Introdução à tradução de Minority Report (Record - 2002)
Minority Report — A nova lei é a terceira superprodução de Hollywood baseada em uma obra de Philip K. Dick, junto com Blade Runner —O caçador de andróides (baseada no romance Do Androids Dream of Electric Sheeps?) e O vingador do futuro.
Houve, ainda, outras adaptações, como Screamers — Gritos mortais, com direção de Christian Dugway (baseada na novela A segunda variedade) e Impostor, de Gary Felder (baseada na história de mesmo nome). Sem mencionar a produção francesa Confissões de um doido, adaptada do romance sobre a vida nos EUA nos anos 50, Confessions of a Crap Artist. E nem se falou ainda nos projetos abortados. John Lennon interessou-se pelo romance The Three Stigmata of Palmer Eldrich (deu para perceber que Dick tinha um jeito muito particular com os títulos) e houve duas
tentativas de filmar A Scanner Darkly (primeiro com Terry Gillian na direção, agora com uma opção nas mãos de George Clooney e Steven Soderbergh).
Mas quando Dick morreu, há duas décadas, ainda muito novo, aos 54 anos de idade, seu trabalho era pouco conhecido fora de um pequeno círculo de admiradores apaixonados. Durante a maior parte de sua vida, ele foi relativamente pobre, às vezes quase miserável (em um artigo ele descreve, em seu estilo bem-humorado característico, como, durante uma época, ele e sua mulher sobreviviam comendo comida de cachorro), enquanto outros escritores americanos de ficção científica, como Isaac Asimov, Robert A. Heinlein e Frank Herbert, ficaram ricos, com grandes sucessos de vendas em todo o mundo. Apesar disso, esses três superastros só tiveram cada um uma grande produção baseada em seus trabalhos (respectivamente, O homem bicentenário, Tropas estelares e Duna — O mundo do futuro), um total que Dick sozinho conseguiu igualar.
Mas por que aconteceu isso? Por que o trabalho desse escritor praticamente sem dinheiro algum, cuja maioria dos livros eram edições de bolso baratas escritas em maratonas de algumas semanas movidas a anfetamina (no auge, escreveu seis por ano), atraiu tanta atenção?
Bem, a, primeira coisa a dizer é que, na opinião de muitos, se há um escritor de ficção científica que merece a definição de gênio, esse é Philip K. Dick. Ele não é um grande estilista literário, e às vezes a pressa com que escrevia fica evidente.
Mas uma torrente de invenção flui de seus livros e contos, acompanhada de alterações de percepção vertiginosas que são a marca registrada de seu trabalho.
Ele via o futuro de um jeito diferente dos outros escritores mais bem-sucedidos.
Enquanto eles optavam centrar suas histórias no conceito, Dick preferia as pessoas. E essas pessoas não eram heróis ou heroínas tradicionais: eram os cidadãos comuns do futuro, lutando contra versões diferentes dos problemas humanos normais: dificuldades financeiras, no trabalho e nos relacionamentos.
E no mundo do futuro que ele visualizava, essas dificuldades podiam ser aumentadas de maneiras ao mesmo tempo cômicas e imaginativas. Em uma história de Dick, se você atrasasse o aluguel, seu apartamento se recusaria a se abrir, e lhe passaria um sermão sobre suas responsabilidades. O táxi talvez seja uma máquina voadora, com um robô no volante, mas vai dar conselhos psiquiátricos misturados com sabedoria popular durante o trajeto até o seu destino. E o próprio mundo, muito freqüentemente, não era de jeito algum o que você pensava que era: a realidade do dia-a-dia que você enfrentava provava ser uma farsa elaborada e quando você, de algum jeito, conseguia ver por trás dos bastidores, normalmente encontrava algo também bastante estranho.
A maioria dos romancistas escreve sobre o que conhece, apesar de poder disfarçar isto. Dick não foi exceção. Ele gostava muito de filosofia, especialmente debates sobre a realidade e a percepção. Sua vida pessoal era muitas vezes complicada. Foi casado cinco vezes. E já mencionei seus constantes problemas financeiros. Como a maioria das pessoas nos anos 60, ele tomou drogas demais e acabou sofrendo as conseqüências disso a longo prazo. Na última década de sua vida ele também experimentou o que considerou serem revelações religiosas (apesar de poderem ter sido problemas cerebrais antecipando os acidentes vasculares que o mataram), e seus livros deram uma guinada, tornaram-se mais pesados e menos acessíveis.
Da maneira que o futuro se revelou nas últimas duas décadas — quando mesmo as previsões mais loucas começaram a tomar forma —, a visão que Philip K. Dick tinha de pessoas comuns em circunstâncias incomuns tornou-se a que melhor descreve a forma como ele é percebido por nós. Exatamente por isso, os produtores de cinema se voltaram sobre seus romances e livros, mais do que os de qualquer outro autor.
É trágico que Philip K. Dick não tenha vivido para ver isso. Ele assistiu a uma pré-estréia de Blade Runner — O caçador de andróides no início de 1982, mas morreu antes da estréia que mudou completamente a visão que o público tinha de seu trabalho. Mas ele teria visto isso como uma conclusão irônica totalmente de acordo com sua vida. E seu trabalho segue vivo, tão extraordinário hoje como quando foi escrito.
Malcom Edwards