A Sensação de Poder - Isaac Asimov (Conto Curto)

"Em meu conto "A Sensação de Poder", publicado em 1957, lancei mão de computadores de bolso, cerca de dez anos antes de tais computadores se tornassem realidade. Cheguei mesmo a considerar a possibilidade de eles contribuírem para que as pessoas acabassem perdendo a capacidade de fazer operações aritméticas à maneira antiga." (Introdução - Isaac Asimov)

A sensação de poder






Quando o velho técnico foi chamado pelo chefe dos programadores para uma reunião, não imaginava que o seu passatempo, descoberto por acaso semanas antes, iria causar tanto rebuliço. Nessa reunião, estavam presentes o presidente e generais, e o técnico nunca havia visto tanta gente importante na vida. Sem muita conversa, o programador perguntou ao técnico, na frente de todos:

— Quanto é nove vezes sete?

 Sessenta e três, – murmurou o técnico.

Foi um espanto. Todos sacaram seus computadores de bolso e conferiram a resposta. Seria o velho técnico um ilusionista? Como aquele homem podia copiar o resultado que o computador processava? Pediram explicações. O técnico falava pacientemente que havia 'bolado um jeito' de calcular usando o cérebro. Alguns debochavam, outros entendiam aquilo como uma piada de mau gosto. A seguir, pediram mais provas. Para grandes cálculos, o velho usava um bloco de papel. Extraordinário, um computador de papel! Mas o técnico se apressou em dizer que precisava do papel apenas para desenhar os números.

Os historiadores explicavam aos presentes que existia sim, havia muito tempo, uma forma de cálculo muito primitiva, e que os homens chegaram inclusive a fabricar computadores e outras coisas do zero. Era uma ciência perdida, mas provavelmente deviam ter existido estas técnicas. De alguma forma intuitiva, o velho técnico havia resgatado esta técnica, e inventou uma forma de cálculo que não fazia uso de computadores. Já os deputados e senadores debatiam com o presidente sobre a importância do invento: Por enquanto, não havia nenhuma utilidade, mas isso apontava o caminho que libertaria a máquina. A guerra, por exemplo: estavam em conflito contra um planeta vizinho, e era uma guerra de computador contra computador. A modernização dos computadores dava uma pequena vantagem, logo ultrapassada pelo outro lado, o que exigia um gasto exacerbado em tecnologia de ponta. Agora, com o 'cálculo humano' substituindo o computador – termo que se apressaram em batizar de grafíticos – a vantagem cresceria consideravelmente.

 Presidente – acrescentaram os deputados – quanto mais pudermos desenvolver estes grafíticos, mais poderemos desviar nosso esforço federal da produção de computadores e de sua manutenção. Assim que o cérebro humano assumir o poder, nossas melhores energias poderão ser canalizadas para procurar a paz, e a influência da guerra nos homens comuns será menor. Isso será mais vantajoso para o partido no poder, É claro.

O presidente ainda estava com o pé atrás. Não gostava muito da ideia de afrouxar as rédeas sobre os computadores, pois a mente humana era muito caprichosa. O computador sempre me apresenta a mesma resposta para o mesmo problema. Qual a garantia que temos de que com a mente humana seria assim? Ao que um cientista respondeu:  A mente humana apenas manipula os fatos. Não importa se a mente humana ou a máquina faz isso. Elas são apenas instrumentos.

A reunião acabou com um novo projeto aprovado. O Projeto Número, como acabou batizado, reuniu a nata dos programadores, cientistas e militares. E no meio deles, o velho técnico. Apesar de receber alto cargo e melhor salário, ele não se sentia muito à vontade com aqueles homens, e eles por sua vez não o tratavam em pé de igualdade. Em mais uma das intermináveis reuniões que participava todos os dias, ouviu dos cientistas que a meta era substituir os computadores, já que agora dominavam qualquer equação. Os militares já visionavam naves tripuladas, com humanos calculando grafíticos em tempo real e podendo inclusive corrigir trajetos ao passo que surgem novos problemas. Melhor: um deles sugeriu a ideia de mísseis tripulados por uma ou duas pessoas, o que aumentaria consideravelmente o poder de fogo dos armamentos. Computadores encarecem os projetos, e um míssil tripulado, controlando o voo, seria mais leve, ágil e mais inteligente. Isso daria uma vantagem que podia significar a vitória.

 Além disso, cavalheiros – um oficial retrucou – as necessidades da guerra nos obrigam a lembrar de uma coisa. Um homem é mais descartável que um computador. Mísseis tripulados podem ser lançados em maior número e sob circunstâncias que nenhum general empreenderia se usasse mísseis computadorizados.

Eles falaram sobre muitas outras coisas, mas o velho técnico não queria mais ouvir. Naquela noite, ele se recolheu mais cedo que o habitual, e na intimidade dos seus aposentos, elaborou cuidadosamente sua carta de despedida. Ela dizia o que se segue: "Quando comecei a estudar, isso não passava de um passatempo. Nada mais do que um agradável e prazeroso passatempo, um exercício para a cabeça. Quando o Projeto Número começou, achava que as pessoas fossem mais esclarecidas do que eu e que o que aprendemos poderia ser usado para ajudar a humanidade. Mas agora vejo que ele só será usado para a morte e a destruição. Não posso suportar a responsabilidade de ter inventado isso."

Depois, virou contra si o foco do despolarizador de proteínas e morreu instantaneamente.

Um enterro silencioso, sem muita pompa, seguiu-se na manhã do dia seguinte. Entre os presentes, o programador-chefe que havia descoberto o velho técnico. Mas aquilo já era passado: o técnico tinha dado sua contribuição, mas não era mais necessário. Agora que o projeto já estava em andamento, iria se desenvolver automaticamente até triunfar, tornando os mísseis tripulados uma realidade, juntamente com tantas outras coisas.

Nove vezes sete, pensou o programador com orgulho, sessenta e três. Não precisava mais que um computador lhe dissesse isso. Sua própria cabeça era um computador. E isso lhe dava uma fantástica sensação de poder.

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ASIMOV, Isaac. Sonhos de Robô. Rio de Janeiro, Ed. Record, 1991.

Galeria Henry Kuttner

Link para o Google+: https://photos.google.com/u/0/album/AF1QipNA1DT3GdDVGrew82gJqwAsDf0sk4f3k3Vnxrqe


A Marteformação da Terra — Herman Schmitz (Conto Digital Grátis)


Existe atualmente uma grande polêmica entre o livro em papel tradicional e o livro digital.

Quando me refiro ao livro digital, não se trata do livro de papel que foi digitalizado, isto é, copiado como nos tempos do xerox, e sim de um livro publicado para o meio digital.

Na verdade, esses e-books são somente alguns formatos de arquivos codificados de forma a poderem ser lidos em uma grande variedade de leitores, se adaptando, digamos assim, a cada classe de dispositivo de cada leitor, chamados e-readers.

Aqui no Brasil nós temos o formato Kindle que é um formato proprietário da maior livraria digital do planeta a Amazon. Temos também o LEV da Livraria Saraiva licenciado pela Odissey Francesa, e o KOBO da empresa canadense do mesmo nome, distribuído aqui pela Livraria Cultura.

Mas os livros digitais também podem ser lidos nos tablets e smartfones, bem como nos computadores, via instalação de um aplicativo ou a execução de um programa emulador universal.


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Bom, depois de tanto pensar na importância cada vez maior da literatura digital como transmissora do conhecimento e da arte em nossos dias, ousei entrar nesse escorregadio território do texto móvel, do livro flexível e portável, que se adapta como uma luva ao seu leitor eletrônico.

Como cada um pode ler com a sua letra, no tamanho que desejar, alguns aspectos da editoração parecem sumir nesse processo; a escolha de fontes, a hifenização e as quebras de páginas são desnecessárias nessa classe de livros.

Se isso parece facilitar, o mesmo não ocorre com os alinhamentos, a formatação de tabelas, as entrelinhas e a posição dos gráficos. Sem contar nos códigos do XHTML, nas cascatas de CSS e outras mumunhas técnicas que se deve utilizar na preparação e na compilação do arquivo final.

Publicar em e-Book não é uma tarefa fácil, assim como não é fácil editar um livro com qualidade gráfica. Mesmo utilizando-se os arquivos originais com que o livro foi composto na gráfica, não há muita vantagem, no sentido de que a formatação é completamente diferente e será necessário começar tudo praticamente do início.

Mas em compensação o resultado final agrada bastante, quando ele roda no dispositivo e mantém uma estética comparável ao livro de papel, embora seja levemente diferente daquele suporte.


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O resultado dessa experiência eu passo a compartir agora com vocês.

Selecionei um pequeno conto do livro, chamado A Marteformação da Terra, que foi inicialmente escrito como um recital místico-profético-alienígena e chegou a ser representado com a Banda Radicais Livres em umas três ocasiões se não me engano.

Baixe diretamente do meu DropBox.

O formato mais compatível é a versão em ePUB, a qual roda em quase todos os e-readers e também é a melhor opção para Tablets e PC's.

O link é este: https://www.dropbox.com/s/qa8tbp35oiml6s9/A%20Marteformacao%20da%20Terra%20-%20Herman%20Schmitz.epub?dl=0

Para os leitores no Kindle, o formato é o MOBI, então é só baixar nesse link: https://www.dropbox.com/s/ssw6ncxcq6giza9/A%20Marteformacao%20da%20Terra%20-%20Herman%20Schmitz.mobi?dl=0


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E para quem desejar o livro em papel, pode deixar uma mensagem aqui ou se estiver em Londrina poderá encontrar à venda na Vila Cultural Cemitério de Automóveis (Rua João Pessoa, 103-A), e também no Sebo Capricho da Rua Mato Grosso, 211.


Abraço a todos

Herman Schmitz. Londrina, 2015.

O Pedestre — Conto de Ray Bradbury

O Pedestre
Ray Bradbury


Penetrar naquela quietude que era a cidade às oito horas de uma nebulosa noite de novembro, pousar os pés naquela sólida calçada de concreto, pisar nas fendas de mato, e andar, de mãos nos bolsos, pelos silêncios, era o que o Sr. Leonard Mead mais gostava de fazer. Ficaria numa esquina de um cruzamento, olhando as calçadas enluaradas nas quatro direções, decidindo por onde ir, mas realmente, não faria diferença; estava sozinho, neste mundo de 2053, ou, como se estivesse só, e com uma decisão final tomada, um caminho escolhido, sairia andando, soltando rastros de ar congelado à sua frente, como a fumaça de um cigarro.

Às vezes, andava durante horas, milhas, e voltava para casa só à meia-noite. E, no caminho, via casas, grandes e pequenas, com suas janelas escuras, e não era diferente de caminhar por um cemitério onde só o mais fraco luzir de um vagalume como que tremeluzia por detrás das janelas. Súbitos espectros acinzentados pareciam manifestar-se sobre as paredes das salas, onde uma cortina ainda estava aberta para a noite, ou cicios e murmúrios onde uma janela num edifício-tumba ainda estava aberta.

O Sr. Leonard Mead parava, inclinava a cabeça, ouvia, olhava, e continuava a marcha, pés sem fazer ruído na calçada irregular. Há muito, prudentemente, passara a usar sapatos de tênis para passear à noite, porque os cães, em alguns quarteirões, seguiriam sua caminhada com seus latidos, se usasse calçado com sola de couro, e luzes poderiam acender-se, e rostos aparecer, e toda uma rua sobressaltar-se com a passagem de um vulto solitário; ele mesmo, no começo de uma noite de novembro.

Nesta noite, em particular, começou sua jornada para o oeste rumo ao mar, invisível. Havia um bom frio cristalino, no ar; cortava o nariz e fazia os pulmões arderem por dentro, como uma árvore de Natal; podia-se sentir as luzes acendendo e apagando, os ramos cheios de uma neve invisível. Escutava seu calçado macio empurrar delicadamente as folhas de outono, satisfeito, e assobiava frio e baixinho, entredentes, ocasionalmente arrancando uma folha, de passagem, examinando o desenho esqueletal, às poucas lâmpadas, enquanto ia adiante, cheirando seu odor enferrujado.

— Ó de casa — ele murmurava para cada casa, por todo lado, enquanto passava. — O que está passando hoje no Canal 4; Canal 7; Canal 9? Por onde estão correndo os "cowboys", e onde está a Cavalaria dos Estados Unidos, para sair daquela colina, e salvar a situação?

A rua estava silente, longa, vazia, apenas com a sua sombra movendo-se, como a sombra de um falcão, em meio a um campo. Fechou os olhos, e ficou bem quieto, congelado, e podia imaginar-se no meio de uma planície, um deserto Americano, sem ventos, inverno, sem casa nenhuma num raio de mil milhas, e só leitos de rios, as ruas, para companhia.

— E agora, o que temos? — perguntou para as casas, olhando para seu relógio de pulso. — Oito e meia? Hora de uma dúzia de assassinatos diversos? Uma charada? Um musical? Um comediante levando um tombo?

Aquilo foi um ruído de dentro de uma casa à luz da lua? Hesitou, mas continuou, quando nada mais se notou. Tropeçou numa irregularidade maior da calçada. O cimento estava desaparecento, sob as flores e o mato. Em dez anos de caminhada, noite e dia, por milhares de milhas, nunca encontrara outra pessoa andando, nunca, nem uma só vez.

Chegou a um trevo, deserto, onde duas estradas principais cruzavam a cidade. Durante o dia, era uma trovejante corrente de carros, os postos de gasolina abertos, um grande farfalhar de insetos, e um incessante mudar de posição, enquanto os carros-escaravelho, uma névoa de incenso saindo de seus escapamentos, deslizavam para casa, nas mais diversas direções. Mas agora, estas estradas, eram como rios temporários no verão, só pedra, leito, e luar.

Virou por uma rua secundária, fazendo a volta para casa. Estava a um quarteirão de seu destino, quando aquele carro solitário virou uma esquina, repentinamente, e acendeu um forte cone de luz branca sobre ele. Ficou em transe, não muito diferente de uma mariposa, atordoada pela iluminação, e então, atraído para ela.

Uma voz metálica dirigiu-se a ele:

— Fique parado. Fique onde está! Não se mova!

Ele parou.

— Erga as mãos!

— Mas... — ele falou.

— Mãos para cima! Ou atiramos!

A polícia, claro, mais que coisa rara, incrível; numa cidade de três milhões, restava só um carro de polícia, não era isso? Já havia um ano, desde 2052, o ano das eleições, que a força policial havia sido cortada de três para um carro. O crime estava desaparecendo; não havia necessidade de polícia, exceto este carro solitário vagando e vagando pelas ruas desertas.

— Seu nome? — disse o carro, num chiado metálico. Ele não podia ver os guardas lá dentro, por causa da luz muito forte em seus olhos.

— Leonard Mead — respondeu.

— Mais alto!

— Leonard Mead!

— Negócio, ou profissão?

— Acho que me pode chamar de escritor.

— Sem profissão — disse o carro de polícia, como se falando sozinho. A luz mantinha-o transfixado como um espécime de museu, agulha espetada no meio do peito.

— Pode-se dizer que sim — afirmou o Sr. Mead. Havia anos que não escrevia. Não se vendiam mais livros e revistas. Tudo continuava como sempre nas casas-tumbas, à noite, ele pensou. Os túmulos, mal-iluminados pela luz da televisão, onde as pessoas sentavam-se como os mortos, as luzes cinzentas ou multicoloridas tocando suas faces, mas nunca de fato tocando a eles.

— Sem profissão — disse a voz de vitrola, chiando. — Que está fazendo aqui fora?

— Andando — disse Leonard Mead.

— Andando!

— Só andando — ele disse, simplesmente, mas seu rosto gelou.

— Andando, só andando, andando?

— Sim, senhor.

— Andando para onde? Para que?

— Para tomar ar. Andando para ver.

— Seu endereço.

— Onze, Sul, rua Saint James.

— E há ar na sua casa; o senhor não tem um condicionador de ar, Sr. Mead?

— Sim.

— E tem uma tela para ver, na sua casa?

— Não.

— Não? — Houve uma interrupção cheia de estalidos, que em si era uma acusação.

— É casado, Sr. Mead?

— Não.

— Não casado — disse a voz policial atrás do facho, que queimava. A luz estava alta e clara, por entre as estrelas, e as casas eram cinzentas e caladas.

— Ninguém me queria — disse Leonard Mead, sorrindo.

— Não fale, a menos que seja interpelado!

Leonard Mead esperou, sob a fria noite.

— Apenas andando, Sr. Mead?

— Sim.

— Mas ainda não explicou com que propósito.

— Já expliquei; para tomar ar, e ver, e simplesmente, só para andar um pouco.

— Já fez isso muitas vezes?

— Toda noite, há anos.

O carro de polícia estava estacionado no meio da rua, com sua garganta de rádio zumbindo fracamente.

— Bem, Sr. Mead — disse.

— Isso é tudo? — ele perguntou, polidamente.

— Sim — respondeu a voz. — Por aqui. — Houve um sopro, e um estalido. A porta traseira do carro da polícia escancarou-se. — Entre.

— Espere, não fiz nada!

— Entre.

— Eu protesto.

— Sr. Mead.

Ele caminhou como um homem subitamente bêbada. Ao passar pela janela dianteira do carro, olhou para dentro. Como esperava, não havia ninguém no assento dianteiro, não havia ninguém no carro.

— Entre.

Pôs a mão na porta e olhou para o banco traseiro, que era uma pequena cela, uma jaulinha escura, com barras. Cheirava a aço rebitado. Cheirava a anti-séptico forte; cheirava a coisa muito limpa, e dura, e metálica. Não havia nada macio, ali.

— Se você tivesse uma esposa, para dar-lhe um álibi — disse a voz de aço. — Mas...

— Para onde está me levando?

O carro hesitou, ou melhor, deu um estalido e um zunido, como se a informação, em algum lugar, estivesse sendo dada por cartões perfurados, e olhos elétricos. — Ao Centro Psiquiátrico para Pesquisa de Tendências Regressivas.

Ele entrou. A porta fechou com um som abafado. O carro da polícia rodou pelas avenidas, em meio à noite, com as lanternas acesas.
Passaram por uma casa, numa rua, um momento depois, uma casa, em toda uma cidade de casas escuras, mas esta casa, em particular, tinha todas as suas luzes bem acesas, cada janela uma berrante iluminação amarela, quadrada e quente na fria escuridão.

— Aquela é minha casa — disse Leonard Mead.

Ninguém respondeu.

O carro foi pelas ruas vazias de leitos de rios, afastando-se, deixando as ruas vazias, com suas calçadas vazias, sem som nem movimento, por todo o resto da fria noite de novembro.





***
Extraído de E de Espaço © 1978 by Hemus-Livraria Editora Ltda.
Título original: The Pedestrian © 1951 by Ray Bradbury
Ilustração de Joseph Mugnaini

A Mente Alienígena — Philip K. Dick (Conto)


A MENTE ALIENÍGENA
Philip K. Dick



Quieto, nas profundezas de sua câmara Theta, ouviu um som fraco e depois a sensivoz.

– CINCO MINUTOS

– De acordo – disse e se esforçou para sair do sono profundo.

Tinha cinco minutos para ajustar o curso da nave, algo havia dado errado no sistema de autocontrole.

Um erro seu? Não era provável, nunca cometia erros. Jason Bedford cometer erros? Jamais!

Enquanto se dirigia cambaleante ao módulo de controle, viu que Norman, que havia sido enviado para divertí-lo, também estava acordado. O gato flutuava lentamente em circulos, dando pequenos golpes com as patas em uma lapiseira que alguem havia esquecido solta.

Estranho, pensou Bedford. Achava que estaria inconsciente. Reviu as leituras do curso da nave.

Impossível! Um quinto de parsec da direção de Sirio. Isso somaria uma semana na sua viagem.

Com precisão reajustou os controles, depois enviou um sinal de alerta a Meknos III, seu destino.

– Problemas? – Perguntou o operador meknosiano. A voz era seca e fria, um som monótono que fazia Bedford pensar em serpentes.

Explicou sua situação.

– Precisamos da vacina, disse o meknosiano. Trate de manter seu curso.

Norman, o gato, que flutuava majestosamente junto ao módulo de controle, estendeu uma pata e tocou aleatoriamente o painel. Os circuitos acionados soltaram tênues bips e a nave mudou de curso.

– Foi assim que você fez, disse Bedford. Me humilhou diante de um alienígena. Me reduziu a um imbecil.

Agarrou o gato e o apertou forte.

– O que foi este som estranho? Perguntou o meknosiano. Uma espécie de lamento.

Bedford respondeu sereno.

– Não foi nada. Esqueça o que ouviu.

Cortou o rádio, levou o corpo do gato para o compartimento de lixo e o ejetou no espaço. No instante seguinte regressou a câmara theta e uma vez mais adormeceu. Desta vez ninguem mexeria nos controles. Dormiu em paz. Quando a nave pousou em Meknos III, o chefe da equipe médica alienigena o recebeu com um pedido curioso.

– Gostariamos de ver seu mascote.

– Não tenho mascote, disse Bedford. O que era verdade.

– Segundo a mensagem que nos enviaram…

– Realmente não é um problema seu, disse Bedford. Vocês já tem a vacina, vou partir agora.

– A segurança de qualquer forma de vida é assunto nosso – disse o meknosiano. – Revistaremos sua nave.

– Em busca de um gato que não existe – falou Bedford.

A busca resultou inútil. Com impaciência Bedford observou como as criaturas alienigenas procuravam dentro de cada depósito de armazenamento e cada corredor da nave.

Por infelicidade, os meknosianos encontraram dez sacos de comida desidratada para gatos. Em seu próprio idioma, iniciou-se uma prolongada discussão.

– Tenho permissão para voltar para a Terra? – perguntou Bedford áspero. – Tenho um horário para cumprir.

O que diziam ou pensavam os alienigenas, pouco lhe importava, só desejava poder voltar para sua silenciosa câmara Theta e para o sono profundo.

– Terá que passar pelo procedimento de descontaminação – disse o chefe médico meknosiano. – Para que nenhum virus…

– Sei disso, disse Bedford. Podem começar.



Mais tarde quando a descontaminação se completou e preparava para acionar a partida de volta à nave, ouviu o rádio. Era um meknosiano, qualquer um, pois para Bedford eram todos iguais.

– Como se chamava o gato? Perguntou o meknosiano.

– Norman, disse Bedford e pressionou a partida. A nave disparou para cima e ele sorriu.

Não sorriu contudo ao descobrir que faltava seu gerador de energia para a câmara Theta. Tão pouco sorriu quando não conseguiu localizar a unidade de reposição.

Teria esquecido de trazê-la? Não, não poderia. Eles haviam retirado-a.



Dois anos para voltar a Terra.

Dois anos de consciência plena, privado do sonho Theta, dois anos sentado ou flutuando ou - como havia visto em holofilmes militares de entretenimento - enroscado em um canto, totalmente louco.

Lançou um pedido de rádio solicitando retorno a Meknos III.

Nenhuma resposta.

Sentado no módulo de controle, golpeou com a mão o pequeno computador interno e disse: -Minha câmara Theta não funciona, a sabotaram. O que me sugere fazer durante dois anos?

FITAS DE VÍDEO ENTRETENIMENTO DE EMERGÊNCIA'

– Certo. Tinha esquecido delas. Obrigado.

Apertou o botão indicado e o compartimento de fitas abriu deslizando.

Nenhuma fita. Apenas um brinquedo para gatos, uma bolsinha em miniatura para apertar, que haviam incluido para Norman e que nunca utilizara. Os outros compartimentos estavam vazios.

A mente alienígena era cruel, pensou Bedford. Misteriosa e cruel.

Pôs para funcionar o gravador de áudio da nave e com calma, disse com a maior convicção possível.

– O que farei será dedicar meus próximos dois anos a uma rotina diária. Primeiro serão as comidas. Passarei todo tempo possível planejando, preparando, comendo e desfrutando de pratos deliciosos. Durante o tempo que tenho daqui por diante, provarei toda combinação possível de viveres.

Dirigiu-se ao armário de alimentos.

Enquanto caia diante do armário completamente cheio, abarrotado, prateleira por prateleira, de embalagens idênticas, pensou. Por outro lado, não havia muito o que fazer com uma provisão de dois anos de comida para gatos. Em relação a variedade, seriam todos do mesmo sabor?

Eram todos do mesmo sabor.


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Título Original: The Alien Mind, 1981.

A Cidade no Mar — Edgar Allan Poe (Poema)


A cidade no mar
Edgar Allan Poe



Olhai! a Morte edificou seu trono
numa estranha cidade solitária
por entre as sombras do longínquo oeste.
Lá, os bons, os maus, os piores e os melhores,
foram todos buscar repouso eterno.
Seus monumentos, catedrais e torres (torres
que o tempo rói e não vacilam!)
em nada se parecem com os humanos.
E em volta, pelos ventos olvidadas,
olhando o firmamento, silenciosas
e calmas, dormem águas melancólicas.

Ah! luz nenhuma cai do céu sagrado
sobre a cidade, em sua imensa noite.
Mas um clarão que vem do oceano lívido
invade os torreões, silentemente,
e sobe, iluminando capitéis,
pórticos régios, cúpulas e cimos,
templos e babilônicas muralhas;
sobe aos arcos escuros e esquecidos
onde o granito se fecunda em flores;
sobe aos templos magníficos, sem conta,
onde os frios se enroscam e entretecem
de vinhedos, violetas, sempre-vivas.
Olhando o firmamento, silenciosas,
calmas, dormem as águias melancólicas.
Torreões e sombras tanto se confundem
que é tudo como solto nos espaços.
E a Morte, do alto de soberba torre,
contempla, gigantesca, o panorama.
Lá, os sepulcros e os templos se escancaram
mesmo ao nível das águas luminosas;
mas não pode a riqueza portentosa
dos ídolos com olhos de diamante,
nem das joias que riem sobre os mortos,
tirar as vagas de seu leito imóvel;
pois, ai! nem leve movimento ondula
esse imenso deserto cristalino!
Nem ondas falam de possíveis ventos
sobre mares distantes, mais felizes;
ondas não contam que existiram ventos
em mar de menos espantosa calma.



Mas, vede! Um frêmito percorre os ares.
Uma onda... Fez-se ali um movimento!
E dir-se-ia que as torres vacilaram
e afundaram de leve na água turva,
abrindo com seus cumes, debilmente,
um vazio nos céus enevoados.
As ondas têm, agora, luz mais rubra,
as horas fluem, lânguidas e fracas.
E quando, entre gemidos sobre-humanos,
a cidade submersa for fixar-se no fundo,
o Inferno, erguido de mil tronos,
curvar-se-á, reverente.

Pen and ink Dulac's illustration for ‘The City in the Sea’ from Edgar Allan Poe’s “The Bells and Other Poems” (1912).

A Ilha dos Abençoados — Luciano de Samósata (Descrição)

A 17th-century fictional portrait of Lucian of Samosata by the English painter William Faithorne.

A ILHA DOS ABENÇOADOS


Com cerca de 800 quilômetros de comprimento, no Oceano Atlântico. Terra de um povo que se veste de cor purpura com belas teias de aranha. Apesar de não terem corpo, conseguem mover-se e falar como os seres mortais. Tem a aparência de espíritos nus, cada um deles coberto por uma teia de aranha que lhes da forma ao corpo.

A ilha e comprida e plana, governada por Radamantus, natural de Creta. A capital da ilha, também chamada Abençoada, foi construída em ouro com muralhas de esmeralda. Tem sete portas fabricadas a partir de uma unica peca de canela, e as estradas que atravessam a cidade são de marfim. Ha templos a todo o tipo de deuses, feitos de berilo e contendo altares elevados de ametista, usados para sacrifícios humanos: não se aconselham os visitantes especialmente impressionáveis pela visão de sangue a assistir a cerimonia. Em torno da cidade corre um rio de um perfume requintado, com 15 metros de profundidade e facilmente navegável, sete rios de leite e oito de vinho, e há fontes de água, mel e perfume. Os banhos públicos da cidade são grandes edifícios de cristal, aquecidos com canela; as banheiras contêm água e orvalho quente.

Os viajantes não encontrarão na Ilha dos Abençoados a escuridão da noite ou a luz do dia a que estão habituados. A ilha esta permanentemente imersa na penumbra, como se o sol ainda não tivesse nascido. Aqui e sempre Primavera e só sopra um vento, o zéfiro. O pais e rico em todo o tipo de flores e todo o tipo de plantas; as videiras pro duzem cachos de uvas 12 vezes por ano; as macieiras, as romãzeiras e outras árvores dão frutos 13 vezes por ano, porque no mês de Minossa produzem duas vezes. O trigo produz não só feixes já prontos, mas também belíssimos pães, que crescem nas extremidades da planta como cogumelos.


Luciano de Samósata, História Verdadeira, séc. II.

Umbriel — Donald A. Wollheim (Cuento Corto)

Umbriel

Donald A. Wollheim



Formulario de los archivos del Departamento de Navegación Interlunar del Gobierno de Oberon:

En respuesta a las repetidas solicitudes de los ciudadanos con ansias espaciales respecto a por qué nuestras naves siempre evitan el segundo satélite del sistema de Urano, el documento siguiente es la evidencia. Se trata de un resumen del Informe de K´yaldiu, un pionero astronauta de varias generaciones atrás.


"Mi nave se deslizó a través de la atmósfera de Umbriel sin grandes dificultades. Era mucho más espesa y cálida de lo que había experimentado con anterioridad. Después de aterrizar, mis instrumentos registraron una temperatura de 60 grados bajo cero Fahrenheit (valor terrestre).

"Posé la nave sobre una superficie suave de césped verde (o así me pareció en mi primera ojeada por la helada escotilla). Después de desconectar los cohetes de propulsión, me dispuse a pisar tierra a fin de reclamar el territorio para Oberon..., siempre que no hubiera habitantes.

"Al bajar, mi olfato se vio desagradablemente sorprendido por un olor nauseabundo. El aire era espeso, pesado, caliente, y de muy mal olor. Apenas era respirable, y del suelo ascendía un calor insoportable, que no tardó en coartar mis energías.

"Tan pronto como asenté las plantas en el suelo, mis pies se hundieron en la tierra y tuve necesidad de empujarlas hacia arriba, movimiento que se vio acompañado por el más desconcertante ruido de absorción. El suelo semejaba uno de los semilíquidos que nuestros científicos obtienen en sus laboratorios cuando consiguen temperaturas suficientemente elevadas para fundir el hierro.

"Durante unos instantes conseguí avanzar. Después, una sección del suelo se abultó ante mí y mientras lo estaba contemplando, se convirtió en una cúpula hemisférica que reventó. Surgió una nube de vapor tóxico, que comenzó a girar a mi alrededor. Parecía una burbuja muy peculiar.

"Cuando llegué a una roca amarillenta y ahuecada, que se alzaba aislada sobre el terreno, me detuve a examinarla. Estaba compuesta de una substancia dura, brillante y porosa, muy diferente de todo lo que produce la Naturaleza. Además, la roca desprendía una sensación completamente antinatural.

"Percibí un movimiento a mis espaldas y al volverme divisé a uno de los seres nativos de Umbriel. Surgiendo de un agujero del terreno, vi un objeto blanco, sin forma, que no poseía brazos, piernas, ojos, orejas ni otros apéndices exteriores. Tenía boca y un cuerpo tubular de varios centímetros de longitud. Y algo más.

"Contemplé con atención lo que hacía. Y en aquel momento, lo reconocí. Entonces comprendí qué era aquella esfera en la que yo me hallaba. ¡Porque aquel ser estaba comiéndose el suelo! ¡Estaba devorando el verde césped con considerable apetito! ¡Era un gusano, un gusano de tumba de enormes proporciones! ¡Y sólo podía estar comiendo la carne de un ser muerto!

"Cuando regresé a mi «ovoide», lo encontré medio hundido en el podrido terreno. Trepé a su interior, cerré la escotilla y despegué con una explosión de mis cohetes de pólvora que iluminó todo el paisaje.

"Jamás volverá ningún ser con lúcida razón a Umbriel. Porque no es un globo natural..., es la retorcida carcasa de un animal muerto, un enorme monstruo de algún mundo colosal, que voló al espacio. Debió de ir flotando por el vacío hasta que fue capturado por Urano. Y ahora que se halla recalentado por el calor desprendido por el lejano Sol y tan cerca de Urano, ha empezado a corromperse, a pudrirse, y los gusanos han salido de las profundidades de su cuerpo para alimentarse.

"Permanecerá eternamente aislado, ya que los gusanos no son los únicos seres que moran allí. En torno a la superficie del gusano vi un cinturón de metal con unas extrañas estrías. En algún lugar de las entrañas, en los intestinos de aquel cadáver-mundo corrompido, habita la inteligencia, una raza de increíble horror que se alimenta con los cuerpos de los gusanos, de la misma manera que éstos se alimentan con la carroña que es el planeta.



"Una raza de insoportable hedor, sumamente repulsiva, habita allí. Y nada saben de otros mundos. ¡Ojalá no lleguen a saberlo nunca!"


***

Umbriel, © 1936 by Shepherd & Wollheim. Traducido por Miguel Jiménez en Las mejores historias de horror, recopiladas por Forrest Ackerman, Libro Amigo 94, Editorial Bruguera S. A., 1969.

Galeria de capas Orson Scott Card

Fotos no Goole+: https://photos.google.com/u/0/album/AF1QipPC56EOpTYuJzLimEY8w2biHjuozc-ee3QFoCTk



Orson Scott Card (24 de agosto de 1951, Richland, Washington), é um escritor de ficção científica e fantasia norte-americano.

Foi o primeiro escritor a receber o prêmio Hugo e Nebula por dois anos consecutivos, graças aos seus romances da série Ender, O Jogo do Exterminador e Orador dos Mortos.

Card é também conhecido pela novelização do filme "O Segredo do Abismo", de James Cameron.

Orson morou no Brasil por dois anos quando era missionário voluntário da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.

[wikipedia]

El Científico Y El Monstruo — Miniconto de Gahan Wilson


El Científico Y El Monstruo 

Gahan Wilson 






Un científico emprendió la difícil tarea de construir y dar vida a una nueva clase de ser humano superior. Imaginaba que su creación sería un ejemplo para el resto de los hombres, a quienes enseñaría el camino hacia una vida mejor, de progresos y, posiblemente, de paz sobre la Tierra.

Desafortunadamente, a pesar de tener las mejores intenciones, el científico erró seriamente en uno o dos puntos cruciales y economizó tal vez demasiado en los materiales. El decepcionante resultado sólo puede ser descrito como un monstruo.

El científico, que se había escondido cuando el monstruo comenzaba a despertar, espiaba consternado, mirando cómo la criatura se tambaleaba explorando el laboratorio. La cosa era horrible, y el científico se sentía terriblemente culpable por haberla construido.

«¿Qué derecho tenía yo para jugar a ser Dios y traer a esta pobre y retorcida criatura a una existencia de sufrimiento?», se preguntaba.

A través de lágrimas de arrepentimiento, el científico vio con súbito pánico que el monstruo había descubierto un gran espejo que colgaba en uno de los extremos del laboratorio y se dirigía pesadamente hacia él. 


«¡Qué horrible! —gimió el científico—. ¿Qué ocurrirá cuando este patético ser vea su espantosa imagen en el cristal?»

El monstruo se detuvo frente al espejo durante un minuto o algo así, y luego, emitiendo arrullos de deleite, comenzó a andar afectadamente de un lado hacia otro contemplando su imagen, volviéndose y adoptando distintas poses mientras lo hacía. El científico se asomó un poco más afuera del armario para observar mejor este fenómeno inesperado, pero el monstruo, al verlo, salió corriendo del salón, asustado y dando alaridos.


***

Fonte: Bruguera Ciencia Ficción nº 10

James Blish Biblioteca

Livros:

2018, Rumo Ao Infinito - James Blish.epub
250 seculos apos__ - James Blish.mobi
250 seculos apos__ - James Blish.epub
James Blish - Grupo Galactico (cuentos).pdf
James Blish - Sementes Estelares.pdf
James Blish 250 Seculos Apos.pdf
Tension superficial - James Blish.epub
Un caso de conciencia - Blish, James.epub

Link: http://minhateca.com.br/Herman.Schmitz/Marcianos.Cinema/Autores/James+Blish


Galeria de Capas James Blish

Galeria de capas no Goole+: https://photos.google.com/u/0/album/AF1QipOX-ZlGAruYQEFt6bWBYhLaA1_0GkK9fMAHCsMs

Blish, James
(1921–1975)

James Blish has long been acknowledged as one of the major writers in science fiction, his stature almost rivaling that of Robert A. HEINLEIN, Isaac ASIMOV, and Arthur C. CLARKE. He was noted for his critical essays as well as his fiction, as an editor, and unfortunately, toward the end of his career, for his novelizations of the original Star Trek series. Although he was an American citizen, he relocated to England in 1969 and remained there until his death a few years later. Blish had a wide variety of interests, including metaphysics and music, that are sometimes mirrored in his fiction, and he edited the newsletter of the James Branch Cabell Society. His career as a writer extended over nearly 40 years and includes several acknowledged genre classics.

O Escritor de Ficção Científica descrito por sua esposa (Fredric Brown)



O Escritor de Ficção Científica descrito por sua esposa
por Elizabeth Brown


Apresentação à coletânea Paradoxo Perdido 

de Fredric Brown



Fred detestava escrever. Mas gostava muito de ter escrito. Era capaz de entregar-se a toda espécie de atividade só para retardar o momento em que finalmente tinha de sentar-se à máquina: espanava a mesa, tocava flauta, lia um pouco, tornava a tocar. Ou, se residíamos numa cidade em que não houvesse carteiro, iria pessoalmente ao Correio buscar a correspondência, e, de caminho, convidava alguém para uma partida — às vezes duas ou três — de xadrez ou cartas. Quando finalmente voltava para casa, decidia já ser tarde demais para dar início ao trabalho. Após dias dessa prática, sua consciência acabava por doer. Era então que se entregava efetivamente ao trabalho, produzindo algumas linhas, ou mesmo páginas inteiras. Fosse como fosse, os livros aí estão escritos.

Não era autor prolífico. Em média, enchia três páginas por dia. Às vezes, quando o livro parecesse escrever-se por si, sua produção diária subia para seis ou sete laudas; o que entretanto era raro.

Fred tinha o hábito de andar de um lado para outro, sempre que planejava uma nova história. E como ambos passássemos em casa boa parte do tempo, surgiu o problema de que eu lhe interrompesse o fio das idéias, ao dirigir-lhe a palavra em tais ocasiões. Coisa que o azucrinava deveras. Após tentarmos, sem êxito, várias soluções, sugeri que usasse um boné vermelho quando não quisesse ser incomodado. O que ele fez. Com o passar do tempo, acostumei-me a inspecionar-lhe a cabeça antes de dirigir-me a ele.

Sempre que acabava um livro, íamos viajar, e o tempo que passávamos fora dependia exclusivamente de nossa situação financeira no momento.

Havia ocasiões em que sua imaginação realmente encalacrava. E por mais que andasse de um lado para outro em casa, não chegava a parte alguma. Quando isto se deu, certa vez, durante a composição de um de seus primeiros livros, achou ele que uma viagem noturna de ônibus talvez ajudasse. Não tinha o hábito de recolher cedo e supunha que, depois de apagadas as luzes do coletivo, tudo estando às quietas, pudesse se concentrar melhor. Muniu-se, pois, de um bloco de papéis e de um lápis-lanterna, passou alguns dias fora e, quando regressou, o problema estava resolvido.

Fez muitas outras viagens desse tipo. Tantas, que eu até acabei capaz de prever quando estavam para acontecer. Nem sempre ele regressava com a solução que tinha ido buscar; mas, nessa eventualidade, jã vinha com a trama pronta para algum outro livro.

O clímax de sua carreira foi quando abandonou a leitura de provas para dedicar-se por inteiro à tarefa de escrever. Mas a ocasião em que se sentiu mais feliz e orgulhoso foi quando ganhou o Prêmio Edgar Allan Poe, dos Escritores Americanos do Mistério, pela melhor história no gênero: The Fabulous Clipjoint. Nenhuma obra posterior lhe deu satisfação comparável. Essa assinalava, entretanto, sua estréia como escritor. É compreensível que, dentre os livros que escreveu, gostasse mais de uns que de outros; porém The Fabulous Clipjoint, por ter sido o primeiro, era também seu predileto.

Até que não tivesse vários volumes publicados, continuou a escrever contos entre um e outro livro, para não lhe faltarem recursos quando se empenhasse em obra de maior fôlego. Posteriormente, porém, só escrevia ou esboçava uma história curta quando estivesse seguro de que realmente devia fazê-lo.

Durante muito tempo desejou escrever The Office; mas, como se tratasse de um romance em moldes convencionais, a obra representava, para ele, uma experiência totalmente nova. Sabia que seus livros de mistério e ficção científica seriam sempre bem vendidos, mas ignorava qual pudesse ser a acolhida a um romance escrito por um estreante nesse campo. Ainda não se podia dar ao luxo de produzir obra que não vendesse com certeza. Por fim, escreveu-o. E vendeu.

Experimentou escrever para a TV por breve tempo, mas decidiu que isso não era para ele e acabou de volta aos livros. De sua autoria têm sido publicadas algumas centenas de contos e vinte e oito romances, sendo esta a sua oitava coletânea.

Se bem que aprecie todos os livros de Fred, o meu favorito é The Screaming Mimi. Outros de que também gosto especialmente são Here Comes a Candle, The Lenient Beast, The Far Cry, His Name Was Death e Night of the Jabberwock.

Realmente, não sou entusiasta da ficção científica, porque a maioria das obras desse gênero são, a meu ver, excessivamente técnicas. Mas acho as de Fred de fácil leitura. Minhas prediletas dentre essas são The Lights in the Sky Are Stars e The Mind Thing. What Mad Universe é obra quase clássica que também se pode contar entre as minhas favoritas.

Gosto muito de suas coletâneas, e desta em especial, por ser sua última obra acabada. E, já que representa seu adeus ao público, espero que o leitor também a aprecie.



Elizabeth Brown

Introdução à coletânea "Paradoxo Perdido". Ed. Cultrix, 1974.

John Wyndham — Galeria de Capas

Galeria de fotos de capas de John Wyndham no Google+ https://plus.google.com/u/0/photos/103998711237758699926/albums/6133130200771557569
Wyndham, John
(1903–1969)

John Wyndham Lucas Parkes Beynon Harris wrote under various combinations of his names, although almost everything after 1945 was as John Wyndham. He began writing science fiction in the 1930s, mostly traditional space adventures and tales of superscience. The Secret People (1935) is a mildly interesting lost race novel. Efforts to irrigate the Sahara cause trouble when they stir up the residents of a subterranean race that has been hiding from the surface world for thousands of years. Stowaway to Mars (1935, also published as Planet Plane and as The Space Machine) is a routine story of the political and commercial rivalries involved in the race to be the first to reach the planet Mars. The story is primarily of interest because Wyndham included a female character who was not relegated to the category of helpless female or presented as merely a foil to whom the protagonist explains everything. Strong female characters would recur with some frequency in Wyndham’s later work. Most of his short stories from this period can be found in Love in Time (1946, as by Johnson Harris), The Seeds of Time (1956), Sleepers of Mars (1973), Wanderers of Time (1973), and Exiles on Asperus (1979), the last three as by John Beynon. The short story “Sleepers of Mars” (1938) is a loose sequel to Stowaway to Mars.

After World War II Wyndham largely abandoned outer space as a setting for his work. Short stories such as “Jizzle” (1949), “Close Behind Him” (1953), and “Chronoclasm” (1953) were more thoughtful and sophisticated, and tended to present their fantastic content in a form that would be palatable to mainstream readers. His next novel was The DAY OF THE TRIFFIDS (1951, also published as Revolt of the Triffids), which was faithfully transformed into a BBC miniseries but in 1963 was turned into yet another shambling monster movie. Ambulatory plants with a poisonous sting become a major threat when an anomalous meteor shower causes near universal blindness. Out of the Deeps (1953, also published as The Kraken Wakes) followed. This was an alien invasion story somewhat in the vein of The WAR OF THE WORLDS (1898) by H. G. WELLS, in that the aliens are almost entirely offscreen during the novel. Wyndham acknowledged Wells as the author who most influenced his own work. Wyndham’s alien invaders have settled underneath the world’s oceans and use their advanced technology to melt the icecaps and flood the coastal regions, wreaking havoc on the surface world. Concerted action against them is constrained by international tensions and by humanity’s inability to see beyond its parochial concerns. The result is a story more concerned with life in the midst of a major environmental disaster than in a confrontation with monstrous aliens, all told in an understated, unmelodramatic narrative style that was extraordinarily effective.

RE-BIRTH (1955, also published as The Chrysalids) is one of the best stories of life generations after a nuclear holocaust, ranking with DAVY by Edgar PANGBORN and The Long Tomorrow (1955) by Leigh BRACKETT. The Midwich Cuckoos (1957, also published as Village of the Damned after the 1960 film version) posed an interesting situation. A small English village is cut off from the outside world by a force field for a short period, during which time everyone inside the perimeter remains unconscious. The zone of interdiction is subsequently lifted, with no explanation of its cause, and no obvious effects within the affected area, but months later every female in the village of child bearing age finds herself pregnant. The children who are born all bear a strange similarity to one another, and as they mature they begin to display extraordinary psi powers, abilities so potent and dangerous that the authorities realize the children have to be destroyed because they menace the human race. Wyndham’s matter-of-fact style was particularly effective, although the plot does not entirely make sense.

During the late 1950s Wyndham wrote a sequence of five stories that made up a brief future history. Following an atomic war, Brazil and India emerge as the two major world powers. As they develop their own space programs, the members of the Troon family emerge as pivotal figures. Four of the stories were published in book form as The Outward Urge (1959), as by John Wyndham and Lucas Parkes, although Parkes is another of his pseudonyms. A revised edition added the remaining story in 1961.

The last of Wyndham’s major novels was Trouble with Lichen (1960), in which the discovery of a method by which the human lifespan can be significantly extended has an ever widening effect on various aspects of human society. All of Wyndham’s previous novels showed minor variations in text between the American and British editions, but the disparities for Trouble with Lichen were much more substantial, with U.S. publishers removing much of the author’s commentary on international politics. His remaining two novels were comparatively minor. In Chocky (1968), a young boy’s imaginary friend turns out to be a visiting alien. It was filmed for television. Web (1979), published posthumously, describes the consequences when a group attempts to turn a remote island into a utopian community, only to discover that the local insect population has a unique society and defense mechanism of its own.

Wyndham’s later stories have been assembled as Jizzle (1954), Tales of Gooseflesh and Laughter (1956), Consider Her Ways and Others (1961), and The Infinite Moment (1961). Time travel was a common theme in the last of these. His single best short story is “CONSIDER HER WAYS” (1956), a visit to a future feminist utopia of sorts, and surprisingly advanced for its time. Although technology is sometimes important to the plot of his stories, it is always subordinated to the characters. Wyndham achieved verisimilitude by populating his fiction with ordinary people with whom his readers could readily identify.

Encyclopedia of Science Fiction
Don D'Ammassa

À Nossa Frente, o Wub — Philip K. Dick (Conto Completo)


À Nossa Frente, o Wub, por Philip K. Dick


(Tradução de João da Silva)





"O negligente wub poderia bem ter dito: muitos homens falam como filósofos e vivem como tolos."



Haviam quase terminado com a carga. Lá fora restava o Optus, seus braços cruzados, a cara fechada. O capitão Franco desceu descontraído a plataforma de carga, sorrindo.

“Qual o problema?” ele disse. “Vocês estão sendo pagos por isso tudo.”

O Optus não disse nada. Virou-se, juntando sua capa. O capitão pisou na beirada dela.

“Só um minuto. Não vá ainda. Eu não terminei.”

“Oh?” o Optus se virou, com dignidade. “Estou voltando à aldeia.” Ele olhou para os animais e pássaros sendo empurrados para a plataforma de carga, para dentro da espaçonave. “Preciso organizar novas caçadas.”

Franco acendeu um cigarro. “Por que não? Vocês podem ir lá no sertão e caçar isso tudo de novo. Mas quando nós estivermos a meio caminho entre marte e a terra –“

Sem dizem uma palavra, o Optus se foi. Franco se juntou ao tripulante no pé da plataforma.

“Como vai a coisa?” Olhou para seu relógio. “Fizemos um bom negócio aqui.”

O tripulante olhou para ele de relance, irritado. “Como você explica aquilo?”

“Qual o problema? Precisamos disso mais do que eles.”

“Te vejo mais tarde, capitão”. O tripulante seguiu seu caminho na plataforma, no meio dos pássaros marcianos de pernas longas, para dentro da nave. Franco observou enquanto ele sumia de vista. Estava justamente indo atrás dele, subindo a plataforma para entrar no embarque, quando ele o viu.

“Meu deus!” Ficou olhando, suas mãos nos quadris. Peterson estava andando pela trilha, seu rosto vermelho, levando a coisa em uma corrente.

“Desculpe capitão”, ele disse, puxando a corrente. Franco caminhou até ele.

“O que é isso?”

O wub ficou lá, indolente, seu grande corpo relaxando lentamente. Estava sentado, com os olhos semicerrados. Umas poucas moscas zuniam em seu flanco e ele balançava sua cauda.

A coisa sentou. Fez-se silêncio.

“É um wub,” disse Peterson. “Arrumei esse com um nativo por cinquenta centavos. Ele disse que é um animal muito incomum. Muito respeitado.”

“Isso?” Franco cutucou o grande lombo do wub. “Isso é um porco! Um grande porco sujo!”

“Sim, senhor, é um porco. Os nativos chamam isso um wub.”

“Um porcão. Deve pesar uns duzentos quilos.” Franco puxou um punhado do pelo grosso. O wub arfou. Seus olhos abriram, pequenos e úmidos. Então sua grande boca se retorceu.

Uma lágrima rolou pela bochecha do wub abaixo e caiu no piso.

“Talvez seja bom de comer,” disse Peterson nervosamente.

“Já, já saberemos,”, disse Franco.




* * * * *




O wub sobreviveu à decolagem, profundamente adormecido no compartimento de carga da nave. Quando já estavam no espaço e tudo estava tranquilo, o capitão Franco pediu a seus homens que trouxessem o wub para cima para que ele pudesse descobrir que tipo de animal era aquele.

O wub grunhia e bufava, espremendo-se corredor acima.

“Venha”, ralhou Jones, puxando a correia. O wub se contorceu, esfregando seu couro nas paredes lisas cromadas. Ele irrompeu na ante-sala, caindo no chão como um pacote. Os homens saltaram.

“Meu deus,”, disse French. “O que é isso?”

“Peterson diz que é um wub”, disse Jones. “Pertence a ele.”. Ele chutou o wub. O wub se levantou cambaleante, arfando.

“Qual o problema com isso?” French chegou mais perto. “Será que vai ficar doente?”

Eles observaram. O wub revirava os olhos melancolicamente. Olhou os homens à sua volta.

“Acho que ele está com sede,” disse Peterson. Ele saiu para buscar água. French balançou a cabeça.

“Não é de se admirar que tenhamos tido tanto trabalho para decolar. Tive que refazer todos os meus cálculos de lastro.”

Peterson voltou com a água. O wub começou a lamber a água, agradecido, espirrando-a nos homens.

O capitão Franco apareceu na porta.

“Vamos dar uma olhada nisso.” Ele avançou, observando criticamente. “Você conseguiu isso por cinquenta centavos?”

“Sim, senhor”, disse Peterson. “Ele come praticamente de tudo. Eu o alimentei com cereal e ele gostou. E então, com batatas, com purê, com sobras de refeição, com leite. Ele parece que gosta de comer. Depois de comer ele deita e dorme.”

“Entendi”, disse o capitão Franco. “Agora, sobre seu gosto. Essa é a verdadeira questão. Duvido que haja sentido em engordar isso ainda mais. Parece estar gordo o suficiente pra mim, já. Onde está o cozinheiro? Quero ele aqui. Quero descobrir –“

O wub parou de tomar água e olhou para o capitão.

“Realmente, capitão”, disse o wub, “sugiro que conversemos sobre outros assuntos.”

A sala ficou em silêncio.

“O que foi isso?” disse Franco. “Bem agora.”

“O wub, senhor,” disse Peterson. “Ele falou.”

Todos olharam para o wub.

“O que ele disse? O que ele disse?”

“ele sugeriu que falássemos de outra coisa.”

Franco caminhou em direção ao wub. Andou à sua volta, examinando-o por todos os lados. Então voltou para junto de seus homens.

“Imagino se não haverá um nativo dentro dele,”, disse, pensativo. “Talvez devamos abri-lo para dar uma olhada dentro.”

“Oh, pelo amor de deus,”, gritou o wub. “É só nisso que vocês conseguem pensar? Matar e cortar?”

Franco cerrou os punhos. “Saia já daí! Quem quer que você seja, saia daí!”

Nada se moveu. Os homens permaneceram juntos, suas faces vazias, olhando para o wub. O wub balançou o rabo. De repente, ele arrotou.

“Perdão,” disse o wub.

“Não creio que tenha alguém aí dentro,” disse Jones em voz baixa. Eles todos se entreolharam.

O cozinheiro chegou.

“Queria me ver, capitão?” ele disse. “Que que há?”

“Isso é um wub”, disse Franco. “É de comer. Meça ele e arrume um jeito – “

“Acho que precisamos conversar”, disse o wub. “Eu gostaria de discutir isso com você, capitão, se possível. Vejo que você e eu discordamos a respeito de algumas questões básicas.”

O capitão levou um bom tempo para responder. O wub esperou, tranquilo, sugando a água de suas mandíbulas.

“Venha até meu escritório”, o capitão disse finalmente. Ele se virou e saiu da sala. O wub levantou e o seguiu. Os homens o olharam enquanto ele saia. Ouviram-no subir as escadas.

“Queria saber o que vai sair disso,”disse o cozinheiro. “Bom, vou estar na cozinha, me avisem assim que souberem alguma coisa.”

“Claro,”, disse Jones. “Claro.”




* * * * *




O wub desabou relaxadamente em um canto, com um suspiro. “Perdoe-me,”, ele disse. “Temo que tenha-me tornado viciado em distintas formas de relaxamento. Quando se é tão grande quanto eu –“

O capitão assentiu, impacientemente. Sentou-se em sua mesa e cruzou as mãos.

“Tudo bem,”, disse. “Vamos começar. Você é um wub? É isso?”

O wub deu de ombros. “Suponho que sim. É assim que eles nos chamam, os nativos, quero dizer. Nós temos nosso próprio termo.”

“E você fala inglês? Já teve contato com gente da terra antes?”

“Não.”

“Então como você faz isso?”

“Falar inglês? Estou falando inglês? Não tenho consciência de estar falando nada em particular. Examinei sua mente –“

“Minha mente?”

“Estudei seu conteúdo, especialmente o estoque semântico, como eu o chamo –“

“Entendo,” disse o capitão. “Telepatia. Claro.”

“Somos uma raça muito velha,”, disse o wub. Muito velha e pesadona, é difícil para nós nos movermos por aí. Você há de entender que qualquer coisa tão lenta e pesada estaria à mercê de formas de vida mais ágeis. Confiar em defesas físicas não era de muita serventia para nós. Como poderíamos prevalecer? Pesados demais para correr, fracos demais para lutar, pacíficos demais para caçar –“

“Como vocês vivem?”

“Plantas. Vegetais. Podemos comer quase qualquer coisa. Somos muito universais. Tolerantes, ecléticos, universais. Vivemos e deixamos viver. É assim que nós vamos vivendo.”

O wub lançou um olhar para o capitão.

“E é por isso que eu objetei tão violentamente a esta história toda sobre me cozinhar. Eu podia ver a imagem na sua mente – a maior parte de mim no freezer, uma parte na panela, um pouco para seu gato de estimação –“

“Então você lê mentes?” disse o capitão. “Que interessante. Mais alguma coisa? Quer dizer, você faz mais alguma coisa parecida?”

“Uma coisinha ou outra.” Disse o wub, distraído, olhando o quarto á sua volta. “Um belo apartamento o que você tem aqui, capitão. Você o mantém bem arrumado. Eu respeito formas de vida organizadas. Alguns pássaros marcianos são bastante organizados. Eles jogam coisas fora de seus ninhos e os varrem –“

“Mesmo?” assentiu o capitão. “Mas, voltando á questão –“

“Perfeitamente. Você mencionou me jantar. Me foi dito que o gosto é bom. Um tanto gorduroso, mas macio. Mas como poderia algum contato mais permanente ser estabelecido entre seu povo e o meu se vocês usam de atitudes tão bárbaras? Me comer? Você, pelo contrário, deveria discutir questões comigo, filosofia, artes –“

O capitão levantou. “Filosofia. Pode lhe interessar o fato de que teremos bastante dificuldade para encontrar o que comer durante o próximo mês. Uma perda infeliz –“

“Eu sei.” O wub assentiu “Mas não estaria mais de acordo com seus princípios de democracia se todos disputássemos na sorte, ou algo assim? Afinal, democracia é para proteger a minoria justamente deste tipo de violação. Agora, se cada um de nós votasse –“

O capitão caminhou para a porta.

“Ora, dane-se,” disse. Abriu a porta. Abriu a boca.

Permaneceu lá, congelado, a boca aberta, os olhos mirando o vazio, seus dedos ainda na maçaneta.

O wub o observou. Depois, caminhou para fora da sala, passando ao lado do capitão. Seguiu pelo corredor, perdido em seus pensamentos.




* * * * *




O quarto estava quieto.

“Veja você,”, disse o wub. “Nos temos um mito em comum. Sua mente contém muitos símbolos míticos familiares. Ishtar, Odisseu, -“

Peterson estava sentado em silêncio, olhando para o chão. Ele se mexeu na cadeira.

“Continue,” ele disse. “Por favor continue.”

“Vejo no seu Odisseu uma figura comum à mitologia da maioria das raças auto-conscientes. Da maneira como o entendo, Odisseu vaga como um indivíduo, consciente de si mesmo como tal. Esta é a ideia de separação, de separação da família e do país. O processo de individuação.”

“Mas Odisseu retorna para seu lar.” Peterson olhou pela janela da nave, para as estrelas, estrelas sem fim, queimando diligentemente no universo vazio. “Ele finalmente vai para casa.”

“Como devem fazer todas as criaturas. O momento da separação é um período temporário, uma breve jornada da alma. Ele começa, ele termina. O viajante retorna para sua terra e sua raça...”

A porta se abriu. O wub parou, virando sua grande cabeça.

O capitão Franco entrou na sala, os homens atrás dele. Na porta, hesitaram.

“Você está bem?” disse French.

“Você está falando comigo?” disse Peterson, surpreso. “Como assim?”

Franco abaixou sua arma. “Venha cá,” disse para Peterson. “Levante-se e venha até aqui.”

Silêncio.

“Vá em frente,” disse o wub. “Não há problema.”

Peterson levantou. “Pra que?”

“É uma ordem.”

Peterson caminhou até a porta. French agarrou seu braço.

“O que está havendo?” Peterson se soltou, com um safanão. “Que que há com vocês?”

O capitão Franco moveu-se na direção do wub. De seu canto da sala o wub olhou para cima, pressionado contra a parede.

“Interessante,”, disse o wub, “sua obsessão com a ideia de me comer. Imagino por que será.”

“Levante-se”, disse Franco.

“Se você assim deseja.” O wub levantou-se, grunhindo. “Seja paciente. Isso é difícil para mim.” Ficou de pé, arfando, sua língua balançando tolamente.

“Atire nele agora,” disse French.

“Pelo amor de deus!” exclamou Peterson. Jones se virou para ele rapidamente, seus olhos cinzentos de terror.

“Você não viu ele – como uma estátua, parado lá, sua boca aberta. Se não tivéssemos ido lá embaixo, ele ainda estaria lá.”

“Quem, o capitão?” Peterson olhou em volta. “Mas ele está bem, agora.”

Eles olharam para o wub, em pé no meio da sala, seu grande peito subindo e descendo com a respiração.

“Vamos,” disse Franco. “Fora do caminho.”

Os homens saíram da frente, para o corredor.

“Você está um tanto amedrontado, não?” disse o wub. “Por acaso fiz algo a você? Sou contra a ideia de ferir. Tudo que fiz foi tentar me proteger. Você esperava que eu corresse ansiosamente para minha morte? Sou um ser racional, como vocês mesmos. Estava curioso para ver sua nave, aprender sobre vocês. Eu sugeri aos nativos –“

A pistola balançou.

“Veja só,”, disse Franco. “Eu imaginava isso.”

O wub sentou, resfolegando. Pôs uma pata à frente, enrolando a cauda ao seu redor.

“Está muito quente. Percebo que estamos perto dos foguetes. Poder atômico. Vocês fizeram muitas coisas maravilhosas com isso – tecnicamente. Aparentemente sua hierarquia científica não está equipara para resolver questões morais, éticas –“

Franco virou para seus homens, apinhados atrás dele, olhos arregalados, em silêncio.

“Eu faço. Vocês podem assistir.”

French assentiu. “Tente acertar o cérebro. Não é bom pra comer. Não acerte o peito. Se a caixa torácica se esmigalhar, teremos que catar os ossos.”

“Escutem,” disse Peterson, mordendo os lábios. “Ele por acaso fez alguma coisa? Que mal ele fez, eu pergunto? E, de qualquer forma, ele ainda é meu. Vocês não têm direito de atirar nele. Ele não pertence a vocês.”

Franco levantou sua pistola.

“Vou sair,”, disse Jones, sua face pálida. “Não quero ver isso.”

“Eu também,” disse French. Os homens saíram, murmurando Peterson permaneceu na porta.

“Ele estava me falando sobre mitos,” ele disse. “Não teria machucado ninguém, ele.”

Ele saiu.

Franco caminhou na direção do wub. Este olhou para cima, lentamente. Engoliu em seco.

“Uma tolice,” ele disse. “Lamento que você deseje fazer isso. Havia uma parábola que seu salvador contava –“

Ele parou, olhando para a pistola.

“Você pode me olhar nos olhos e fazer isso?” disse o wub. “Você consegue fazer isso?”

O capitão olhou para baixo. “Posso te olhar nos olhos,” ele disse. Lá na fazenda a gente tinha porcos. Porcos selvagens imundos. Eu posso fazer isso.”

Olhando para o wub abaixo de si, para seus olhos brilhantes e úmidos, ele puxou o gatilho.




* * * * *




O gosto estava excelente.

Eles estavam sentados ao redor da mesa, taciturnos. Alguns mal comiam. O único que parecia estar se divertindo era o capitão Franco.

“Mais?” disse, olhando em volta. “Mais? E algum vinho, talvez.”

“Não para mim,” disse French. “Acho que vou voltar para a sala de navegação.”

“Eu também.” Jones levantou-se, empurrando sua cadeira para trás. “Até mais.”

O capitão os observou partir. Alguns dos outros também aproveitaram para sair.

“O que você crê seja o problema?” disse o capitão. Virou-se para Peterson. Peterson estava sentado olhando para seu prato, para as batatas, as ervilhas e para o grande pedaço de carne macia e quente.

Ele abriu sua boca. Nenhum som saiu dela.

O capitãp pôs sua mão no ombro de Peterson.

“É só matéria orgânica agora,” ele disse. “A essência da vida se foi.” Ele comeu, pegando um bocado de molho com um naco de pão. “Eu mesmo, adoro comer. É uma das grandes coisas que uma criatura viva pode apreciar. Comida, descanso, meditação, discutir coisas.”

Peterson concordou. Dois outros homens se levantaram e saíram. O capitão bebeu um pouco de água e suspirou.

“Bem,”, disse. “Devo admitir que esta foi uma refeição bastante agradável. Todos os relatos que havia ouvido eram realmente verdade – o gosto de wub. Muito agradável. Mas eu estava impedido de apreciá-lo em tempos passados.”

Limpou os lábios com o guardanapo e se recostou na cadeira. Peterson olhava desanimado para a mesa.

O capitão o observava atentamente. Inclinou-se em sua direção.

“Ora, vamos,” disse. “anime-se! Vamos discutir coisas.”

Ele sorriu.

“Como estava dizendo antes de ser interrompido, o papel de Odisseu nos mitos –“

Peterson levantou-se de um salto, olhando-o.

“Continuando,” disse o capitão. “Odisseu, tal como o compreendo -"

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Publicado pela primeira vez em Planet Stories, Julho de 1952.