quinta-feira, 25 de abril de 2013

Fredric Brown - Sentinela (Conto)


SENTINELA

Fredric Brown

 

Estava molhado, enlameado; tinha fome e tinha frio e estava a cinquenta mil anos luz de casa.

O sol distante quase não iluminava e a gravidade, que era o dobro daquela a que estava acostumado, dificultava cada movimento.

Mesmo após dezenas de milhares de anos a guerra não havia mudado.

Para os pilotos do espaço era fácil, com suas brilhantes astronaves e suas superarmas. Mas quando as naves aterrissavam, era o soldado a pé, a infantaria, que tinha de apoderar-se do terreno, palmo a palmo e custasse o sangue que custasse. Isso é precisamente o que acontecia naquele maldito planeta de uma estrela da qual não havia ouvido falar até por os pés nele. E, agora, era terreno sagrado porque o inimigo também estava ali.

O inimigo, a única outra raça inteligente da Galáxia, raça cruel de monstros abomináveis e hediondas criaturas repulsivas.

O primeiro contato foi perto do centro da Galáxia, após a lenta e dificultosa colonização de uns doze mil planetas; foi uma guerra à primeira vista. Eles começaram a disparar sem tentar qualquer negociação ou tratado. Agora lutavam planeta por planeta, em uma guerra amarga.

Sentia-se úmido, empoeirado, com frio e faminto, o dia era brutal com um vento que doía os olhos. Porém o inimigo estava se infiltrando e cada posto avançado era vital.

Estava alerta, com o fuzil preparado. A cinquenta mil anos luz de sua casa, lutando em um mundo estranho e duvidando se voltaria a ver o seu, sua esposa, sua filhinha…

E então ele viu um deles se arrastando até ele. Armou o fuzil e disparou. O inimigo deu esse grito estranho que eles dão e depois silenciou. Está morto. O espetáculo daquele ser deitado no chão o faz tremer. Alguns podem acostumar-se depois de certo tempo, mas ele nunca conseguiu. Eram umas criaturas tão repulsivas, somente com dois braços e duas pernas e uma pele horrivelmente frágil e sem escamas…!

FIM

Título Original: Sentry, 1954
Tradução de Herman Schmitz, O Alienático - 2013.

sábado, 20 de abril de 2013

Fausto Cunha - A Ficção Científica no Brasil (Artigo)


A FICÇÃO CIENTÍFICA NO BRASIL

Um planeta quase desabitado

Por Fausto Cunha

REVISTAS E EDITORAS

Em 1965, quando estive nos Estados Unidos, assinei contrato com Frederik Pohl para lançar no Brasil uma revista de ficção científica, aproveitando o material de Galaxy, de If e do Magazine of Fantasy and Science Fiction. Não encontrei editora interessada na joint venture. Mais tarde, a Cruzeiro partiria para a edição nacional do Magazine, adotando o título de Galáxia 2000. A revista durou poucos números, não sei se mais de três.

Quando a Globo assumiu o mesmo encargo, preferiu manter o título original, só eliminando o Fantasy. Saíram mais de 20 números do Magazine de Ficção Científica, com uma venda média de 6.000 exemplares, que a editora considerou insatisfatória, razão por que extinguiu a publicação. Em seu lugar, tem saído, sob a égide da Revista do Globo, uma Antologia de Ficção Científica, no mesmo formato, mesma composição em duas colunas, mas com maior número de páginas. Basicamente, é a revista com outra roupagem. E, como aquela, inclui autores nacionais.

Antologias tem havido várias, além das de GRD e da Edart. Em 1964, a Editora Mitos lançou Labirintos do Amanhã e anunciava outras, na sua Coleção Infinitos. Pena que não tivesse ido avante, pois Nelson Nicolai era um organizador inteligente e de bom gosto. No ano seguinte, pela Quatro Artes, saía Imaginação ILtda, igualmente bem escolhida. Mas a primeira, que eu saiba, foi Maravilhas da Ficção Científica, da Cultrix, em 1958, organizada por Wilma Pupo Nogueira, com prefácio de Mário da Silva Brito.

Entre as editoras, quatro ou cinco merecem uma referência especial. Em primeiro lugar GRD, que foi um editor empolgado e só lançava obras que considerava do melhor nível. Fora os brasileiros, deu-nos o C.S. Lewis de Além do Planeta Silencioso, o inesquecível Cidade de Clifford D. Simak, A Cidade e as Estrelas, de Clarke, O País de Outubro, de Ray Bradbury, O Que Sussurrava nas Trevas, de Lovecraft, Guerra de Estrelas, de Francis Carsac, Um Cântico para Leibo-witz, de Walter Miller Jr. e ainda O Manuscrito de Saragoça, de Jan Potocki.

A Bruguera, hoje Cedibra, possuía dois selos, Urânia e Ficção Científica, sob os quais saíram perto de 100 títulos, de valor desigual. Por qualquer motivo, e apesar da freqüência editorial, foram duas coleções que não pegaram. Hoje, a Cedibra lança apenas uma coleção popular, de miniformato, para bancas.

O problema com as editoras de grande porte é que elas adquirem direitos autorais em grosso, isto é, por bateladas de livros, de forma que a média é quase sempre de medíocre para baixo. As traduções, por sua vez, nem sempre ajudam. Evidentemente, ninguém vai comprar os direitos de um Clarke ou Bradbury misturados com os Bruss e os Limat de produção em série.

Esse erro de misturar o bom com o péssimo foi cometido pela editora O Cruzeiro, na sua coleção de ficção científica, onde figuram pelo menos dois excelentes livros: O Homem Demolido, a obra-prima de Alfred Bester, e Simulacron 3, a melhor criação de Galouye. O resto nem vale a pena mencionar, à exceção de Cama de Gato, de Kurt Vonnegut Jr., enterrado nessa vala comum.

Medíocre é toda a coleção Fleuve Noir, com duas ou três exceções. E foi justamente essa coleção a escolhida pelas Edições de Ouro para ser traduzida e lançada no Brasil. Lançada e relançada. Depois de uma primeira experiência editorial não muito bem sucedida, os antigos volumes reapareceram sob uma nova roupagem, de aspecto funéreo. São histórias pueris e obsoletas de marcianos, discos-voadores, espiões atômicos, que não imagino a que faixa de leitores podem ainda interessar. Mas deve haver.

Antes de comprada pelo José Olympio, a editora Sabiá criara a coleção Asteróide, que ia ser dirigida por mim (o nome da coleção nasceu numa conversa minha com Rubem Braga a bordo de um avião para Curitiba, em 1968) e depois ficou entregue às boas mãos de José Sanz, um connaisseur com relações internacionais e escrupuloso tradutor.  Apresentou ele títulos expressivos como Solaris, de Stanislas Lem (redescoberto pelo público quando do lançamento do belíssimo filme que inspirou), Carne, de Philip J. Farmer, O Homem do Castelo Alto, de Philip K. Dick, As Casas de Armas, de A. E. van Vogt e, já sob a José Olympio, Não Temerei o Mal, de Heinlein.

Sem o rótulo ostensivo de ficção científica, a Expressão e Cultura editou vários livros de Isaac Asimov, entre os quais Eu, Robô, já na 8.a edição, de Arthur C. Clarke, Chad Oliver, Robert Silverberg e Fritz Leiber. O nível, como se vê, é em geral o mais alto, as traduções bem cuidadas e a apresentação gráfica na mesma boa linha de suas outras edições.

Pela Rio Gráfica saiu, até há algum tempo, a coleção Galáxia, formato de bolso. Houve lançamentos esparsos da Bestseller, Nosso Tempo, Edameris. Pela nova Simões, fechada em 1970, ainda chegaram a sair Encontro no Espaço, de Murray Leinster-Ivan Efremov, e a segunda edição de As Noites Marcianas, que praticamente não foram para as livrarias. Seria a coleção Gagárin. A Brasiliense parece que ficou no primeiro título, o esplêndido Inalterado por Mãos Humanas, de Robert Sheckley (só não entendi por que o inalterado em vez de intocado ou virgem para o untouched do original).

A Cultrix lançou dois livros de Brian Aldiss e um de Robert Silverberg, todos bons mas para um público restrito. Pela Artenova têm saído com regularidade os vários volumes da obra, difícil de classificar, de Kurt Vonnegut Jr., até bem recentemente um dos gurus da juventude universitária norte-americana. Antes, pela GRD, fora dado à estampa entre nós As Sereias de Titã, que forma, com Matadouro n.° 5 e Cama de Gato, o núcleo literário mais importante de Vonnegut.

Tem havido lançamentos avulsos, quase sempre sem indicação de tratar-se de ficção científica (o que não chega a ser importante; afinal, já disse Ray Bradbury que a science fiction não é um dos afluentes do mainstream literário: é o próprio mainstream!) por editoras tão distintas quanto a Globo, José Olympio, Civilização Brasileira, Mundo Musical, Record, Americana (selo Pallas), Nova Fronteira. Nota-se, por parte das principais editoras, o simples interesse de capitalizar o sucesso momentâneo de filmes ou de nomes, como é o caso de Arthur C. Clarke depois de 2001, ou do prolífico Asimov.

É inegável que esses nomes constituem um forte chamariz para o leitor brasileiro, que ainda está preso à ficção científica dos anos 40 e 50. Eu próprio, quando organizei para a Cátedra a Antologia do Espaço (1976), preferi não correr riscos desnecessários: incluí Asimov, Clarke, Bradbury, Van Vogt. O segundo volume da série Tempo e Espaço é do velho mas sempre eficiente Murray Leinster, Planetas Perdidos.

Muito ativa se vem mostrando a Hemus, cuja escolha de títulos é bastante desigual. Na área existem ainda a Nova Época e uma editora nova, a Global, que inaugurou sua coleção com um livro difícil, O Outro Diário de Phileas Fogg, de Philip José Farmer.

Embora não seja propriamente brasileira, cabe uma palavra final à coleção Argonauta, da editora Livros do Brasil, de Lisboa. Essa coleção, que já ultrapassou de muito a casa dos 200 títulos, foi durante muito tempo a única fonte de abastecimento do leitor de língua portuguesa, publicando a maioria dos grandes autores americanos, ingleses e alguns franceses.

O problema crucial, tanto aqui como lá, são as traduções, nem sempre satisfatórias e muitas vezes ilegíveis. Não se pode, como razão, acusar sistematicamente as editoras de pagarem mal aos tradutores. Aliás, o problema é geral e atinge todas as áreas editoriais, inclusive as traduções para órgãos oficiais, onde se leem as maiores barbaridades. Grande parte dos termos "técnicos" adotados no Brasil é produto de erros de tradução.


Tirado de: L. David Allen, No Mundo da Ficção Científica, Summus Editorial, 1974.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Javier Redal - O.V.B.I. - Objeto Voador Bem Identificado (Conto)


O.V.B.I. *


Conto curto de Javier Redal
Ficção Científica Espanhola


- Oh, não! - gritou o piloto, aterrorizado.

- Oh, sim! - exclamou o copiloto, entusiasmado.

Em seus longos anos como tripulantes de aviões a hélice ou turbos, de carga e de passageiros, nenhum dos dois havia visto um disco voador. E agora, enquanto o DC-9 voava para São Francisco, havia um ali ao lado! Via-se claramente a cúpula central, a fuselagem no formato de prato e mais uma fileira de escotilhas…

O copiloto, fanático pelo tema há anos, não cabia em si de alegria. Lá de trás chegavam os gritos de satisfação dos passageiros e o disparo das câmeras fotográficas, e as aeromoças se esforçavam para mantê-los calmos. O copiloto não parava de perguntar-se: virão em missão de paz? Pediriam que a Terra se unisse à sua civilização? De quê planeta viriam? (É claro que não houve respostas).

Subitamente, o disco voador inclinou-se, mostrando a  face inferior, e da cabine de passageiros se elevou um murmúrio de decepção, enquanto se extinguiam as exclamações de júbilo.

No fundo convexo do disco voador havia um cartaz pintado. À esquerda, um maço de cigarros de uma marca bem popular; à direita, o rosto de um homem que fumava com evidente prazer. Sobre ambos, proclamavam grandes letras brancas: "Não há nada como um Dromedary Filter". Em letras menores se indicavam os conteúdos de alcatrão e nicotina.

- Oh, não! - resmungou o copiloto.

- Oh, sim! - alegrou-se o piloto.

***

Abriu-se a escotilha principal da nave estrelar e Pxtk, o Observador Chefe, entrou na sala. O doutor Twlls, Psicólogo Galático, se levantou para saudá-lo.

- Vai tudo bem? - perguntou.

- Magnífico, excelente! Essa nova pintura de camuflagem que você sugeriu funciona às mil maravilhas. Dentro de pouco tempo nem nos prestarão atenção! Finalmente poderemos observar sem sermos incomodados!

O Psicólogo encolheu os ombros.

- Uma simples aplicação do princípio de saturação: o peixe nem percebe a água que o rodeia. Como os terrestres estão rodeados de propaganda…

O Observador concordou.

- Bem, certo certo…, porém, ouça - acrescentou baixando a voz, mesmo estando somente os dois no lugar -, os rapazes e eu estamos pensando… Diga-me, a Federação Galáctica paga bem?

- Uma miséria - rosnou o cientista -. Esses caras do Núcleo sim é que se dão bem, porém nós, os psicólogos de campo…

- Sim, eu já imaginava algo nesse estilo. Nós também ganhamos muito pouco…, porém, como você sabe, aqui na Terra existem minerais valiosos para a nossa civilização e que lá embaixo se vendem livremente, em troca de dinheiro… De dinheiro terrestre, é claro.

O cientista coçou pensativamente o queixo.

- Aonde quer chegar?

O Observador parecia cada vez mais embaraçado, mas continuou:

- O caso é que…, como lhe direi, é que os rapazes e eu… Bom, você já desceu na Terra, fala os seus idiomas e conhece os seus costumes… e, depois de tudo, a publicidade é um negócio legal lá embaixo…

O Psicólogo foi sem dúvida influído pela cultura que estava estudando, porque disse, sem pestanejar e sorrindo:

- Trinta por cento para mim.

FIM

[*] O.V.B.I.: Objeto Voador Bem Identificado

Título Original: O.V.M.I. ? 1980 por F. Javier Redal.
Tradução: Herman Schmitz, o não identificado.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Robert Sheckley - Começa coçando (Conto)

COMEÇA COÇANDO
Conto de Robert Sheckley

Na noite passada tive um sonho muito estranho. Sonhei que uma voz me dizia:

- Perdoe que interrompa seu sonho anterior, porém tenho um problema urgente para resolver e você é a única pessoa que pode ajudar-me.

Sonhei que respondia:

- Não é necessário pedir desculpas, de qualquer forma não era um sonho tão agradável, e se posso ser útil de alguma forma…

- Você é a única pessoa que pode ajudar-me - disse a voz -. E se não ajudar, tanto eu como todo meu povo estaremos condenados.

- Senhor! - disse.

Chamava-se Froka, e pertencia a uma raça muito antiga. Viviam desde tempos imemoriais em um imenso vale rodeado de gigantescas montanhas. Era um povo pacífico que, ao longo do tempo, havia produzido alguns artistas extraordinários. Suas leis eram exemplares e educavam a seus filhos de forma carinhosa e tolerante. Embora alguns deles fossem chegados na bebida, e inclusive haviam conhecido casos de assassinatos, consideravam-se uns seres sensíveis, bons e respeitáveis que…

- Escute - interrompi - porque não vai direto ao assunto?

Froka novamente pediu desculpas por mostrar-se tão falador, e me explicou que em seu mundo a fórmula normal de um pedido de ajuda exigia uma longa exposição dos fundamentos que motivavam a súplica.

- Está bem - disse -. Mas vamos ao problema.

Froka inspirou profundamente e começou. Contou que há uns cem anos (isso na sua própria medida de tempo), um enorme cilindro vermelho e amarelo desceu dos céus, caindo perto da estátua ao Deus Desconhecido, bem em frente à prefeitura de sua cidade, que ocupava o terceiro lugar em importância no estado.

O cilindro não era perfeitamente circular e tinha aproximadamente três quilômetros de diâmetro. Elevava-se muito além do alcance dos seus instrumentos e desafiava todas as leis naturais. Haviam realizado alguns experimentos onde descobriram que o cilindro era insensível ao frio, ao calor, às bactérias, ao bombardeio com prótons, e resumindo, a tudo que se pudesse imaginar. E ele permaneceu cravado ali, imóvel e inacreditável, durante exatamente cinco meses, dezenove horas e seis minutos.

Logo, sem nenhuma razão aparente, o cilindro começou a mover-se na direção norte-noroeste. Sua velocidade média era de 125 quilômetros por hora (segundo sua forma de calcular a velocidade). Ele deixou um sulco de 292 quilômetros de comprimento por 3 de largura. Em seguida desapareceu.

As reuniões das autoridades científicas não chegaram a nenhuma conclusão a respeito do fenômeno. Terminaram declarando que se tratava de um fenômeno inexplicável, único, e que com certeza, não se repetiria jamais.

Porém voltou a acontecer. Um mês mais tarde, e desta vez em plena capital.  O cilindro deslocou-se ao largo de 1.320 quilômetros, e de uma maneira aparentemente sem rumo. Os danos materiais foram incalculáveis e milhares de pessoas perderam a vida.

Dois meses e um dia mais tarde, o cilindro voltou e alcançou as três maiores cidades, em sequência.

Agora todos sabiam que não somente a vida das pessoas, mas também a sobrevivência de sua civilização, sua existência como raça, estava ameaçada por um fenômeno desconhecido e talvez nem mesmo identificável.

Aquela certeza levou ao desespero o conjunto da população. Houve diversas manifestações alternadas de pânico e de apatia.

O quarto ataque ocorreu nos descampados, ao leste da capital. Quase não houve danos materiais. Mesmo assim, rompeu um pânico geral e o resultado foi um número aterrador de suicídios.

A situação era desesperadora. Juntamente com as ciências oficiais começaram a nascer uma multidão de pseudociências. Não se rejeitava nenhuma forma de ajuda, não se deixava de se estudar nenhuma hipóteses, fosse de um bioquímico, de um astrônomo ou de um cartomante. Nem sequer podiam descartar as ideias mais aloucadas, especialmente depois da terrível noite de verão na qual ocorreu a aniquilação da antiga cidade de Raz e de seus principais núcleos periféricos.

- Perdão - disse -. Lamento profundamente que vocês tenham sofrido todas essas calamidades, porém não vejo que relação pode ter tudo isso comigo.

- Estava chegando lá - disse a voz.

- Então prossiga. Porém sugiro que se apresse, pois acho que não vou demorar muito para acordar.

- Acontece que é bastante difícil de explicar o meu papel em tudo isso - continuou Froska -. Minha profissão é de técnico contábil. Porém, como hobby, me interesso pelos métodos de ampliação das percepções mentais. Recentemente estava realizando umas experiências com um composto químico que chamamos kola, o qual provoca estados de profunda iluminação…

- Nós também temos compostos parecidos -  interrompi.

- Então você já entende o que eu quero dizer. Bom, durante a viagem… Vocês usam o mesmo termo? Ou, dizendo de outro modo, enquanto eu estava sob sua influência, adquiri um conhecimento, uma compreensão total e imensa… Mas é tão difícil de explicar…

- Vamos! - cortei impaciente -. Vamos ao fundo do assunto.

- Bom - prosseguiu a voz -, percebi que o meu mundo existia em diversos níveis… atômico, subatômico, em planos vibratórios, em um número infinito de planos de realidades, que por sua vez também formam parte de outros níveis de existência.

- Já estou a par - disse, interessado -. Há pouco tempo cheguei ao mesmo conceito no meu próprio mundo.

- E com isso me ocorreu claramente a hipótese - continuou Froka - que um dos nossos níveis sofre algum tipo de desajuste.

- Pode ser um pouco mais preciso - pedi.

- Em minha opinião é que o meu mundo sofre de um tipo de inclusão ao nível molecular.

Fantástico - observei -. E pode localizar essa invasão?

- Creio que sim - disse a voz -. Porém não tenho nenhuma prova. Tudo isso não é mais que pura intuição.

- Eu também acredito na intuição. Conte-me o que descobriu.

- Bem, senhor - prosseguiu a voz, vacilante -. Cheguei à conclusão, intuitivamente falando, que o meu mundo é um parasita microscópico do seu.

- Repita isso de uma forma mais clara, por favor.

- De acordo. Descobri que sob o aspecto do meu plano de realidade, meu mundo existe entre a segunda e a terceira articulação da sua mão esquerda. Existe aí há milhões dos nossos anos, que são minutos para vocês. Não posso provar, obviamente, e não o acuso em absoluto…

- Bom - disse -. Quer dizer então que o seu mundo está situado entre a segunda e a terceira articulação da minha mão esquerda. Muito bem. E o que eu posso fazer a respeito?

- Então, senhor, minha hipótese é de que recentemente você começou a coçar a região do meu mundo.

- A coçar?

- Creio que sim.

- E isso que você chama de grande cilindro é um dos meus dedos?

- Precisamente.

- Então, o que vocês querem é que eu pare de me coçar.

- Somente nessa região - disse rapidamente a voz -. É um pedido bastante embaraçoso para mim, porém não há outra maneira de salvar o meu mundo da destruição total. Eu peço que me perdoe…

- Não se preocupe com isso. As criaturas inteligentes não devem envergonhar-se de nada.

- É muito bom ouvir isso - murmurou a voz -. Nós não somos humanos, sabe, somos uns parasitas, e não possuímos nenhum direito sobre você…

- Todas as criaturas inteligentes devem ajudar-se - afirmei -. Você tem aminha palavra de que nunca mais, pelo resto da minha vida, me coçarei entre a primeira e a segunda articulação de minha mão esquerda.

- A segunda e a terceira - retificou a voz.

- Nunca, jamais me coçarei entre as articulações da minha mão esquerda, sejam quais sejam. É uma promessa solene que manterei enquanto viver.

- O senhor salvou o nosso mundo - disse a voz -. Nenhum agradecimento jamais será o suficiente. Porém eu agradeço de todos os modos.

Não falemos mais nisso - disse.

E a voz sumiu, e despertei.


Assim que me lembrei do sonho, coloquei uma fita de esparadrapo sobre as articulações da minha mão esquerda. Desde então, me recuso a prestar atenção às diversas coceiras que me incomodam nessa região, e nem sequer mais lavo a mão esquerda. Deixo o esparadrapo preso o tempo todo.

No próximo final de semana o tirarei. Imagino que até lá hajam transcorrido a eles vinte ou trinta milhões de anos, segundo a sua maneira de calcular o tempo, o qual deve ser o suficiente para qualquer raça, não importa qual seja.

Entretanto o meu problema não é esse. Meu problema é que começo a ter uma desagradável intuição sobre uns tremores de terra que estão se propagando na região da Falha de San Andreas, assim como a inusitada atividade vulcânica que aumenta no centro do México. O que quer dizer tudo isso? Na verdade eu não sei, mas está acontecendo novamente, e isso me dá medo.

- Perdoe que interrompa seu sonho anterior, porém tenho um problema urgente para resolver e você é a única pessoa que pode ajudar-me.

FIM

Título Original: Starting for Scratch, 1953.
Tradução: Herman Schmitz, o incossável.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Kurt Karl Doberer - O Planeta das Sete Cores (Poesia)


O Planeta das Sete Cores

Kurt Karl Doberer


Na tormenta de Júpiter
as cores do arco íris…
Gritos de ondas hertzianas
no turbilhão da vida.

Cores fascinantes da vida,
cores espantosas da morte
no caleidoscópio
das sínteses prebióticas:

vermelho pra os azobenzenos,
azuis para os azulenos,
amarelo para o enxofre,
o mais cristalino
dos precipícios de Júpiter.

Vida que não contém vida,
inteligência composta de eternas tempestades.
Bestas de metal de hidrogênio
num mar de amoníaco e metano,
pântano onde se revolve
a salamandra de Júpiter,
o planeta do arco íris.


In Ruf der Sterne "Chamado das Estrelas", 1968.

sábado, 6 de abril de 2013

Robert A. Heinlein - Nenhum homem é um ilha




"Nenhum homem é uma ilha... " Por mais que possamos sentir e agir como indivíduos, a nossa raça é um organismo único, sempre crescendo e se ramificando — que deve ser podado regularmente para ser saudável. Esta necessidade não precisa ser discutida; quem quer que tenha olhos pode ver que qualquer organismo que cresce sem limite sempre morre em seus próprios venenos. A única pergunta racional é se a poda deve ser feita antes ou depois do nascimento.



Robert A. Heinlein - Caderno de Notas de Lazarus Long

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Frederik Pohl - A Mensagem (Conto)


A Mensagem

Conto de Frederik Pohl


A mensagem começa:

"NÃO PODEMOS SABER COM CERTEZA SE VOCÊS ESTÃO EVOLUÍDOS O BASTANTE PARA PODEREM ENTENDER ESTA MENSAGEM. INFELIZMENTE, NÃO SOUBEMOS DA SUA EXISTÊNCIA ATÉ O MOMENTO DA EXPLOSÃO".

O general entrou na sala de guerra e deu sua capa ao ordenança. As estrelas nas ombreiras tilintavam umas nas outras. - Que descaramento! - murmurou. - Quem eles acham que são?

O técnico oficial de serviço ergueu os olhos do seu computador. - Com o devido respeito, senhor - disse -, parece evidente que eles são bem mais avançados que nós.

- Mas avançados? Ah, você quer dizer que possuem melhores equipamentos, se refere a isso naturalmente. Bem, está bem, continue decifrando.

- Sim, senhor.

"NÃO É IMPORTANTE QUE ENTENDAM ESTA MENSAGEM. DE QUALQUER FORMA OS SALVAREMOS, COM OS MESMOS MEIOS QUE USAMOS PARA ATRAVESSAR O ESPAÇO E CHEGAR ATÉ AQUI. NÃO TENHAM MEDO".

- Medo! - bufou o general escandalizado.

"O TRANSLADO SERÁ INSTANTÂNEO. NÃO SERÁ NECESSÁRIA NENHUMA AÇÃO DA PARTE DE VOCÊS, E NEM SEQUER SE DARÃO CONTA QUE OCORRE ALGO ATÉ QUE CHEGUEM À NOSSA NAVE".

- Tem certeza que isso não é uma piada? - perguntou o general, sem muita esperança.

- Não creio que seja senhor. "Vigia Espacial" informou a onze horas que havia rastreado um objeto não identificado em órbita cislunar. A mensagem começou a chegar… a mesma mensagem, seguidamente… desde mais ou menos… vejamos - teclou rapidamente na sua calculadora de bolso - desde quinze para uma desta manhã. Em seguida a  enviamos a Washington, senhor.

- Sei perfeitamente o que fizeram - berrou o general -. Os russos também estão recebendo isso?

O oficial técnico se entusiasmou. - Creio que não, senhor - respondeu -. Pusemo-nos em ação imediatamente. Não creio que os russos possam interpretar os verdadeiros sinais sem isso - apalpou o teclado que se conectava com a sala de guerra em Denver e com os gigantescos computadores instalados sob as montanhas Rochosas no Colorado-. E sabemos que ele não tem nada parecido!

- Mmmmm - disse o general, um pouco mais calmo-. Diz algo mais essa mensagem?

- Oh, sim, senhor - o oficial técnico recomeçou a imprimir o texto:

"TENHAM EM CONTA QUE SÓ PODEREMOS SALVAR A VOCÊS DOS EFEITOS DA EXPLOSÃO DA ESTRELA ALFA DE CENTAURO. PODEREMOS CHEGAR A SEU SISTEMA MUITO POUCO ANTES DA ONDA FRONTAL. NÃO PODEREMOS SALVAR A TEMPO NEM SEUS ANIMAIS NEM SEUS OUTROS PERTENCES".

- Se deixarem que os russos se queimem - sorriu o general -, que importa se não salvem os cães? Mas, e Alfa do Centauro? Que acontece se ela explodir?

- Bem, senhor - respondeu o oficial técnico, incerto-, não sou eu quem afirma, mas o pessoal do Conselho Nacional de Ciências diz que, se isso for verdade, será uma explosão tão grande que poderia chegar a queimarmos. Mesmo de tão longe.

- E isso quando ocorrerá? - perguntou o general inquieto.

A mensagem do objeto na órbita cislunar dizia: "QUANDO LHES ALCANCE A ONDA FRONTAL". Nosso pessoal está trabalhando nisso, senhor, mas poderia tentar efetuar o calculo agora…

- Faça-o!

- Sim, senhor - respondeu o oficial técnico, e pôs a mão no bolso, mas não encontrou a calculadora -. Que estranho? - disse, procurando em volta aonde havia posto; não teve êxito-. Bom, general, o farei no computador central…

Porém o teclado de comunicação com o centro de computação também havia desaparecido. Também o modem, o monitor e a impressora. E quando o oficial técnico, com uma repentina sacudida de espanto, conseguiu improvisar uma ligação pelo circuito fechado de TV no centro de computação das Rochosas, encontrou as enormes salas de rocha completamente desertas. Não haviam as fitas magnéticas, nem os processadores. Não havia nada que tivesse relação com computadores, calculadoras, ou qualquer outra forma de inteligência artificial. Tudo isso havia desaparecido. Restavam apenas os animais domésticos, polindo as estrelas dos seus uniformes, com os olhos esbugalhados de espanto e cravados nos aparelhos de comunicação… enquanto isso, lá fora o céu se ascende um pouco mais. E continua iluminando com crescente intensidade.


Tradução: Herman Schmitz

terça-feira, 2 de abril de 2013

Fredric Brown - O Solipsista (Conto)


O solipsista

Fredric Brown

Walter B. Jehovah tinha sido solipsista toda a sua vida. Não vou justificar o seu nome, pois este era realmente o seu nome. Um solipsista, no caso de o leitor não conhecer a palavra, é alguém que acredita que ele próprio é a única coisa que realmente existe, que as outras pessoas e o universo em geral só existem na sua imaginação, e que se ele deixasse de os imaginar estes também deixariam de existir.

Um dia, Walter B. Jehovah começou a ser solipsista praticante. No espaço de uma semana, a sua mulher fugiu com outro homem, perdeu o seu emprego de expedidor e partiu uma perna quando afugentava um gato preto para impedir que este se atravessasse no seu caminho.

Enquanto estava de cama no hospital, decidiu acabar com tudo.

Olhou pela janela, contemplou as estrelas, desejou que elas deixassem de existir e elas desapareceram. Depois, desejou que todas as outras pessoas deixassem de existir e o hospital ficou estranhamente silencioso, apesar de ser um hospital. A seguir, fez o mesmo ao mundo, e encontrou-se suspenso num vazio. Livrou-se do seu corpo com a mesma facilidade e depois deu o passo final, querendo que ele próprio deixasse de existir.

Nada aconteceu.

Estranho, pensou, poderá haver um limite para o solipsismo?

"Sim", disse uma voz.

"Quem é?", perguntou Walter B. Jehovah.

"Sou aquele que criou o universo que acabaste de querer que deixasse de existir. E agora que vieste substituir-me - houve um suspiro profundo - posso finalmente deixar de existir, cair no esquecimento e deixar-te ocupar o meu lugar."

"Mas como posso eu deixar de existir? É isso que estou a tentar fazer, sabes?"

"Sim, sei", disse a voz. "Tens que fazer como eu fiz. Cria um universo. Espera até que surja nele uma pessoa que acredite realmente naquilo em que acreditaste e que queira que ele deixe de existir. Depois podes retirar-te e deixá-la ocupar o teu lugar. Adeus!"

E a voz desapareceu.

Walter B. Jehovah estava sozinho no vazio e só havia uma coisa que ele podia fazer. Criou o Céu e a Terra.

Levou sete dias a fazê-lo.


Fredric Brown
Tradução de Pedro Galvão
Retirado de What Mad Universe, 1949.

Fredric Brown - A Primeira Máquina do Tempo (Conto)


A Primeira Máquina do Tempo

Fredric Brown

 

"Senhores: a primeira Máquina do Tempo", apresentou, orgulhosamente, o professor Johnson a seus dois colegas. "De fato, trata-se de um modelo experimental em escala reduzida. Ele operará apenas com objetos pesando cerca de um quilo e para distâncias em direção ao passado e ao futuro de vinte minutos ou menos. Mas funciona".

O modelo em escala reduzida se parecia com uma balança, daquelas usadas em agências de correio - exceto por dois interruptores na parte debaixo da plataforma.

O professor Johnson segurou um pequeno cubo de metal. "Nosso objeto experimental", disse, "é um cubo de metal pesando mais ou menos meio quilo. Primeiro, vou mandá-lo cinco minutos na direção do futuro".

Ele inclinou-se para frente e regulou um dos botões da máquina do tempo. "Observem os seus relógios", disse.

Eles olharam os seus relógios. O professor Johnson colocou cuidadosamente o cubo na plataforma da máquina. O objeto desapareceu.

Cinco minutos depois, no segundo exato, o objeto reapareceu.

O professor Johnson o recolheu. "Agora cinco minutos na direção do passado". Ele regulou o outro dial. Segurando o cubo em sua mão olhou para o seu relógio. "Faltam seis minutos para as três horas. Eu vou agora ativar o mecanismo - colocando o cubo na plataforma - exatamente às três horas. Consequentemente, ao faltarem cinco minutos para as três, o cubo desaparecerá da minha mão e aparecerá na plataforma cinco minutos antes de eu colocá-lo ali".

"Como você poderá colocá-lo ali, então?", perguntou um dos colegas.

"Enquanto a minha mão se aproxima, ele desaparecerá da plataforma e aparecerá na minha mão para ser posto ali. Três horas. Reparem, por favor".

O cubo desapareceu da sua mão.

O cubo apareceu na plataforma da máquina do tempo.

"Vêem? Daqui a cinco minutos eu o colocarei ali, mas ele já está ali!"

Seu outro colega franziu as sobrancelhas ao olhar para o cubo. "Mas", disse, "e se, agora que ele já apareceu cinco minutos antes de você o colocar ali, você mudasse de ideia sobre fazer isso e não o pusesse ali às três horas? Não estaria envolvido aqui certo tipo de paradoxo?"

"Uma ideia interessante", respondeu o professor Johnson. "Eu não havia pensado nisso; será interessante fazer um teste. Muito bem, eu não vou...".

Não sucedeu nenhum tipo de paradoxo. O cubo continuou onde estava.

Mas todo o resto do Universo, professores e tudo o mais, desapareceu.


Fredric Brown. From these ashes, 1954. Trad. de Gustavo Bernardo. Framingham, USA: Nesfa Press, 2001