutando contra versões diferentes dos problemas humanos normais: dificuldades financeiras, no trabalho e nos relacionamentos.

E no mundo do futuro que ele visualizava, essas dificuldades podiam ser aumentadas de maneiras ao mesmo tempo cômicas e imaginativas. Em uma história de Dick, se você atrasasse o aluguel, seu apartamento se recusaria a se abrir, e lhe passaria um sermão sobre suas responsabilidades. O táxi talvez seja uma máquina voadora, com um robô no volante, mas vai dar conselhos psiquiátricos misturados com sabedoria popular durante o trajeto até o seu destino. E o próprio mundo, muito freqüentemente, não era de jeito algum o que você pensava que era: a realidade do dia-a-dia que você enfrentava provava ser uma farsa elaborada e quando você, de algum jeito, conseguia ver por trás dos bastidores, normalmente encontrava algo também bastante estranho.

A maioria dos romancistas escreve sobre o que conhece, apesar de poder disfarçar isto. Dick não foi exceção. Ele gostava muito de filosofia, especialmente debates sobre a realidade e a percepção. Sua vida pessoal era muitas vezes complicada. Foi casado cinco vezes. E já mencionei seus constantes problemas financeiros. Como a maioria das pessoas nos anos 60, ele tomou drogas demais e acabou sofrendo as conseqüências disso a longo prazo. Na última década de sua vida ele também experimentou o que considerou serem revelações religiosas (apesar de poderem ter sido problemas cerebrais antecipando os acidentes vasculares que o mataram), e seus livros deram uma guinada, tornaram-se mais pesados e menos acessíveis.

Da maneira que o futuro se revelou nas últimas duas décadas — quando mesmo as previsões mais loucas começaram a tomar forma —, a visão que Philip K. Dick tinha de pessoas comuns em circunstâncias incomuns tornou-se a que melhor descreve a forma como ele é percebido por nós. Exatamente por isso, os produtores de cinema se voltaram sobre seus romances e livros, mais do que os de qualquer outro autor.

É trágico que Philip K. Dick não tenha vivido para ver isso. Ele assistiu a uma pré-estréia de Blade Runner — O caçador de andróides no início de 1982, mas morreu antes da estréia que mudou completamente a visão que o público tinha de seu trabalho. Mas ele teria visto isso como uma conclusão irônica totalmente de acordo com sua vida. E seu trabalho segue vivo, tão extraordinário hoje como quando foi escrito.

Malcom Edwards