quinta-feira, 13 de março de 2014

Roberto Schima - Melancólica crônica de um alienígena disfarçado em autor de ficção científica

Melancólica crônica de um alienígena disfarçado em autor de ficção científica


Tememos assustá-los.
Nas raras aparições, transformaram-nos em monstros ou alçaram-nos ao panteão dos deuses.
Disfarcei-me de humano, de autor de ficção-científica para, através dos textos, familiarizá-los com a existência de outros seres, outras tecnologias, outras perspectivas, vivendo em outros planetas, em outras realidades e, até mesmo, em seu próprio planeta Terra, fosse em retiros isolados como nas profundezas marinhas ou no cimo das mais elevadas e tempestuosas cordilheiras. E, até mesmo, entre eles, lado a lado, em um clube de ficção-científica ou na fila do supermercado, sem que dessem conta disso. Outros como eu fizeram o mesmo, e tiveram mais êxito: criaram roteiros para o cinema, deram palestras em universidades sobre exobiologia, lecionaram astronomia, desenvolveram projetos de busca de vida inteligente por meio de radiotelescópios ou enviando satélites para a descoberta de planetas em outros sistemas solares. Até mostramos nosso próprio planeta entre eles!
Tudo para dizer que existimos, que acompanhamos a vida neste mundo bem antes que a vida, propriamente, existisse.
Tudo para prepará-los para o derradeiro momento: a nossa revelação perante a humanidade.
O grande contato imediato do terceiro grau.
Evitar o maior dos choques culturais.
Ao menos no plano das idéias, suposições, fantasias e até piadas, aceitaram-nos. Passaram a inventar suas próprias mitologias, histórias e filmes. Os efeitos especiais que, a princípio espantavam, hoje não causam surpresa. Jovens cientistas, impulsionados pelas idéias exibidas, tornaram realidade algumas delas e inventaram outras que ninguém havia cogitado. O mundo mudou e tem mudado aceleradamente.
Até eu próprio, há tantos séculos aqui, sinto dificuldade em acompanhá-lo.
Agora, sinto, o temor cedeu lugar a um certo receio: o receio de desapontar.
Os artigos, livros, músicas, filmes, páginas na Internet, retratam extraterrestres de uma maneira que nunca fomos ou seremos.
Não somos grandiosos, não temos tamanhos de edifícios e nem somos capazes de ressuscitar os mortos, embora tenhamos legado-lhes um paliativo: à clonagem. Não expelimos raios pelos olhos e nem temos uma luz na ponta do dedo. Somos criaturas, digamos, comuns; fomos criados pela mesma ação da Natureza que tornou o céu azul, trouxe o nevoeiro nas manhãs de inverno ou deu asas aos pássaros. Ah, sim, é um consolo para nós dizer que também não somos nanicos de pele verde e antenas, ou calvos e cabeçudos.
Depois de tanta espera, tantas especulações e preparo, eu e meus iguais sentimos relutância em mostrarmos como realmente somos e de onde realmente viemos.
Acreditariam em nós?
Mandar-nos-iam para o hospício mais próximo?
Agora, a humanidade está preparada. Fartamente preparada até, “ad nauseaum”.
Preparados não estamos nós.
Em nós, agora, não há o temor de atemorizá-los, mas o próprio temor que sentimos.
Temor do desapontamento.
Temos do descrédito.
Temor de termos esperado tanto em vão.
Temor de estarmos obsoletos por nossas próprias mãos.
Seja como for – e como dizem – o “show” precisa continuar.
Como uma cortina que se abre e nem um aplauso sequer é ouvido.
Só o cricrilar de grilos...
... sem palmas para bater.