Posfácio de Frederik Pohl para a novela Nave Escrava, sobre o futuro das comunicações entre homens e animais.
Anotar fatos contemporâneos ou verdades científicas já acertadas não é tarefa de qualquer escritor de ficção científica. Entretanto ele deve considerar fatos já conhecidos e, por meio da extrapolação, deve compor um quadro pormenorizado daquilo que pensa que poderá ser descoberto pelos cientistas de amanhã... e como a futura raça humana poderá reagir a isto em seu cotidiano.
Como nem todos os elementos científicos contidos em Nave Escrava são "extrapolações", parece-me necessário oferecer uma espécie de indicador que permita haver uma distinção entre as coisas. Pelo que o autor sabe, desde o doutor Doolittle, nenhuma criatura humana conseguiu conversar, tratando de assuntos abstratos, com qualquer outra criatura que não fosse humana também. Entretanto, os idiomas animais existem, não apenas entre os gênios do reino animal, como os primatas e os cachorros, mas entre todas as espécies, mesmo as menos desenvolvidas. Obviamente, a questão gira em torno de uma definição do termo "idioma". Já foi comprovado que as abelhas se comunicam por meio de um certo número de sinais. Se o idioma só pode ser "falado", podemos citar o sapo, talvez o mais inferior entre os animais providos de voz. Um tipo de sapo que vive em Santo Domingo pronuncia pelo menos uma "palavra: trata-se de um guincho parecido ao de um porco, que ele solta em caso de alerta, e que difere de maneira absoluta de seus coachos habituais, que se parecem com latidos.
Considerando espécies mais desenvolvidas, lembramos o Dr. Konrad V. Lorenz, que conseguiu se comunicar com gralhas, patos e marrecos selvagens e outras aves, a respeito de matérias que as interessavam. Seus conhecimentos do idioma das gralhas inclui, por exemplo, sutilezas deste tipo: as duas formas do verbo "voar": Kia, que significa voar embora, e Kiaw, que significa voar para casa. Outras pessoas conseguiram resultados positivos pesquisando outros pássaros. Ernest Thompson Seton anotou uma comprida lista de "palavras" no idioma dos corvos; um cientista compilou um dicionário de sete verbetes no idioma dos gaios, e assim por diante.
Considerando então os mamíferos, somos levados a esperar um aumento considerável da quantidade de "palavras" e da sofisticação ao usá-las. Nossa expectativa está justificada. É difícil imaginarmos um homem que tenha vivido por muito tempo em contato com um cachorro, por exemplo, e que negue que seu animal tenha tentado se comunicar com ele, conseguindo muitas vezes um resultado. É verdade que os animais domésticos (especialmente os "superdomésticos", como os cachorros) são um caso à parte, podem ser comparados a uma criança americana criada na Babilônia; ela aprenderia sem dúvida a se comunicar, mas o faria em termos babilônicos e não no idioma de seus pais. A este ponto, vale a pena lembrar que pelo menos um cachorro, cujo nome era Fellow e que foi convidado de honra da Universidade Colúmbia de Nova Iorque, possuía um vocabulário inglês de quatrocentas palavras, que ele sempre reconhecia, não importando quem as pronunciasse. Entretanto, precisamos eliminar o idioma canino de nossas considerações, pois trata-se, na melhor das hipóteses, de uma espécie de beche-la-mer ou linguagem franca, totalmente poluída pelo idioma humano.
É possível que a linguagem dos gatos seja mais pura, e já foram identificadas quinze palavras felinas, e mais meia dúzia de equinas, e algumas poucas do idioma dos elefantes e dos porcos. O gibão, o gorila, e o orangotango possuem vocabulários extensos. E o chimpanzé, que dentre os primatas foi o mais pesquisado (exceto o homem), não apenas possui um vocabulário de trinta e duas palavras identificadas e distintas, mas segundo Blanche Learned poderia até reclamar para si um feito único de fama linguística. Um filólogo chamado George Schwidetzki afirma ter encontrado traços de palavras do idioma chimpanzé no chinês antigo ("ngak") num dialeto boxímane da África do Sul (um estalo da língua) e até no alemão moderno! (a palavra alemã "geck", originada na palavra chimpanzé "gack").
Uma das definições usadas para os homens refere-se a eles como "os animais que usam instrumentos", mas os elefantes arrancam galhos de árvores para espantar as moscas, os macacos-aranha costumam construir escadas para seus filhotes usando trepadeiras e existem também provas plausíveis para o fato que o urso polar costuma caçar leões-marinhos adormecidos com o auxílio de um instrumento primitivo que ele costuma arremessar: usar pedra de gelo. Existe uma outra definição que identifica o Homem como um "animal falante", mas as poucas observações anotadas mais acima provam que esta capacidade não deve ser considerada como única.
Talvez exista mais um pouco de espaço para uma terceira definição do Homem, não muito melhor que as duas anteriores, mas talvez não muito pior: o Homem, este animal esnobe... que se agarra na escada da evolução, permanecendo um degrau acima dos primitivos, e continua serrando a escada, serrando na tentativa de cortar qualquer ligação existente entre ele próprio e as Bestas desprovidas de alma, de fala e de cérebro... que, na realidade, não existe.
Frederik Pohl, 1956.