quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Rubens Teixeira Scavone - Especialmente, quando sopra outubro (conto)


Os próprios pais não sabiam quando os sintomas iniciais apareceram. E o nome sempre fora, desde o começo, "perturbação". Nem o primeiro médico, amigo da família, pela mão de quem Ângela viera ao mundo, nem os especialistas posteriormente chamados, jamais falaram em moléstia ou qualquer outro termo científico. Apenas e tão somente "perturbação", como se o eufemismo pudesse confortar os pais e proteger a menina da contundência de uma designação mais explícita.

Cinco ou seis anos após o nascimento de Ângela, o velho médico revolveu as fichas do seu arquivo, teve de contentar-se, nada achando de especial, apenas com as recordações. Como as lembranças eram comuns, não havia outra saída senão aceitar a completa naturalidade do parto de que nascera um bebê rosado e chorão como os outros, recebendo palmadas nas costas e irrompendo para a vida num alarido festivo que reboara pelos corredores como nota álacre ansiosamente esperada.

Mas, ordenando-se os fatos e as recentes etapas da existência de Ângela, certo acontecimento havia que poderia ser fixado como o início das "atribulações". Só os especialistas anotaram essa ocorrência, tênue fio capaz de deslindar a meada. Fora num mês de outubro, no dia em que a menina completara cinco anos. E o que se anotara nas fichas? A festa, os amigos, os parentes, a casa de campo cheia de visitas, o bolo, as luzes, as cores, o vestido rendado da aniversariante e, por fim, a sua inesperada crise de choro, fechada no quarto, estirada na cama. 

Convulsão violenta, reação histérica, recusa em descer, atitude anormal e injustificada que provocara a assistência médica e a primeira poção de sedativo que transportara Ângela ao profundo sono. A mãe, ainda viva, impressionara-se com a transformação da filha, e contava, desfeita em pranto:

- Lembro-me muito bem. Foi em outubro, numa tarde fria e ventosa, no dia do aniversário dela. Não foi o seu choro que me impressionou, mas o seu olhar de ódio. Em lágrimas largada no leito, não queria que eu me aproximasse sequer. Tinha a expressão distante, longínqua, e quando fixava os olhos em nós era como se fôssemos desconhecidos.

Com o decorrer dos dias e dos meses, porém, o episódio do aniversário foi sendo esquecido e ninguém lhe deu mais importância.

Na verdade, talvez apenas se tratasse de um capricho de infante que defende seu universo da invasão de estranhos, uma crise de solipsismo num sombrio crepúsculo de outubro. Com certeza apenas isso, nada mais.

Já pelos seis ou sete anos as coisas foram se complicando. Introspectiva, como fechada numa redoma, Ângela convivia consigo mesma. Mal tolerava os familiares e os domésticos. Em relação aos outros parentes e estranhos manifestava incontrolável repulsa.

Quando morrera a mãe, ao tempo em que a menina completara oito anos, ela já organizara definitivamente o seu universo. Ilha remota no âmago do casarão cujos prolongamentos geográficos alcançavam a estrada e a alameda de cedros, não raro se espraiando pelas colinas das quais se divisava a cidade ao longe e a chaminé sempre coroada de fumo que assinalava a atividade da fábrica do pai.

Havia a governante. A velha alemã, de compostura solene e andar rígido, impassível na aparência mas dedicada, aquela que lhe sugerira os primeiros devaneios com histórias de elfos e de fadas, de gênios e duendes que habitavam o lago escuro, que se escondiam pelas ravinas e que pelas madrugadas quentes saiam aos bandos em busca de vaga-lumes. Cenários estimulantes, eram nada e tudo ao mesmo tempo. Solidões geladas onde lobos uivavam ou feudos tranquilos onde princesas sonhavam com seus eleitos; nuvens rosadas que sustentavam castelos ou desertos onde ondulavam miragens. Os domínios da menina eram imensos, magicamente povoados. O que menos importava eram as bonecas, os coelhos de pelúcia, os cachorros e gatos de feltro, ou o elefante enorme, cinzento, de cela encarnada, que respondia com um ronco todas as vezes que Ângela lhe puxava a argola implantada no dorso. Tais brinquedos não passavam de simulacros banais, réplicas fraudulentas de certa realidade desinteressante. Por isso ela os desprezava. Dispunha de algo superior que tornava inúteis as fábricas de brinquedos, a fortuna do pai ou mesmo as sugestões da governante. E esse algo era - a imaginação.

Não precisava fechar os olhos, mas apenas recorrer ao tenaz impulso da sua vontade: e lá surgia o seu mundo. Quando as coisas começavam a delinear-se, a concentração aumentava, tornava-se imperioso continuar. Os olhinhos da menina se contraíam, fixavam-se com angústia no ponto visado: a clareira banhada por uma réstia de luz, o espaço vazio no lago em meio aos nenúfares, o caminho da encosta ladeado pelos abetos. 


Então as aparições iam se configurando. Primeiro, os contornos do urso, apenas o perfil; uma linha indecisa que não chegava a interromper a paisagem. Concentrando-se mais, o monstro aos poucos ia ganhando forma. O dorso acentuava-se, nascia a possante cabeça, delineava-se a boca hiante, brotavam os dentes pontiagudos. Ângela sentia-se tomada por um calor intenso e estimulante que fazia brotarem miúdas pérolas de suor em sua testa delicada, nas palmas de suas mãos franzinas. 

Ria, ria alto, pois estava bem longe da governante e podia divertir-se à vontade, esforçando-se para completar a figura daquele amigo ameaçador. Da goela escancarada do urso extravasava a saliva, as patas se elevaram, as garras exibiam-se ferozes, as pupilas destilavam sangue. Num esforço supremo a menina fazia com que a fera soltasse um urro bárbaro que, acentuando ainda mais o peso do animal, produzia estalos na vegetação debaixo de suas patas. No momento em que o monstro se aprestava para o golpe, ela cortava o fluxo da imaginação. A fera se diluía no espaço, deixando o solo intacto e a paisagem perfeita.

Nem mesmo ela sabia como chegara aquilo. Talvez a princípio só imaginasse flores. Acompanhada ou solitária, sempre lhe aprazia colher pelos campos tudo o que de belo encontrasse. 

Um dia, violetas. Sonhara com violetas, saíra a procurá-las. 

Jamais poderia encontrá-las naquela estação. Parara então junto ao lago, rente ao tufo de hortênsias, e se fixara no canteiro. Eis que nasceram violetas. Colheu-as, armou-as num pequeno buquê, arrumou-as no vaso e mostrou-as a todos. Mas como, violetas nesta quadra do ano? O jardineiro surpreendeu-se. Em que alfombra as achara? Ajustando os óculos o ancião abaixou-se junto às hortênsias sem nada encontrar. Depois, as rosas amarelas, as peônias azuis, os ciclames dourados. Ângela em breve descobriu que podia aperfeiçoar os seus poderes. Era muito interessante esse novo brinquedo, mas sob a condição de que permanecesse absolutamente secreto. Até então ela criara coisas de que gostava e que conhecia, o que equivalia a dizer - coisas que existiam, pois é razoável admitir-se que só existe o que se conhece. Ursos, gatos, cães, violetas e ciclames, às vezes mesmo abusando do privilégio de que dispunha e se proporcionando o capricho de divertir-se ante um coelho encarnado ou um leão azul. Mas a partir de certa época descobriu que também podia criar coisas que jamais vira e que, portanto, não existiam.

Como experiência, o que produziria em primeiro lugar?
Saiu de casa às escondidas, procurou o recanto mais remoto do parque, onde nem mesmo o jardineiro costumava penetrar. Fixou todo o seu pensamento na rocha, começou a polarizar a própria vontade. Como sempre, os olhos se contraíram, o suor começou a escorrer, fortes vincos marcaram-lhe a face, tornou-se rubra. Os contornos imprecisos foram aos poucos eclipsando o rochedo. Concentrando-se ao máximo, Ângela se tornava agora lívida. Pronto. Ali estava o anão. 

Necessariamente grotesco, primeiro a giba, depois as mãos longas, aduncas, a cabeça enorme, todo vestido de prateado, com um barrete verde que lhe emprestava certa histrionidade medieval. Nisso, Ângela ouviu a voz do jardineiro chamando-a em altos brados. Apavorou-se, descontrolando-se. Sentiu o perigo que corria. O anão não era a violeta ou a rosa amarela. Era uma coisa que não existia, que atendera ao apelo de sua força interior. Tinha que proteger o filho de sua mente. Não desligou a imaginação aos poucos, mas abruptamente; e o resultado imprevisto foi impressionante: uma cabeça restou a gemer lastimavelmente, um pé se pôs a estertorar como um réptil, dois dedos gesticulavam no corpo morto como se pertencessem a um enforcado. O velho jardineiro pálido ao seu lado, depois a governante, teriam visto o anão? A cabeça solta no espaço, os pés lagarteando na lama, os dedos bailando no ar?

Não, ambos nada viram. O que viram, com estupor, foi o esgar que deformava a expressão da menina, o olhar repulsivo de quem teve um momento de gozo interrompido.

Depois, meses, estações, primaveras e invernos, outubros ventantes. O brinquedo e as experiências se aperfeiçoando sempre. Coisas estranhas nasciam agora da imaginação de Ângela adolescente. Criaturas débeis, delgadas, de olhos de um verde profundo; flores complicadíssimas cujos perfumes despertavam sensações inebriantes; anões e mais anões, sempre com as mesmas vestes prateadas e o mesmo ar atoleimado. E, às vezes, sêres que nem mesmo imaginara: olhos imensos, destituídos de cílios e de pálpebras, que apenas lhe estendiam os braços e lhe sorriam, e cujos umbigos se assemelhavam a incríveis corolas.

Mas se dos bichos obtinha urros e ganidos; se com as flores conseguia perfumes, com as criações antropomórficas nada mais conseguia além das imagens. Apenas a presença, os gestos vagos e harmônicos, as expressões acentuadas de prazer, de surpresa, a adesão irrestrita aos seus convites ou insinuações, a absurda concordância aos seus mais ligeiros pensamentos. E era então um diálogo de silêncios, uma cabra-cega de surdos-mudos, um esconde-esconde inusitado onde risos e vocativos cediam lugar ao crispar de músculos, ao distender de lábios, ao cerrar de olhos, adesão completa mas silenciosa ao seu comando.

Ora, conforme receava, um dia o brinquedo terminou. Por certo, espionagem do jardineiro, delação da governante; talvez um momento de descuido e fora pilhada pela fresta da porta, de uma janela entreaberta, uma falha da vegetação.

Ângela se lembrava. Primeiro um estranho, dias depois outro. Mais tarde, dois. Depois ainda outros e outros. E não só em sua casa, na cidade, na outra cidade, na cidade maior ainda. Dois, três, perguntas e respostas. "Como? Não sei, não entendi, o quê?" "Minha filha, responda, eles não vão fazer-lhe mal algum, querem apenas ajudá-la. Vamos, acalme-se, responda".
Muitos olhos, muitas mãos, janelas sobre parques sombrios, cheios de pessoas que caminhavam de cá para lá, como num jogo sem sentido. Sentadas, em pé, em cadeiras que rodavam, deitadas em camas que se moviam. O branco, tudo branco, o cheiro desagradável de paredes recém-pintadas.

Por algum tempo tudo ficou longe. Mas Ângela sabia que não estava só, que alguma coisa havia dentro dela que lhe era superior, impedindo-lhe os delírios da imaginação. E mesmo quando pensava em seus amigos eles agora não apareciam, conquanto lhes sentisse a presença. Magicamente, num processo oposto tudo se inverteu. Se antes imaginava e via, nada entretanto ouvia. Agora, fiscalizada no palácio álgido, dava-se o contrário: imaginava mas não via, escutava e sentia. 

Não precisava das palavras do pai, das insinuações lentas e hesitantes dos estranhos. Falava sem dificuldade alguma. E, respondendo, via o assombro que se imprimia nos rostos que a cercavam. Tais respostas seriam suas? Tudo se tornava mais fácil, libertando-a de qualquer sensação de pavor. Sabia. Sabia firmemente: seus amigos agora falavam por seus lábios. Porque não? E era divertido observar o espanto que aquilo despertava em quantos pretendiam dialogar com ela.

Foi por essa época que um fato derradeiro se juntou às suas experiências.

Certa madrugada, encontrava-se sozinha, semi-adormecida no leito. A janela escancarada deixava entrar uma claridade tímida e o vento morno de outubro ondulava as cortinas que projetavam no quarto sombras fantásticas.

Fora um apelo? Um convite sussurrante? A brisa cálida da aurora? Um toque imperceptível de mão sobre seu seio nascente? Um comando descido do futuro ou uma súplica subida do passado?

Ângela levantou-se. O personagem estava debruçado no peitoril da janela. Os olhos do visitante faiscaram, salpicando as paredes de gotas de luz espectral. A criatura supra-terrestre flutuava. Seus membros eram compridos e leves e não se lhe distinguia o rosto cujas feições eram vedadas por um elmo translúcido.

Ângela acompanhou-o, fascinada. Sobre o parque adormecido viu os círculos brilhantes e concêntricos. Discos ordenados entre si como se fosse gemas de uma joia rara. A neblina rosada, o rodopio estonteante, a ciranda endoidecida crestando as tolhas verdes, vencendo a brisa de outubro, gerando uma pequena aurora dentro da aurora maior.

A derradeira estrela recolheu o seu brilho, a última e a mais próxima, como pupila que se fecha, como lampadário que se exaure, como farol que ante a fuga da treva desliga seu facho, certa de que a mensagem fora captada; esperando tranquila, agora, que a exilada socorrida viesse ter segura ao porto de origem, cessado o pesadelo de seu desterro.

Tirado de Passagem para Júpiter e Outras Histórias, 1971

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Karel Capek - Coleção de capas


Karel Čapek (Malé Svatoňovice, 9 de Janeiro de 1890 – Praga, 25 de Dezembro de 1938), foi um escritor checo. Foi o criador da palavra Robot (a partir de robota, que, em sua lingua e em outras línguas eslavas, pode significar trabalho exercido de forma compulsória. Em 1921, Capek escreveu uma peça de teatro chamada R.U.R., iniciais de "Rossum's Universal Robots". A peça conta a história de um cientista brilhante, chamado Rossum, que desenvolve uma substancia quimica similar ao protoplasma. Ele utiliza essa substancia para construçao de humanoides (robôs), com o intuito de estes sejam obedientes e realizem todo o trabalho físico.

Para visualizar a galeria de capa é por aqui: https://plus.google.com/photos/103998711237758699926/albums/5938702114582306273

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Bob Shaw - Coleção de Capas

Conheça a coleção de capas do escritor Irlandês Bob Shaw no google+: https://plus.google.com/photos/103998711237758699926/albums/5938437082315062049


Bob Shaw, nacido Robert Shaw, (31 diciembre 1931-11 febrero 1996) fue un autor de ciencia ficción de Irlanda del Norte, que destacó por su originalidad e ingenio. Ganó el Premio Hugo en 1979 y 1980. Su cuento 'Luz de otros días' fue nominado al premio Hugo en 1967, al igual que su novela 'Los astronautas desiguales' en el año 1987.

Shaw nació y se crió en Belfast, el mayor de los tres hijos de un policía. Tomo contacto con la ciencia ficción a los 11 años, cuando leyó un cuento en una edición temprana de Astounding Science-Fiction, la revista. Más tarde describió la experiencia como más significativa y de larga duración que tomar LSD

Publicó su primer relato de ciencia -ficción en 1951, seguido por varios otros.

Originalmente se formó como ingeniero estructural, trabajó como diseñador de aviones y luego como corresponsal de ciencia del Belfast Telegraph y como oficial de publicidad para la construcción naval Vickers, antes de comenzar a escribir a tiempo completo.

Sufrió de migraña inducida por alteraciones visuales durante toda su vida. Esto y las referencias a los ojos y la visión, aparece como un tema en algunas de sus obras.

Shaw murió de cáncer el 11 de febrero de 1996.


quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Arthur C. Clarke - Os Próximos Inquilinos (Conto)


Os Próximos Inquilinos
Arthur C. Clarke

— O número de cientistas loucos que desejam conquistar o mundo — disse Harry Puvis olhando pensativamente para seu chope — tem sido vergonhosamente exagerado. Na verdade, só me lembro de ter conhecido um.

— Então não pode ter havido muitos outros — comentou Bill Temple ligeiramente sarcástico. — Não é o tipo de coisa fácil de esquecer.

— Creio que não — replicou Harry com aquele ar de indiscutível inocência que tanto desconcerta seus críticos. — E, por falar nisto, esse cientista não era realmente louco apesar de não haver dúvidas de que estava partindo para conquistar o mundo. Ou, para ser mais preciso, para deixar que o mundo fosse conquistado.

— E por quem? — perguntou George Whitley. — Pelos marcianos? Ou talvez pelos tão nossos conhecidos homenzinhos verdes de Vênus?

— Nenhum deles. Estava colaborando com alguém muito mais próximo. Vocês saberão com quem, quando eu lhes disser que ele era um mirmecologista.

— Um mirme-o-quê? — perguntou George.

— Deixem o homem continuar com a estória — disse Drew do outro lado do balcão. — Já passa das dez e, se não conseguir, nesta semana, botar vocês todos para fora na hora de fechar, perco minha licença.

— Muito obrigado — falou Harry muito digno, passando-lhe o copo para reabastecimento. — Tudo aconteceu cerca de dois anos atrás, quando eu estava numa missão no Pacífico. Era uma missão bem secreta, mas em vista do que ocorreu posteriormente, não há mal em falar. Éramos três cientistas desembarcados num certo atol do Pacífico, a menos de mil e seiscentos quilômetros de Bikini para, no prazo de uma semana, instalar certos equipamentos detectores. Eram destinados, é claro, a ficarem de olho em nossos queridos amigos e aliados quando começassem a brincar com reações termonucleares, isto é, a catar as migalhas da mesa da C.E.A., (Comissão de Energia Atômica - N. do E.), e deixassem alguma. Naturalmente os russos estavam fazendo a mesma coisa e quando, ocasionalmente, dávamos de cara uns com os outros, ambos os lados fingiam não haver ninguém ali além de nós mesmos.

Supunha-se que aquele atol fosse desabitado, mas isto foi um engano considerável. Na verdade tinha uma população de várias centenas de milhões. . .

— O quê?! — arquejaram todos.

— ...Várias centenas de milhões — continuou Purvis calmamente — entre os quais havia apenas um humano. Esbarrei com ele quando, certo dia, resolvi dar um passeio terra adentro para ver a paisagem.

— Terra adentro? — perguntou George Whitley. — Pensei que você tinha dito que era um atol. Como pode um anel de coral. ..

— Era um atol bem amplo — disse Harry firme. — Além do mais, quem é que está contando a estória?

Esperou, desafiador, durante um minuto, até conseguir centrar novamente as atenções.

— Lá estava eu então, subindo um encantador curso de rio sob as palmas dos coqueiros, quando, para minha surpresa, deparei com uma roda hidráulica, e das mais modernas, movendo um gerador. Se fosse sensato, teria voltado e contado a meus companheiros, mas não pude resistir ao desafio e fazer um reconhecimento por minha conta. Lembrei-me que supunha-se haver ainda por ali tropas japonesas que não sabiam que a guerra tinha acabado, mas esta explicação me pareceu pouco plausível.

Fui seguindo os fios colina acima e, do outro lado, vi um prédio baixo, caiado, no meio de uma grande clareira e, nesta, alguns montes irregulares de terra ligados entre si por uma rede de fios elétricos. Era uma das cenas mais perturbadoras que jamais vira e fiquei ali em pé, olhando, por uns bons dez minutos, tentando imaginar o que podia ser. Quanto mais eu olhava, menos sentido fazia.

Estava decidindo o que fazer, quando um homem alto, de cabelos brancos, saiu do prédio e foi até um dos montes. Carregava uma espécie de aparelho e tinha um par de fones pendurado no pescoço, o que me fez imaginar que estivesse usando um contador Geiger. Só então descobri o que eram aqueles montes altos. Eram termitários. . . Os arranha-céus onde vivem as chamadas formigas brancas e que, proporcionalmente aos seus construtores, são bem mais altos que o Empire State Building.

Fiquei olhando com muito interesse, mas completamente confuso, o velho cientista inserir seu aparelho na base do termitário, ouvir atentamente um instante e voltar para o edifício. A esta altura, estava tão curioso que resolvi revelar minha presença. Qualquer pesquisa que estivesse em andamento naquele lugar obviamente não tinha nada a ver com política internacional, e se alguém tinha alguma coisa a esconder era eu. Mais tarde vocês poderão avaliar como eu estava equivocado.

Gritei para chamar a atenção e corri colina abaixo acenando. O desconhecido parou e ficou olhando enquanto me aproximava, sem parecer surpreso. Quando cheguei mais perto, vi que ele tinha um bigode caído, o que lhe dava uma ligeira aparência oriental. Era muito empertigado para os sessenta anos que aparentava, e apesar de estar vestindo apenas calções, seu ar era tão digno que fiquei bastante encabulado com minha chegada barulhenta.

'Bom dia' — disse eu desculpando-me. — 'Não sabia que havia mais alguém nesta ilha. Estou aqui numa... ahnn. . . expedição científica.'

Quando ouviu isso, os olhos do estranho brilharam. 'Ah' — disse num inglês quase perfeito. — 'Um colega cientista! Estou muito satisfeito em conhecê-lo. Vamos entrar.'

Eu o segui com prazer (estava bastante suado depois daquela corrida) e descobri que o prédio não passava de um grande laboratório. Num canto estava a cama e um par de cadeiras e, ao lado, um fogão e uma dessas bacias de armar que os excursionistas usam. Esses pareciam ser todos os apetrechos domésticos. Tudo, porém, estava limpo e arrumado. Meu amigo desconhecido podia ser um eremita mas acreditava em manter as aparências.

Eu me apresentei e, como esperava, ele prontamente fez o mesmo. Era o Professor Takato, biólogo de uma das principais Universidades japonesas. Afora o bigode que já mencionei, não parecia muito japonês. Com seu porte ereto e digno, lembrava mais um velho coronel do Kentucky que conheci.

Depois de me ter servido um vinho estranho mas reanimador, sentamo-nos e conversamos umas duas horas. Como a maioria dos cientistas, ficava feliz em encontrar alguém que pudesse apreciar o seu trabalho. É verdade que meus interesses estavam mais na física e na química do que na biologia, mas fiquei fascinado com a pesquisa do Professor Takato.

Não acredito que vocês entendam muito de térmitas e por isso vou lhes expor alguns fatos bem interessantes. Elas estão entre os insetos gregários mais altamente evoluídos e vivem em enormes colônias na região tropical. Não toleram o frio e, estranhamente, tampouco podem suportar a luz direta do sol. Quando querem ir de um lugar para outro, constroem pequenos caminhos cobertos. Parece que têm meios desconhecidos e quase instantâneos para se comunicarem e, apesar das térmitas individualmente serem desamparadas e estúpidas, uma colônia comporta-se como um animal inteligente. Alguns escritores têm feito comparações entre um termitário e o corpo humano. Este também é composto de células vivas individuais que, juntas, formam uma entidade muito mais elevada que as unidades básicas. É comum as térmitas serem chamadas de formigas brancas, mas esta designação é totalmente incorreta, porque absolutamente não são formigas, mas uma espécie bem diferente de inseto. Ou será que deveria dizer genusl Sou muito impreciso nessas coisas. . .

Perdoem a pequena dissertação mas, depois de ouvir Takato durante algum tempo, eu mesmo comecei a ficar bastante entusiasmado com térmitas. Vocês sabiam, por exemplo, que elas não apenas cultivam jardins, como também criam vacas — vacas-inseto, é claro — e as ordenham? Sim, senhores, são uns diabinhos muito sofisticados, se bem que façam tudo por instinto.

Está na hora de contar a vocês alguma coisa sobre o professor. Ele estava na ilha havia muitos anos e, embora no momento vivesse sozinho, já tivera uma boa quantidade de assistentes que traziam equipamento do Japão e o ajudavam em seu trabalho. Sua primeira grande realização foi fazer com as térmitas o que Von Frische havia feito com as abelhas: aprendeu sua linguagem. Era muito mais complexa que o sistema de comunicação que as abelhas usam, o qual, como é possível que vocês saibam, baseia-se na dança. Descobri que a rede de fios ligando os termitários ao laboratório não apenas capacitava o Professor Takato a ouvir as térmitas falando entre si, como também permitia que falasse com elas. Isto não é tão fantástico como parece, se entendermos o verbo falar em seu sentido mais amplo. Nós falamos com um grande número de animais, mas absolutamente não usamos todas as vezes a nossa voz. Quando atiramos um pedaço de pau para nosso cão ir buscar, é uma forma de falar com ele: uma linguagem por sinais. Descobri que o professor tinha desenvolvido uma espécie de código entendido pelas térmitas, mas não sei até que ponto ia sua eficiência na transmissão de idéias.

Voltei todos os dias, sempre que tinha tempo, e no fim de uma semana éramos amigos íntimos. Pode parecer estranho que eu conseguisse esconder essas visitas dos meus colegas, mas a ilha era bem grande e todos nós excursionávamos muito. Eu sentia que, de certa forma, o Professor Takato era minha propriedade, e não queria expô-lo à curiosidade de meus companheiros. Eles eram uns sujeitos rústicos, formados por alguma universidade provinciana como Oxford ou Cambridge.

Fico satisfeito em dizer que fui capaz de dar um pouco de ajuda ao professor, consertando seu rádio e pondo em ordem parte de sua aparelhagem eletrônica. Ele usava muito os detectores radiativos para seguir a pista de térmitas isoladas. Na verdade, era o que estava fazendo com um contador Geiger quando o encontrei pela primeira vez.

Quatro ou cinco dias depois de nos conhecermos, seus mostradores desandaram e o equipamento que tínhamos montado começou a gravar. Takato adivinhou o que tinha acontecido. Nunca me perguntara o que, exatamente, eu estava fazendo nas ilhas, mas acho que desconfiava. Quando o cumprimentei, ligou seus contadores e me deixou ouvir o metralhar da radiação. Tinha caído um pouco de poeira radiativa, nada de perigoso, mas o suficiente para botar todos os detectores a funcionar.

'Acho' — disse ele mansamente — 'que vocês, físicos, estão se divertindo novamente com seus brinquedinhos. E desta vez, com uns bem grandes.'

'Receio que o senhor tenha razão' — respondi. Não teríamos certeza até que as leituras tivessem sido analisadas, mas tudo levava a crer que Teller e seu grupo tinham começado a reação de hidrogênio. — 'Não falta muito para fazermos as primeiras bombas atômicas parecerem buscapés molhados.'

'Minha família' — disse impassível o Professor Takato — 'estava em Nagasaki.'

Não havia muito a ser dito depois disso, e foi com alívio que o ouvi continuar acrescentando: 'Já passou pela sua cabeça quem vai governar quando estivermos liquidados?'

'Suas térmitas?' — perguntei, tentando ser engraçado. Pareceu hesitar um pouco e depois disse em voz baixa: 'Venha. Ainda não lhe mostrei tudo.'

Conduziu-me até um canto do laboratório, onde uma parte do equipamento jazia sob uma camada de poeira. Ali, o professor descobriu uma aparelhagem bem estranha. À primeira vista, parecia um daqueles manipuladores usados para o manejo à distância de materiais perigosamente radiativos. Havia pegadores pantográficos que executavam movimentos com barras e alavancas, e tudo parecia convergir para uma pequena caixa alguns centímetros, num dos lados.

'Que é isto?' — perguntei.

'É um micromanipulador. Foi aperfeiçoado pelos franceses para trabalhos biológicos. Existem poucos no mundo.'

Aí, eu me lembrei. Por intermédio daqueles dispositivos, e usando engrenagens redutoras apropriadas, poder-se-iam realizar operações inacreditavelmente delicadas. A gente movia o dedo um centímetro e o instrumento que estávamos controlando movia-se um milésimo de centímetro. Os cientistas franceses, que tinham desenvolvido essa técnica, haviam construído pequenas forjas onde podiam fabricar minúsculos escalpelos e pinças de vidro fundido. Trabalhando o tempo todo com microscópios, puderam dissecar células isoladas. Remover o apêndice de uma térmita (na possibilidade altamente duvidosa do inseto possuir um) seria brincadeira de criança com tal instrumento.

'Não sou muito habilidoso com o manipulador' — confessou Takato. — 'É sempre um de meus assistentes que trabalha com ele. Nunca mostrei isso a ninguém, mas você tem sido de muita ajuda. Venha, por favor.'

Saímos do laboratório e fomos andando pelas avenidas de montes altos e duros como cimento. Não tinham todos o mesmo estilo arquitetônico porque existem muitas espécies diferentes de térmitas e algumas nem mesmo constroem montes. Eu me sentia como um gigante andando em Manhattan, pois aqueles montes eram arranha-céus, cada um com sua abundante população. Havia uma cabana de metal (nunca de madeira: as térmitas a liquidariam num instante!) ao lado de um dos montes e constatei, ao entrarmos, que a luz do sol havia sido eliminada. O Professor girou uma chave e uma pálida luminescência vermelha me permitiu divisar uma grande variedade de equipamento ótico.

'Elas odeiam a luz' -— disse. — 'E é um problema observá-las. A solução foi usar infravermelho. Este é um conversor de imagens do tipo usado na guerra, em operações noturnas. Você sabia da existência destas coisas?'

'Claro' — respondi. — 'Eram colocados nos rifles dos franco-atiradores para que tivessem pontaria perfeita no escuro. Coisinhas muito engenhosas. Estou satisfeito por o senhor ter descoberto um uso civilizado para elas.'

Levou muito tempo para o professor encontrar o que queria. Parecia que estava dirigindo uma espécie de arranjo periscópio, sondando os corredores da cidade das térmitas. De repente, ele disse: 'Rápido, antes que sumam!'

Avancei e ocupei seu lugar. Levei pouco mais de um segundo para focalizar corretamente, e um pouco mais ainda para decifrar a escala da cena que estava vendo. Eram seis térmitas, muito ampliadas, movendo-se rapidamente pelo meu campo de visão. Estavam viajando em grupo, formando parelhas como os cães do Alasca. A analogia é excelente pois estavam rebocando um trenó. . .

Fiquei tão espantado que nem cheguei a reparar qual era a carga que levavam. Quando desapareceram da vista, virei-me para o Professor Takato. Meus olhos já tinham se acostumado ao fraco clarão vermelho e podia vê-lo bem.

'Então é isto o que o senhor vem construindo com seu micromanipulador! É fantástico! Eu nunca teria acreditado...

'Isso não é nada' — replicou o Professor. — 'Pulgas amestradas puxam um carrinho de um lado para o outro. Ainda não lhe contei o mais importante. Fizemos apenas uns poucos trenós daqueles. O que você viu foi construído por elas mesmas.'

Esperou enquanto aquilo penetrava em meu cérebro. Demorou um pouco. Continuou depois, sossegadamente mas com um entusiasmo reprimido na voz: 'Lembre-se de que as térmitas, enquanto indivíduos, praticamente não têm inteligência, mas a colônia, como um todo, pertence a uma classe muito elevada de organismos. E um organismo imortal, se excetuarmos acidentes. Atingiu o estágio instintivo em que se encontra, e nele estacionou milhões de anos antes de aparecer o homem, e nunca poderá, sem ajuda, escapar da sua presente perfeição estéril. Encontra-se num beco sem saída, e isso porque não tinha ferramentas, nem um modo eficaz de controlar a natureza. Eu lhes dei a alavanca para aumentar sua força e agora o trenó para aperfeiçoar sua eficiência. Tenho pensado na roda, mas é melhor deixá-la para um estágio posterior. Não seria muito útil agora. Os resultados excederam minhas expectativas: comecei apenas com este termitário e agora todos eles têm as mesmas ferramentas. Ensinaram uns aos outros e isso prova que podem cooperar entre si. É verdade que há guerras, mas nunca quando têm comida suficiente para todos, como é o caso aqui.

'A questão é que não se pode julgar um termitário por padrões humanos. Meu objetivo é dar uma sacudida em sua cultura rígida e estática, tirá-la do buraco em que está atolada há tantos milhões de anos. Eu lhes darei mais ferramentas, mais técnicas novas e espero, antes de morrer, vê-las começar a inventar coisas sozinhas.'

'Por que está fazendo isso?' — perguntei, sabendo que havia ali mais que simples curiosidade científica.

'Porque não acredito na sobrevivência do homem, mas espero preservar algumas de suas descobertas. Se nossa espécie é um beco sem saída, acredito que se deva dar uma mãozinha a outra raça.

'Sabe por que escolhi esta ilha? Para que os resultados de minha experiência permanecessem isolados. Minha super-térmita, se conseguir chegar a tal, terá que ficar aqui até atingir um grau muito elevado de desenvolvimento. Para falar a verdade, até estar em condições de atravessar o Pacífico. . .

'Existe ainda outra possibilidade. O homem não tem rival neste planeta. Penso que ter um lhe faria bem. Pode ser sua salvação.'

Eu não tinha nada a dizer. Aquela olhadela nos prognósticos do Professor tinha sido um tanto opressiva, mas em vista do que eu acabara de testemunhar, a coisa parecia bastante convincente. Eu sabia que o Professor Takato não estava louco. Era um visionário e havia um desapego sublime em suas perspectivas, que eram, no entanto, baseadas nos alicerces firmes de conquistas científicas.

Não que fosse hostil à espécie humana: ele a lamentava. Acreditava simplesmente que a humanidade tinha dado sua última cartada, e queria ver se conseguia salvar alguma coisa das ruínas. Eu não podia censurá-lo por isto.

Devemos ter ficado um longo tempo naquela cabana conjeturando os futuros possíveis. Lembro-me de ter sugerido que talvez pudesse chegar a haver algum tipo de entendimento mútuo, visto que duas culturas tão díspares como Homem e Térmita não teriam necessariamente pontos conflitantes. No fundo eu não podia acreditar nisso e, se chegasse a haver um choque, não estou certo de quem venceria. De que valeriam as armas do homem contra um adversário inteligente que podia devastar todos os campos de trigo e colheitas de arroz do mundo?

Quando saímos da cabana, estava quase na hora do crepúsculo e só então o Professor fez sua revelação final.

'Em algumas semanas' — disse — 'vou dar o maior de todos os passos.'

'E qual vai ser?' — perguntei.

'Você não adivinha? Vou lhes dar o fogo.'

Estas palavras provocaram qualquer coisa em minha espinha. Senti um calafrio que nada tinha a ver com o anoitecer. O glorioso pôr de sol que se entrevia pelas palmas dos coqueiros parecia simbólico e, de repente, percebi que este simbolismo era ainda mais profundo do que pensara.

Aquele ocaso foi um dos mais lindos que já presenciei e era, em parte, obra do homem. Lá em cima, na estratosfera, a poeira de uma ilha que morrera naquele dia começava a envolver a Terra. Minha raça tinha dado um grande passo para a frente, mas será que isto importava agora?

Vou lhes dar o fogo. De alguma forma nunca duvidei do sucesso do Professor e quando o obtivesse, as forças que minha raça acabara de libertar não a salvariam...

O hidroavião veio-nos apanhar no dia seguinte e nunca mais vi Takato. Ainda está lá e eu o considero o homem mais importante do mundo. Enquanto nossos políticos se atracam, ele nos está tornando obsoletos.

Vocês acham que alguém deveria detê-lo? Ainda pode estar em tempo. Tenho pensado muito a este respeito mas, até agora, não me ocorreu uma razão realmente convincente para interferir. Uma ou duas vezes quase me decidi, mas aí peguei o jornal e vi as manchetes.

Acho que devemos dar uma oportunidade a elas. Não vejo como poderiam se sair pior que nós.





Título original "The Next Tenants", 1957

Arthur C. Clarke - Contos da Taberna


*

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

A.E. Van Vogt - As Casas de Armas de Isher (Romance)


AS CASAS DE ARMAS DE ISHER
A.E. Van Vogt
No ano de 4.784 o universo era inteiramente dominado pelo Império de Isher, governado com poderes absolutos pela bela e jovem Imperatriz Innelda. Mergulhada em jogos e prazeres, a ditadura de Innelda levou Isher à beira de um desastre cósmico. Para evitar a destruição de bilhões de seres humanos espalhados pelas colônias existentes nos outros planetas e luas, surgiram aparentemente do nada cadeias de inquietantes e misteriosas lojas de armas, que traziam na fachada um estranho lema: O direito de comprar armas é o direito de ser livre. Essas lojas protegidas por uma enorme força energética, absolutamente intransponível, faziam parte de uma sociedade secreta de oposição à ditadura, que vendia suas armas aos cidadãos ameaçados. 

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Tom Rainbow - Imortalidade (artigo)

IMORTALIDADE

Tom Rainbow



Tradução de Ronaldo Sérgio de Biasi



“Somos robôs orgânicos sofisticados, controlados por uma molécula de ADN que tem 4 bilhões de anos de idade; todas as nossas ações obedecem ao seu imperativo prebiótico de fazer mais cópias de si mesma.”



Uma das razões pelas quais gosto de ler ficção científica é que ela me dá uma ideia de como o mundo vai ser depois que eu morrer. No momento em que escrevo estas linhas, estou para fazer trinta anos, a idade em que, de acordo com a maioria, ocorre a transição do Crescimento, Vitalidade e Vigor para a Decadência, Senilidade e Morte. O Capitão James T. Kirk tinha 34 anos quando comandou a nave estelar Enterprise em sua primeira viagem de cinco anos. Trinta e quatro?! Bolas, ainda não cheguei nem a recruta! Na verdade, ainda não consegui passar no Nível 2 quando jogo Jornada nas Estrelas no fliperama! E a injustiça maior é que provavelmente nunca vou conseguir passar. Meus reflexos estão ficando mais lentos, meus mecanismos de reparo estão sendo desligados e a Morte olha por cima do meu ombro quando estou diante do vídeo. Na verdade, é o jogo dela que estou jogando, e como em Jornada nas Estrelas ou qualquer outro videojogo, é impossível ganhar. Mais cedo ou mais tarde, os klingons vão pegar você. A única coisa que você não sabe de antemão é quantos pontos vai fazer.

Até o momento, minha contagem está baixa. Não sou Comandante da Frota Estelar. Não existe nenhum edifício na Quinta Avenida chamado Torre Rainbow. Não consegui nem mesmo o cargo de professor titular. Entretanto, eu me contentaria de bom grado com a contagem atual, embora medíocre, se pudesse prolongar o jogo, de preferência para sempre. Bom mesmo seria tornar-me imortal, parar de envelhecer aos 29 anos, ou mesmo aos 34. Sendo um leitor de ficção científica com uma certa base em bioquímica, talvez a solução mais simples fosse criar um soro da imortalidade, alguma coisa como o antídoto para a velhice de James Blish ou as pílulas de rejuvenescimento de Larry Niven. Para fabricar esse soro, provavelmente seria necessário usar os testículos de alguns daqueles alunos de graduação que vivem me pesteando: “Ei, doutor! Está ficando barrigudo! Ah, ah! Devia fazer um pouco de ginástica! Ah, ah, ah!” Puxa, quanto mais penso na ideia, mais atraente ela me parece. Será que poderíamos realmente criar um preparado capaz de reverter o processo de envelhecimento? Se isso não for possível, será que poderíamos criar qualquer produto comercial a partir dos testículos de alunos de graduação? Enfeites para capôs de automóveis, talvez, ou algum tipo de molho...



Causas Celulares do Envelhecimento

Uma forma de criar um Soro de Imortalidade seria estudar as causas celulares do envelhecimento e descobrir um agente bioquímico capaz de deter ou reverter o processo. Na verdade, só envelhecemos porque nossas células envelhecem. Nossos corpos são compostos de aproximadamente um trilhão de células, cada uma com 5 a 100 mícrons de diâmetro. Essas células descendem de organismos unicelulares independentes que, há cerca de um bilhão de anos, se juntaram para formar um organismo multicelular. Pode se considerar como o tata...tataravô de um bando de paramécios extremamente grudentos. Como acontece em qualquer grupo, como o dos alunos de graduação, começam a ocorrer especializações entre os paramécios: alguns se tornam os músculos do organismo, outros desempenham as funções de integração, tornando-se nervos, e outros se encarregam da reprodução.

Em algum ponto da transição dos paramécios para os alunos de graduação, o tempo de vida dos organismos se tornou finito. Os paramécios são imortais. Coloque um deles em um recipiente com muita comida e nenhum predador e ele se dividirá para sempre, enchendo o recipiente com sua prole. O trilhão de paramécios modificados que formam o corpo humano só se dividem um certo número de vezes. O número de divisões varia de acordo com o tipo de célula. As células nervosas, ou neurônios, não se dividem nenhuma vez, enquanto que as células que revestem o intestino são totalmente substituídas a cada vinte dias. Uma pessoa pode ter milhares de diferentes populações de células intestinais durante sua vida.

Por que as células se dividem? No caso das células intestinais, é para substituir as células que morrem. No caso dos paramécios e das células dos testículos dos alunos de graduação, é para reproduzir o organismo. Mas por que os organismos se reproduzem? Porque há aproximadamente quatro bilhões de anos, quando nossos antepassados eram moléculas de ácido nucléico, uma molécula de sorte aprendeu a copiar a si mesma. Por definição, uma vez que surgiu o primeiro sistema capaz de reproduzir a si próprio, o número de cópias desse sistema aumentou geometricamente até dominar o cenário prebiótico. Quando surgia uma mutação capaz de proteger o sistema ou acelerar sua velocidade de duplicação, essa mutação era conservada. Aos poucos, isso levou a novidades úteis, como o emprego de uma membrana celular como uma espécie de invólucro para o sistema e o uso de proteínas especiais, chamadas enzimas, para acelerar certas reações químicas, permitindo aos ácidos nucléicos controlar o ambiente com maior eficiência. Do ponto de vista evolutivo, o sistema adquiriu superpoderes, por assim dizer; começou a explorar as estranhas avenidas da auto reprodução, tornando-se multicelular, tornando-se vertebrado e finalmente tornando-se humano.

Somos, portanto, robôs orgânicos sofisticados, controlados por uma molécula de ADN que tem quatro bilhões de anos de idade; todas as nossas ações obedecem ao seu imperativo prebiótico de fazer mais cópias de si mesmas. Uma vez que você entenda esse fato, não precisa mais ir à igreja. Qual, porém, o interesse do seu ADN em que você envelheça e morra? Na verdade, por estranho que pareça, o seu ADN é imortal. Ele vem sendo copiado e recopiado há quatro bilhões de anos. Quando você tem filhos, você torna a copiá-lo e o introduz em mais um robô orgânico. O ADN só está interessado na sua sobrevivência até que você se torne suficientemente maduro para procriar. Depois disso, ele abandona você. Você envelhece e morre, ou porque você não é mais importante para o futuro do ADN, de modo que não importa que você perca a capacidade de consertar o seu corpo, ou porque o ADN o considera como uma ameaça a sua imortalidade, e toma os passos bioquímicos necessários para que você morra aos poucos. Seja como for, o preço que pagamos pelo Sexo é a Morte. Puxa, não seria tão triste se o Sexo fosse melhor!

Mas afinal nós morremos porque o ADN se esquece de nós ou porque somos deliberadamente assassinados? Na minha opinião, somos vítimas de um crime. Em primeiro lugar, a morte não é uma consequência inevitável do metabolismo celular. Lembre-se do paramécio, que pode se dividir para sempre. Se não dispusesse de mecanismos sofisticados de auto reparo, uma máquina complicada como um paramécio enguiçaria em poucos minutos. Os mesmos mecanismos de auto reparo que permitem que o paramécio sobreviva durante alguns minutos permitem que ele sobreviva para sempre. Assim, seria um absurdo pensar que morremos porque é mais difícil manter nossas células durante cem anos do que mantê-las durante uma semana.

Em segundo lugar, o tempo de vida dos organismos multicelulares varia enormemente de espécie para espécie. Os camundongos vivem dois anos, os cachorros sete, os humanos setenta, as sequoias alguns milhares de anos.

Não há razão para pensar que as células de um camundongo ou cachorro sejam mais ou menos complicadas do que as nossas células; na verdade, elas deveriam envelhecer mais ou menos com a mesma rapidez. O fato de que não o fazem sugere que são deliberadamente assassinadas depois de um certo período de tempo. Além disso, dado que é possível fazer nossas células viverem para sempre, como os paramécios, seria natural que nos reproduzíssemos eternamente, gerando um número infinito de cópias de ADN. O fato de que isso não ocorre na prática sugere mais uma vez que estamos sendo deliberadamente eliminados. Uma boa razão para a nossa morte pode ser evitar que entremos em competição com nossos descendentes, que podem ser dotados de importantes melhoramentos genéticos e portanto terão uma capacidade ainda melhor do que a nossa de fazer cópia do seu ADN. Conclusão: estamos sendo assassinados por um pedaço de ADN, uma molécula fria, desumana, que nos seus quatro bilhões de existência se transformou na maior assassina da história, que já eliminou trilhões dos seus descendentes e que não descansar enquanto não pegar também você e eu! Polícia!



Um Soro de Imortalidade

Se o motivo é evitar que os seres vivos, por assim dizer, comam sua prole, então qual é a arma? Existem alguns indícios de que morremos porque nossos mecanismos de auto reparo são deliberadamente desligados. Como já foi dito, sem um sistema de reparo e renovação, máquinas tão complicadas como nossas células deixariam rapidamente de funcionar. Nosso sistema mais importante de auto reparo é aquele que preserva as informações contidas no ADN. O ADN que existe em cada célula do nosso corpo contém aproximadamente dez bilhões de bits de informação, que especificam em detalhes a estrutura e o funcionamento da célula. Quando esta informação é distorcida, o funcionamento da célula geralmente é prejudicado. Mudanças aleatórias no ADN das células reprodutoras são chamadas de mutações e constituem a força motriz da evolução. Na maioria dos casos, essas mutações diminuem o sucesso reprodutivo do organismo, mas, uma vez ou outra, uma mutação pode ser benéfica. As mutações somáticas, isto é, as que ocorrem nas células de um indivíduo que não estão envolvidas na reprodução, também raramente são benéficas. (Para maiores detalhes a respeito das mutações somáticas, veja “Superpoderes”, no n0 11 da IAM). Existe um complexo sistema de enzimas para evitar que o ADN acumule erros. Pares anormais de bases são extirpados e segmentos danificados são rapidamente substituídos, o que mantém a média de erros abaixo de um para cada bilhão de bits de informação. Que aconteceria, porém, se nossos mecanismos de reparo passassem a funcionar com uma eficiência um pouco menor, permitindo, digamos, dez ou vinte erros para cada bilhão de bits? Inicialmente, os efeitos seriam pouco visíveis, mas os erros tenderiam a se acumular, com o ADN ligeiramente defeituoso gerando proteínas não funcionais. Como algumas dessas proteínas seriam as enzimas responsáveis pela síntese e reparo do próprio ADN, a probabilidade de erro se tornaria ainda maior. Isso resultaria em proteínas ainda mais defeituosas, que introduziriam novos erros no ADN, gerando outras proteínas não-funcionais, que causariam mais erros no ADN, até que finalmente haveria uma catástrofe de erros. Este foi o termo criado pelo bioquímico Leslie Orgel para descrever o envelhecimento causado pelo aumento exponencial do número de erros genéticos. De acordo com esta teoria, envelhecemos porque aquele pedaço de ADN de quatro bilhões de anos substitui o nosso revisor por outro menos competente!

Quais são as provas que apoiam a hipótese da catástrofe de erros? Em primeiro lugar, à medida que as células envelhecem, começam a fabricar proteínas defeituosas. O número dessas proteínas defeituosas aumenta exponencialmente com a idade das células, o que está de acordo com as previsões da teoria de catástrofe de erros. Uma dessas proteínas defeituosas é a ADN polimerase, a enzima que produz ADN a partir dos nucleotídeos. A perda de precisão da ADN polimerase aumenta exponencialmente com a idade das células, o que mais uma vez está de acordo com a teoria da catástrofe de erros. Outra previsão da teoria da catástrofe de erros é de que as células envelhecem prematuramente quando são submetidas a fatores capazes de produzir erros na transcrição das informações genéticas. Isso também é observado na prática, pois certos antibióticos e análogos dos nucleotídeos, que diminuem a precisão da síntese de proteínas, fazem com que as células envelheçam prematuramente. Esses compostos funcionam portanto como soros de antiimortalidade e devem ser colocados na Coca-Cola dos alunos de graduação que têm o desplante de dizer que você está ficando barrigudo!

Existem outras provas da teoria da catástrofe de erros? Bem, são conhecidas algumas doenças humanas que produzem envelhecimento prematuro, fazendo com que crianças de cinco anos ou (irc!) homens de trinta anos morram de velhice em menos de um ano. A primeira é chamada de progéria; um exemplo da segunda é a Síndrome de Werner. As células de crianças ou adultos que sofrem de envelhecimento prematuro exibem um sistema defeituoso de reparo de ADN e proteínas defeituosas. Assim, vários tipos de envelhecimento parecem estar associados ao aumento no número de erros de transcrição das informações genéticas. Já que o envelhecimento pode ser acelerado por drogas que introduzem erros na síntese de proteínas e que o aparecimento de erros durante o envelhecimento aumenta exponencialmente com o tempo, existem boas razões para pensar que a catástrofe de erros é a causa do envelhecimento normal dos seres humanos.

A prova concludente, porém, seria demonstrar que a supressão dos erros na transcrição das informações genéticas leva à eliminação do envelhecimento humano. Se conseguíssemos esse feito, não só teríamos ajudado a provar uma importante teoria científica, mas também teríamos criado um soro de imortalidade. Ou uma injeção de imortalidade, se a substância não resistisse à passagem pelo sistema digestivo.

Quais os conhecimentos necessários para desenvolver uma substância capaz de impedir a catástrofe de erros? Primeiro de tudo, teríamos de saber quais são as causas dessa catástrofe. Estamos supondo que o início da avalanche que leva à catástrofe de erros é um evento deliberado na vida de uma célula, destinado a impedir que um organismo multicelular entre em competição com sua prole. Em um certo ponto, portanto, um sinal molecular específico é fornecido à célula, fazendo com que ela reduza a fidelidade da síntese de ADN e proteínas. Ei, pense você, se conseguirmos impedir que esse sinal seja ativado, viveremos para sempre! Teremos a oportunidade de assistir a todos os nove filmes da saga Guerra nas Estrelas e um dia poderemos vender muitos dos nossos alunos de graduação aos Traficantes de Escravos Interestelares, em troca de sorvetes de sabores exóticos e revistas em quadrinhos holográficas!

Não é tão fácil como parece. Primeiro temos de descobrir qual é esse sinal molecular. Provavelmente, está ligado a uma mudança na síntese de uma certa proteína celular em um determinado estágio da vida da célula. As células contêm muitas proteínas. Uma célula típica de um mamífero pode ter de duzentas mil a quinhentas mil proteínas diferentes. Conhecemos a função de uns 10% dessas proteínas, nenhuma das quais até o momento parece estar ligada ao início do processo de envelhecimento. Pior ainda: não existe nenhuma forma conhecida de associar uma dada proteína ao sinal responsável pela catástrofe de erros. O ideal seria examinarmos todas as proteínas de uma célula para vermos qual delas sofre uma alteração no momento em que começamos a envelhecer. Qualquer comportamento suspeito de uma proteína nessa ocasião poderia significar que ela é a sabotadora que dispara a catástrofe de erros. Entretanto, com a tecnologia atual, não podemos examinar simultaneamente mais do que duas mil proteínas, o que corresponde a menos de 10% do total. Pelo que sei, até hoje não foi feito um estudo das mudanças sofridas pelas proteínas durante o envelhecimento das células, de modo que é possível que alguém tenha sorte e consiga encontrar a nossa proteína terrorista entre os 10% que somos capazes de detectar, O que precisamos realmente é de técnicas melhores para estudar as proteínas celulares. É difícil dizer quando essas técnicas serão desenvolvidas, Daqui a dez ou vinte anos, talvez. Talvez nunca, se o governo resolver diminuir as verbas destinadas à pesquisa básica. Entretanto, sendo um otimista, estou certo de que um dia conseguiremos identificar as mudanças moleculares que promovem o envelhecimento, criar compostos químicos capazes de impedir essas mudanças e portanto desenvolver um verdadeiro soro da imortalidade.

A essa altura, porém, quase todos nós estaremos muito velhos, O processo inteiro pode levar uns cinquenta anos. Para fazer uma experiência direito, tenho de fazê-la devagar. Quando tento andar depressa, acabo quebrando coisas. Se você quebra muitos vidros de um composto químico exótico que custa 1.000 dólares o grama, em pouco tempo estará sem dinheiro para continuar a pesquisa. Haveria alguma forma de reverter o processo de envelhecimento, caso o soro da imortalidade apareça no mercado quando alguns de nós estiverem para fazer cem anos?

Pode ser. Parte da força da teoria da catástrofe de erros está justamente no fato de que depois que ela começa é muito difícil de deter, e mais difícil ainda de inverter. Você teria de substituir o ADN defeituoso que especifica as enzimas responsáveis pelo reparo do ADN; caso contrário, a catástrofe de erros continuaria. Dependendo da sua idade, e portanto do número de erros que se acumularam no seu ADN, um mecanismo de reparo recauchutado talvez fosse suficiente para consertar a maior parte dos erros que existem nos seus genes. Você poderia, por exemplo, engolir um vírus artificial que introduzisse nas suas células genes frescos das enzimas de reparo do ADN. No momento, já somos capazes de introduzir alguns genes nas células. No momento, nosso conhecimento a respeito das células de reparo do ADN ainda é limitado, mas um dia, se as verbas de pesquisa não forem cortadas, saberemos tudo a respeito dessas danadinhas. Como já disse, o processo de investigação pode levar uns cinquenta anos. Assim, na mesma época em que os laboratórios comerciais lançarem o soro da imortalidade, nós, coroas, também teremos à nossa disposição o soro da juventude.



Medidas de Emergência

Imagine que uma coisa horrível aconteça e que as minhas estimativas estejam erradas. Suponha que os cientistas levem 200 anos para desenvolver o soro da imortalidade. Nesse caso, uma saída para nós é começarmos desde já a adquirir um jazigo perpétuo, pago em suaves prestações. Outra é recorrermos a meios de extensão da vida, até chegar o dia em que poderemos pagar a um laboratório o equivalente ao PNB de muitos países do Terceiro Mundo para conseguirmos a Eterna Juventude. Um desses métodos é a animação suspensa, descrita em zilhões de histórias de ficção científica. Geralmente, o que se faz é resfriar o corpo a temperaturas criogênicas, interrompendo o processo de envelhecimento da mesma forma prosaica que o congelamento impede que um bife apodreça.

O principal problema da animação suspensa é a água. A água aumenta de volume quando congela; é por isso que o gelo flutua. Assim, quando a água no interior das células vira gelo, o gelo rompe as membranas celulares, matando as células. Existem meios de minorar o problema, como, por exemplo, o uso de agentes anti-congelantes, que substituem a água existente nas células por um solvente orgânico que não aumenta de volume quando congela. Mesmo assim, pode-se perder de 80 a 90% das células no processo de congelamento. Talvez os 10% restantes possam regenerar o organismo, embora para órgãos como o cérebro, cujas células não se regeneram, o conserto dos danos causados pelo congelamento seja equivalente na prática a construir um cérebro novo. Talvez você seja forçado a recorrer a uma medida drástica, como transferir a sua consciência do seu corpo inútil, danificado pelo congelamento, para um clone do seu corpo antigo, construído a partir do ADN das células que foram congeladas. Naturalmente, se você fizer isso com o velho ADN, cheio de erros, começará imediatamente a envelhecer de novo, mas pode ser que a essa altura o soro da juventude já tenha sido inventado.

O processo de descongelamento provavelmente será bastante dispendioso, de modo que é melhor que você tenha escrito dez ou mais bestsellers de ficção científica, ou talvez apenas um daqueles livros com títulos como Como Fazer Seus Pés Cheirarem Melhor em 30 Dias. Se está disposto mesmo a transformar-se no que Larry Niven chamou de “corpolé”, recomendo que congele apenas o cérebro e um pequeno número de células epiteliais do intestino, que serão usadas para fazer um clone do seu corpo. É muito mais fácil congelar com segurança pequenas quantidades de tecido do que um corpo inteiro. O sêmen humano pode ser armazenado indefinidamente em nitrogênio líquido com uma perda apenas moderada de viabilidade. Se possível, armazene apenas os “circuitos de consciência” do cérebro, ou seja, a parte necessária para reconstruir a sua personalidade e a sua memória. Talvez seja conveniente colocar na cápsula criogênica uma fotografia sua, para facilitar o processo de reconstrução do seu organismo. Pretendo colocar na minha um retrato do Tom Cruise.

Outra técnica de extensão da vida é a dos transplantes de órgãos. No Universo do Espaço Conhecido, criado por Larry Niven, a menor infração podia fazer com que um indivíduo fosse mandado para os bancos de órgãos, onde seus órgãos eram dissecados e distribuídos para um grupo de velhos ricos, que aguardavam avidamente essa oportunidade de substituir as “peças” gastas. O conceito dos bancos de órgãos baseava-se na hipótese de que um dia seria inventada uma droga capaz de evitar o fenômeno da rejeição. Acontece que, pouco depois que Larry Niven lançou a idéia, foi descoberta a primeira dessas drogas, a ciclosporina, que inibe, de forma seletiva, os componentes do sistema imunológico responsáveis pela rejeição de tecidos. O uso da ciclosporina aumentou de forma considerável a probabilidade de sobrevivência dos pacientes de transplantes de coração. Dado o sucesso conseguido com a ciclosporina e outras drogas ainda mais eficientes que foram descobertas nos últimos anos, é de se prever que o problema da rejeição seja eliminado totalmente no futuro mais ou menos próximo. Nesse caso, teremos à nossa disposição um excelente recurso para nos mantermos vivos até que a verdadeira imortalidade esteja disponível.

Será que a eliminação do problema da rejeição levará a uma sociedade do tipo descrito por Niven, no qual a pena de morte será aplicada a “crimes” como atravessar a rua fora da faixa ou deixar de pagar os impostos em dia, apenas para que haja mais órgãos disponíveis para transplante? A verdade é que a procura de órgãos sempre será maior que a oferta. Calcula-se que existem apenas vinte mil doadores em potencial por ano nos Estados Unidos, o que é uma gota d’água no oceano quando se pensa que quase todas as mortes por causas naturais poderiam ser adiadas por algum tempo através de transplantes de órgãos. O número de condenados à morte à espera de execução é ainda menor. O problema de aumentar a oferta de órgãos aumentando o número de crimes sujeitos à pena de morte é que isso vai contra a Constituição, que proíbe a aplicação de punições cruéis e incomuns. Para mudar isso seria necessária uma emenda constitucional. Talvez fosse mesmo necessário instalar uma nova Assembleia Constituinte. Não é impossível que uma população de velhos influentes esteja disposta a chegar a esse extremo, mas até que isso aconteça, é provável que os órgãos artificiais estejam suficientemente desenvolvidos para substituir os órgãos naturais, o que tornaria desnecessário reescrever a Constituição.

Outra ideia de Larry Niven é do tráfico de órgãos, que implica matar gente inocente para vender o material assim obtido no mercado negro. Por estranho que pareça, acho mais provável que as coisas evoluam nesse sentido do que no de condenar pessoas à morte por estacionar em local proibido, já que no primeiro caso a iniciativa privada se encarregaria de tudo. Digamos que você esteja precisando de um transplante de fígado. Os fígados estão em falta no banco de órgãos, e em conseqüência você sabe que vai morrer. Isso é extremamente indesejável, de modo que você paga uma grande quantia em dinheiro ao representante local do Crime Organizado para que um rapaz qualquer de dezenove anos seja assaltado e assassinado nas proximidades do banco de órgãos. Assim, o banco de órgãos consegue um fígado, e você não morre de insuficiência hepática crônica. Quem vai saber que foi você? Afinal de contas, todo dia morre gente em assaltos. E o que o banco de órgãos vai fazer? Recusar o material só porque o doador foi assassinado? Claro que não. Entretanto, a outra parte da idéia de Niven, de que o material extraído da vítima acabaria no mercado negro, não me parece tão exeqüível. Para come-çar, seria preciso que cirurgiões altamente habilitados estivessem dispostos a associar-se aos criminosos, arriscando-se a acabar eles próprios nos bancos de órgãos. Por maiores que fossem as somas envolvidas, acho que seria difícil convencer os cirurgiões de transplantes a fazerem qualquer coisa ilegal, por eles já ganharem salários altíssimos, maiores até mesmo que os dos escritores mais famosos de ficção científica. Talvez um estudante de medicina aceitasse a oferta, mas nesse caso você correria o risco de acabar com os pulmões ao contrário.



Conseqüências Sociais da Imortalidade

É evidente que se nós todos nos tornarmos imortais, a taxa de natalidade terá de diminuir consideravelmente. O quanto depende do número de pessoas que queremos na Terra. Digamos que a população atual da Terra seja cinco bilhões, a taxa de natalidade tenha diminuído para apenas o suficiente para manter a população constante, e de repente amostras grátis do soro da imortalidade comecem a ser enviadas pelo correio para todos nós. Em aproximadamente vinte anos, a população da Terra terá dobrado. Vinte anos depois, seus dois filhos já terão seus dois filhos e a população já terá aumentado em mais cinco bilhões. Depois de um século, a Terra estará com trinta bilhões de habitantes.

Só teríamos uma população de trinta bilhões se não houvesse mortes. Podemos supor que, mesmo com o soro da imortalidade, algumas pessoas morrerão assassinadas ou por acidente. Pode ser até que algumas sejam alérgicas ao soro da imortalidade e portanto estejam condenadas a morrer de velhice. Suponhamos que a probabilidade de uma pessoa morrer assassinada ou por acidente seja de 0,1%. Em outras palavras, em cada mil pessoas, uma estará fadada a morrer. Para cada bilhão de pessoas, estaremos perdendo um milhão. Assim, no final de cem anos, restarão 29.750.000.000 de pessoas em vez de 30.000.000.000. Grande diferença! Na verdade, a única forma de impedir que a população se torne excessiva é diminuir a taxa de natalidade. Digamos que seja permitido apenas um filho por casal. Nesse caso, a população aumentará em 2,5 bilhões de habitantes nos primeiros vinte anos, de 1,25 bilhão de habitantes nos vinte anos seguintes e de 625 milhões nos vinte anos seguintes, o que nos dará uma população total de aproximadamente dez bilhões de habitantes no início do século XXII. Curiosamente, se admitirmos uma taxa de mortalidade de 0,1%, a população se estabilizará em aproximadamente dez bilhões de habitantes depois de 120 a 140 anos.

Assim, dada uma taxa de mortalidade de 0,1% e uma taxa de natalidade de um filho por casal, a população da Terra será multiplicada por 2 depois da introdução do soro da imortalidade e se estabilizará nesse nível. Isso me parece um aumento tolerável, especialmente se todas essas pessoas novas forem mandadas para Dakota do Norte ou para algum deserto da Austrália. O problema principal é que a Terra se tornará um planeta de filhos únicos mimados e egocêntricos, sempre querendo ser os primeiros a usar a Máquina do Tempo, recusando-se a emprestar seus brinquedos etc. Imagine o que poderia acontecer se a humanidade fosse finalmente convidada a juntar-se à Federação Galáctica. Como a sede da Federação fica em Rigel, os rigelianos são encarregados de preparar um suntuoso banquete em nossa homenagem, e servem ao embaixador da Terra ao primeiro prato, um ensopado de trirspx, que é uma espécie de larva que os rigelianos adoram. BUÁÁ!, faz o nosso embaixador filho único. ISSO ESTÁ HORRÍVEL!! EU QUERO UM CHEESEBURGER!! Mortalmente ofendidos, os rigelianos baixam um decreto declarando que não somos uma raça inteligente e servimos apenas como alimento. Somos de imediato abatidos e comidos. [Nota: a editora da IAM norte-americana na época em que este artigo foi publicado, que é filha única, fez questão de tornar público que não concorda com as ideias expressas pelo autor no presente parágrafo.] Talvez uma infância passada em um remoto deserto da Austrália ajude a aperfeiçoar o caráter das pessoas. Talvez a mesma companhia que inventou o soro da imortalidade seja capaz de aperfeiçoar também o soro da cordialidade.

Outro problema de diminuir a taxa de natalidade é que com isso podemos eliminar a maior parte das inovações em nossa sociedade. Boa parte das ideias novas são introduzidas por pessoas de menos de trinta anos. Newton tinha vinte e poucos anos quando desenvolveu a mecânica clássica. Einstein tinha vinte e poucos anos quando criou a mecânica relativística, mas, de acordo com sua autobiografia, as ideias básicas ocorreram-lhe quando tinha apenas dezesseis anos. Darwin publicou a Origem das Espécies aos quarenta anos, mas, de acordo com sua autobiografia, começou a pensar na teoria da Seleção Natural quando tinha vinte e poucos anos. A lista é interminável. Pode ser que a criatividade diminua com a idade porque nossos neurônios começam a sentir os efeitos da catástrofe de erros e se tornam decrépitos. Nesse caso, o soro da imortalidade nos manteria borbulhantes de ideias. Entretanto, é possível que novas ideias estejam intimamente ligadas ao processo de ver ou conhecer as coisas pela primeira vez. Se for assim, a imortalidade e as inevitáveis restrições à taxa de natalidade acarretadas por ela constituirão um sério problema, porque o número de pessoas de vinte e poucos anos diminuirá exponencialmente durante os próximos cem anos. Mas vamos procurar ver as coisas pelo ângulo positivo! Poderemos ficar cercados por um bando de filhos únicos mimados, egocêntricos e nada criativos, mas não haverá mais alunos de graduação!! Zero! Néris! O Conjunto Vazio! Os poucos que forem necessários para compensar a taxa de mortalidade de 0,1%, nós podemos colocar no Zoológico da Terra, ao lado dos tamanduás!. Já reparou na semelhança que existe entre um aluno de graduação e um tamanduá? A única diferença é que os tamanduás têm melhores modos à mesa e não cheiram tão mal. Além disso, muito poucos deles estudam medicina. Como disse George Bernard Shaw, a juventude é desperdiçada nos jovens. Como eu disse uma vez, alimente um aluno de graduação com formigas, mostre a ele o retrato de um tamanduá pelado, e terá um amigo para o resto da vida. Que para aqueles de nós que têm mais de trinta está passando mais rápido que a luz.



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© Publicado na Isaac Asimov Magazine, Brasil, nº19 Record, 1992.

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quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Hermanos Capek - R.U.R. (Texto da peça original em espanhol)


Leia agora no SlideShare: http://www.slideshare.net/hermanschmitz/karel-y-joseph-capek-r-u-r

Foi na peça R.U.R. (Rossum's Universal Robots) dos irmãos Capek que surgiu pela primeira vez, em inglês, a palavra Robot. Marca também um conceito na ficção científica. O termo, que em checo significa trabalho repetitivo, depressa destronou denominações mais antigas como autômatos ou androides, generalizando-se como designação corrente para as máquinas capazes de realizar, com algum grau de autonomia, vários tipos de operações e com isso, substituírem os humanos.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Charles G. Finney - As Sete Faces do Dr. Lao (Livro-PDF)

VOCÊ TERIA CORAGEM DE ENTRAR NO CIRCO DO DR. LAO? Debaixo do toldo gigantesco ou dentro da tenda do Dr. Lao, a mais espantosa coleção de seres e animais mitológicos, monstros e criaturas que só aparecem nos sonhos. Tudo que você quer e que você não quer ver! Quimeras, sátiros, esfinges, a própria Górqona. Virgens, mágicos e feiticeiras à escolha. Uma arca de Noé onde cabem todos os animais terrestres. E gente estranha de todas as raças. Jesus de Nazaré entre Buda e Afrodite.

Divertida comédia de Ficção Científica fantástica.

Leia agora o PDF OnLine: http://www.slideshare.net/hermanschmitz/charles-g-finney-as-sete-faces-do-dr-lao

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sábado, 12 de outubro de 2013

José J. Veiga - A Máquina Extraviada (Conto)


A MÁQUINA EXTRAVIADA - conto - José J. Veiga

Você sempre pergunta pelas novidades daqui deste sertão, e finalmente posso lhe contar uma importante. Fique o compadre sabendo que agora temos aqui uma máquina imponente, que está entusiasmando todo o mundo. Desde que ela chegou não me lembro quando, não sou muito bom em lembrar datas, quase não temos falado em outra coisa; e da maneira que o povo aqui se apaixona até pelos assuntos mais infantis, é de admirar que ninguém tenha brigado ainda por causa dela, a não ser os políticos.

A máquina chegou uma tarde, quando as famílias estavam jantando ou acabando de jantar, e foi descarregada na frente da Prefeitura. Com os gritos dos choferes e seus ajudantes (a máquina veio em dois ou três caminhões) muita gente cancelou a sobremesa ou o café e foi ver que algazarra era aquela. Como geralmente acontece nessas ocasiões, os homens estavam mal-humorados e não quiseram dar explicações, esbarravam propositalmente nos curiosos, pisavam-lhes os pés e não pediam desculpa, jogavam pontas de cordas sujas de graxa por cima deles, quem não quisesse se sujar ou se machucar que saísse do caminho.

Descarregadas as várias partes da máquina, foram elas cobertas com encerados e os homens entraram num botequim do largo para comer e beber. Muita gente se amontoou na porta mas ninguém teve coragem de se aproximar dos estranhos porque um deles, percebendo essa intenção nos curiosos, de vez em quando enchia a boca de cerveja e esguichava na direção da porta. Atribuímos essa esquiva ao cansaço e à fome deles e deixamos as tentativas de aproximação para o dia seguinte; mas quando os procuramos de manhã cedo na pensão, soubemos que eles tinham montado mais ou menos a máquina durante a noite e viajado de madrugada.


A máquina ficou ao relento, sem que ninguém soubesse quem a encomendara nem para que servia. É claro que cada qual dava o seu palpite, e cada palpite era tão bom quanto outro.

As crianças, que não são de respeitar mistério, como você sabe, trataram de aproveitar a novidade. Sem pedir licença a ninguém (e a quem iam pedir?), retiraram a lona e foram subindo em bando pela máquina acima, até hoje ainda sobem, brincam de esconder entre os cilindros e colunas, embaraçam-se nos dentes das engrenagens e fazem um berreiro dos diabos até que apareça alguém para soltá-las; não adiantam ralhos, castigos, pancadas; as crianças simplesmente se apaixonaram pela tal máquina.

Contrariando a opinião de certas pessoas que não quiseram se entusiasmar, e garantiram que em poucos dias a novidade passaria e a ferrugem tomaria conta do metal, o interesse do povo ainda não diminuiu. Ninguém passa pelo largo sem ainda parar diante da máquina, e de cada vez há um detalhe novo a notar. Até as velhinhas de igreja, que passam de madrugada e de noitinha, tossindo e rezando, viram o rosto para o lado da máquina e fazem uma curvatura discreta, só faltam se benzer. Homens abrutalhados, como aquele Clodoaldo seu conhecido, que se exibe derrubando boi pelos chifres no pátio do mercado, tratam a máquina com respeito; se um ou outro agarra uma alavanca e sacode com força, ou larga um pontapé numa das colunas, vê-se logo que são bravatas feitas por honra da firma, para manter fama de corajoso.

Ninguém sabe mesmo quem encomendou a máquina. O prefeito jura que não foi ele, e diz que consultou o arquivo e nele não encontrou nenhum documento autorizando a transação. Mas mesmo assim não quis lavar as mãos, e de certa forma encampou a compra quando designou um funcionário para zelar pela máquina.

Devemos reconhecer — aliás todos reconhecem — que esse funcionário tem dado boa conta do recado. A qualquer hora do dia, e às vezes também de noite, podemos vê-lo trepado lá por cima espanando cada vão, cada engrenagem, desaparecendo aqui para reaparecer ali, assoviando ou cantando, ativo e incansável. Duas vezes por semana ele aplica caol nas partes de metal dourado, esfrega, esfrega, sua, descansa, esfrega de novo — e a máquina fica faiscando como jóia.

Estamos tão habituados com a presença da máquina ali no largo, que se um dia ela desabasse, ou se alguém de outra cidade viesse buscá-la, provando com documentos que tinha direito, eu nem sei o que aconteceria, nem quero pensar. Ela é o nosso orgulho, e não pense que exagero. Ainda não sabemos para que ela serve, mas isso já não tem maior importância. Fique sabendo que temos recebido delegações de outras cidades, do estado e de fora, que vêm aqui para ver se conseguem comprá-la. Chegam como quem não quer nada, visitam o prefeito, elogiam a cidade, rodeiam, negaceiam, abrem o jogo: por quanto cederíamos a máquina. Felizmente o prefeito é de confiança e é esperto, não cai na conversa macia.

Em todas as datas cívicas a máquina é agora uma parte importante das festividades. Você se lembra que antigamente os feriados eram comemorados no coreto ou no campo de futebol, mas hoje tudo se passa ao pé da máquina. Em tempo de eleição todos os candidatos querem fazer seus comícios à sombra dela, e como isso não é possível, alguém tem de sobrar, nem todos se conformam e sempre surgem conflitos. Mas felizmente a máquina ainda não foi danificada nesses esparramos, e espero que não seja.

A única pessoa que ainda não rendeu homenagem à máquina é o vigário, mas você sabe como ele é ranzinza, e hoje mais ainda, com a idade. Em todo caso, ainda não tentou nada contra ela, e ai dele. Enquanto ficar nas censuras veladas, vamos tolerando; é um direito que ele tem. Sei que ele andou falando em castigo, mas ninguém se impressionou.

Ate agora o único acidente de certa gravidade que tivemos foi quando um caixeiro da loja do velho Adudes (aquele velhinho espigado que passa brilhantina no bigode, se lembra?) prendeu a perna numa engrenagem da máquina, isso por culpa dele mesmo. O rapaz andou bebendo em uma serenata, e em vez de ir para casa achou de dormir em cima da máquina. Não se sabe como, ele subiu à plataforma mais alta, de madrugada rolou de lá, caiu em cima de uma engrenagem e com o peso acionou as rodas. Os gritos acordaram a cidade, correu gente para verificar a causa, foi preciso arranjar uns barrotes e labancas para desandar as rodas que estavam mordendo a perna do rapaz. Também dessa vez a máquina nada sofreu, felizmente. Sem a perna e sem o emprego, o imprudente rapaz ajuda na conservação da máquina, cuidando das partes mais baixas.

Já existe aqui um movimento para declarar a máquina monumento municipal — por enquanto. O vigário, como sempre, está contra; quer saber a que seria dedicado o monumento. Você já viu que homem mais azedo?

Dizem que a máquina já tem feito até milagre, mas isso — aqui para nós — eu acho que é exagero de gente supersticiosa, e prefiro não ficar falando no assunto. Eu — e creio que também a grande maioria dos munícipes — não espero dela nada em particular; para mim basta que ela fique onde está, nos alegrando, nos inspirando, nos consolando.

O meu receio é que, quando menos esperarmos, desembarque aqui um moço de fora, desses despachados, que entendem de tudo, olhe a máquina por fora, por dentro, pense um pouco e comece a explicar a finalidade da máquina, e para mostrar que é habilidoso (eles são sempre muito habilidosos) peça na garagem um jogo de ferramentas, e sem ligar a nossos protestos se meta por baixo da máquina e desande a apertar, martelar, engatar, e a máquina comece a trabalhar. Se isso acontecer, estará quebrado o encanto e não existirá mais máquina.


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sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Solar O Homem-Átomo - Número 1 (HQ)



Solar, O Homem-Átomo é um personagem fictício dos quadrinhos publicado originalmente em outubro de 1962 pela editora americana Gold Key Comics (outras editoras foram a Valiant Comics e a Acclaim Comics). É um super-herói capaz de converter seu corpo em energia, que ficou conhecido no Brasil ao ser publicado pela Editora EBAL na revista O Herói a partir de agosto de 1966, em preto e branco mas com a peculariedade de que o traje do heroi aparecia numa cor magenta berrante. Criado por Paul S. Newman e Matt Murphy.

Leia OnLine http://issuu.com/hermanschmitz/docs/solar_-_o_homem___tomo__ebal_