terça-feira, 26 de setembro de 2017

Abismo do Tempo - Roberto Schima (Conto curto)




ABISMO DO TEMPO

Roberto Schima


         No alto da montanha, naquele planeta, a jovem esperou pelo seu retorno, conforme ele prometera que faria. Ela observara a nave dele partir, segurando o choro até o último instante, sem se dar conta de que, antes disso, havia muito que as lágrimas rolavam. Não tardara para o veículo transformar-se em mais uma estrela, até confundir-se no céu com aquelas constelações estranhas, ainda sem nome - se é que os poucos que tinham ficado iriam dar-se a esse trabalho.
                E ela esperou.
                Esperou.
                E esperou.
                E o tempo passou.
                E a noite continuou estrelada, porém, silenciosa.
                E, um dia, deu-se conta de que as lágrimas, enfim, tinham secado.
             As memórias, às vezes, podiam ser como escritas na areia da praia. Dependendo da maré, apagar-se-iam para sempre. Aconteceu isso com ela. Gradualmente, a idade, o tempo, a moléstia, foram roubando-lhe,grama a grama, punhados cada vez maior de suas recordações.
                E chegou o dia em que se esqueceu da nave.
                E chegou o dia em que se esqueceu da saudade.
                E chegou o dia em que se esqueceu de seu próprio nome.
                E, enfim, chegou o dia em que se esqueceu de esquecer.
                O destino poderia ser piedoso quando queria.
         Ninguém soube que nome colocar na lápide da velha, todavia, por obra do acaso, da providência divina ou por uma estranha coincidência, enterraram-na no sopé daquela montanha onde, um dia, olhos tristonhos e esperançosos tentaram alcançar e tocar as estrelas.
                E o tempo passou.
                E a poeira cresceu.
                E nada do céu desceu.
                E a pequena comunidade naquele mundo que não era o seu definhou. Uns diriam que fora a fome; outros, a doença; outros, as desavenças. Diriam, se tivesse sobrado alguém para contar a história.
              Então, enfim, numa noite como tantas outras noites, uma esteira de chamas riscou o tecido negro do espaço.
                A nave - aquela nave! - pousou.
                E o homem, ainda jovem, apressado, saltou.
                Procurou, procurou e procurou.
                Chegou a tropeçar nos restos do que fora uma lápide sem nome.
                Carcomida.
                Corroída.
                Esquecida.
                Viu as ruínas e o que elas diziam acima delas.
                Para ele, a partida tinha sido praticamente ontem, uma semana a bem dizer.
                Para ele.
                Todavia... O abismo do tempo abriu diante de si.
                Impactante.
                Indiferente.
                Implacável.
                Irreversível.
                E foi a vez dele chorar para as estrelas.
                Sem encontrar consolo.
                Sem esperar um retorno.
                Sem descobrir respostas na noite sem fim.
                Sem rever um rosto amado a esperá-lo no céu.
                Não.
                Sem espera.
                E sem esperança.
              E o jovem de corpo, porém, agora, velho de espírito. Arrastou seus pés pela poeira daquele mundo tão longínquo do seu. Um planeta que, a princípio encerrara inúmeras promessas. Era bom. Bom demais.. Tantas promessas não cumpridas, como suas próprias promessas agora levadas pelo vento, no tempo, ao relento.
               E descobriu como o vazio do espaço, as incríveis distâncias entre os astros, poderiam existir dentro de si.
                O espaço.
                O vazio.
               E nenhum ganho futuro que aquele mundo pudesse reservar para ele e sua tripulação iriam preencher o abismo da perda.
           Deixou-se ficar na poeira, entre rochedos e uma rala vegetação, a pouco metros de uma sepultura esquecida.
                Sem glória.
                Sem história.
                Sem memória.