O Guia do Mochileiro das Galáxias
Prefácio por Bradley Trevor Greive
Desde tempos imemoriais houve
menos que meia dúzia de mortais cujas mentes foram capazes de contemplar o
universo em sua totalidade: Einstein, Hubble, Feynman e Douglas Adams são os
nomes que surgem em meu cérebro comparativamente ínfimo e inútil. Destes poucos
gênios especiais, Douglas Adams é, sem dúvida, o pensador mais hilariantemente
original, embora seja consenso geral que Einstein era melhor dançarino de funk.
O Guia do Mochileiro das
Galáxias começou sua história como uma série de rádio e, depois, uma compilação
em fita cassete. Transformado em livro, tornou-se um best-seller mundial e foi
parar, de forma curiosa, na televisão britânica.
Com uma galeria de personagens
bizarros e tantas viradas abruptas na trama que você se sentirá em uma
montanha-russa, O Guia do Mochileiro é, sem dúvida, uma das mais criativas e
cômicas histórias de aventura jamais escritas. Arthur Dent, um inglês azarado,
escapa de um evento dramático ― a destruição da Terra ― , graças a um amigo de
Betelgeuse que, enquanto estava ilhado em nosso planeta, havia se disfarçado de
ator desempregado. Arthur se vê arrastado, apesar de seus protestos histéricos
(bem, "histérico" dentro da habitual fleuma britânica), para as
situações mais alucinadas nos pontos mais distantes do tempo e do espaço.
O que realmente sustenta este
livro hilariante, através de sua viagem freneticamente bizarra pela galáxia
rumo ao legendário planeta de Magrathea ― e além ―, é a pergunta profunda sobre
o porquê. De onde viemos? Por que estamos aqui? Para onde vamos? Onde vamos
almoçar hoje?
Além disso, enquanto Arthur
tenta se entender com as formas de vida mais estranhas e os nomes ainda mais
estranhos dessas formas de vida estranhas, nosso anti-herói descobre a
verdadeira história da Terra e a resposta final à grande pergunta da Vida, do
Universo e Tudo o Mais. No geral, um resultado bastante satisfatório, devo
dizer.
Mas o que torna a escrita de
Douglas Adams tão hipnótica? Além do fato de ser considerado por muitos como
"um dos autores mais perspicazes de nossos tempos",¹ Ele também se
envolveu profundamente com a literatura e a ciência. A leitura, o humor, os
animais selvagens e a tecnologia eram suas grandes paixões, e ele soube reunir
esses interesses aparentemente disparatados com toda a concisão e energia de um
supercondutor de partículas atômicas, inundando seus leitores com um dilúvio
feroz de hilariantes conceitos abstratos e teorias perversamente avançadas.
Você não precisa saber nada a respeito de física nuclear ou biologia para
apreciar sua obra; porém, quanto mais souber, mais agradáveis os livros se
tornarão. Um exemplo clássico é o engenhoso gerador de improbabilidade
infinita, que impulsiona a nave espacial de nossos heróis por todos os pontos
da Galáxia em um único instante. Este conceito diabolicamente inteligente
parece, ao menos para mim, ser diretamente derivado do conceito de
"abordagem de somatório através da história", ou da "abordagem
de caminho integral" da física quântica, conforme concebido por Richard
Feynman, ganhador do Prêmio Nobel de 1965.² Adams nasceu no enclave acadêmico
de Cambridge, na Inglaterra, em 1952, e sempre se divertia dizendo que ele era
o verdadeiro "DNA" (Douglas Noel Adams) original de Cambridge, tendo
chegado ao mundo uns nove meses antes que Crick e Watson, ganhadores do Prêmio
Nobel, anunciassem sua descoberta da dupla-hélice do DNA em um pub local ―
possivelmente não muito diferente do pub em que os heróis do Guia do
Mochileiro, Ford Prefect e Arthur Dent, tomaram cerveja e comeram amendoins
enquanto se preparavam para sua iminente partida de nosso planeta condenado.
Sob a orientação de alguns
professores particularmente dedicados, Douglas Adams desenvolveu um intelecto
privilegiado durante seu período na escola. O que lhe faltou em termos de
agilidade física ― suas dimensões exageradas fizeram dele um elemento perigoso
em pistas de dança e competições esportivas ― , ele compensou amplamente com
seus neurônios ágeis, impressionando seus mestres e colegas com pensamentos
originais, introspecções profundas e um humor avassalador.
De acordo com o que se diz,
Douglas Adams viveu para escrever, mas essa versão se opõe diretamente à sua
própria confissão de que escrevia "de forma lenta e dolorosa". Por
outro lado, há muitos relatos sobre sua "escrita como a arte da
performance", uma habilidade invejável de gerar página após página de puro
brilhantismo, com um editor desesperado e exigente bufando sobre seus ombros,
como se ele fosse um mágico puxando do bolso uma corrente infinita de lenços
coloridos. Curiosamente, mesmo após ter obtido sucesso internacional, tornou-se
famoso nos círculos literários por fazer qualquer coisa, menos escrever. Sua
impressionante falta de autoconfiança ante a enorme evidência de que era um
gênio muitas vezes chegou a incapacitá-lo a tal ponto que simplesmente não
conseguia enfileirar duas palavras. Não estava brincando totalmente quando
disse: "Amo os prazos. Amo a pressão surda que geram quando se
aproximam." Editoras e editores, frustrados, tentaram diversos truques
inteligentes para fazer com que sua criatividade fluísse, de forma que ele
conseguisse terminar seus livros a tempo de colocá-los nas prateleiras antes da
próxima era do gelo. Aparentemente, as melhores soluções parecem ter sido
trancá-lo dentro de um cofre de banco ou então dentro de um quarto sem janelas,
sem telefone, sem fax, sem conexão com a Internet ― em nem mesmo uma portinhola
de escape.
Embora este livro que você acaba
de comprar tenha sido um sucesso imediato, o percurso de Douglas Adams jamais
foi previsível. Em um determinado momento, com suas ocupações literárias
temporariamente "em suspenso", ele foi empregado como "limpador
de galinheiros e guarda-costas da família governante de Qatar".³ Depois de
entrar de cara em numerosos becos sem saída, finalmente encontrou seu lugar ao
produzir a série de rádio da BBC em que este livro é baseado.
Embora declarasse ser "um
ateu radical", seus livros demonstram um sentido claro e nítido de justiça
e compaixão universais. No início achei isso um pouco estranho e pensei que
talvez ele estivesse apenas demonstrando sua enorme inteligência enquanto debochava
da crendice pia dos fanáticos religiosos, mas em algum momento compreendi o que
ele realmente queria dizer. Uma posição radicalmente ateista pode até
significar que sua vida é uma corrida rumo ao esquecimento ― mas ao menos você
pode fazer isso com estilo. Como você se comporta hoje, o que você faz com cada
momento, como você explora os talentos e as oportunidades à sua disposição são
coisas muito mais importantes para um ateu genuíno do que para os devotos mais
religiosos. Longe de perder o sentido, o que você faz nesta vida subitamente
torna-se incrivelmente importante, já que você só tem essa única possibilidade
de fazer a coisa certa, de mudar alguma coisa, de contribuir de alguma forma
para aqueles que você ama ou que seguirão seus passos.
Um homem apaixonado em suas
convicções, Adams usou sua importância, intelecto e tremenda energia para
contribuir de várias formas. Com seus livros, artigos, aparições públicas e
donativos, Douglas Adams inspirou mudanças positivas e apoiou diversas causas
significativas. Sua paixão por animais selvagens nunca esteve mais presente do
que quando viajou ao redor do mundo com o zoólogo Mark Cawardine para
documentar as espécies em risco de extinção para seu maravilhoso livro Last
Chance to See (Última oportunidade para ver). E não parou nisso, pois ele
seguiu em frente, transformando-se no energético e carismático patrono tanto do
Diana Fossey Gorilla Fund quanto do Save the Rhino International. Entre suas
muitas ações para apoiar este último, houve a famosa vez em que escalou o
Kilimanjaro, fantasiado de rinoceronte, para ajudar a divulgar sua causa.
Aparentemente não houve um
assunto sequer sobre o qual não tenha se interessado.
Sua crítica social afiada é
recoberta pelo mais fino humor, tornando-se por vezes áspera e adoravelmente
ofensiva de uma forma que muitas vezes parece a nós, australianos, ser
essencialmente a nossa própria. A educação, ou a falta dela, frequentemente
emergia em meio a seu descontentamento de várias formas. Tricia Macmillan (com
quem você irá se encontrar em breve) é provavelmente a mais espantosa
celebração da subclasse intelectual oprimida que já encontrei na ficção
contemporânea. Ele também se preocupava muito em transmitir a ideia de que os
recursos naturais eram finitos e estão acabando, com avisos ecológicos ocultos
em quase tudo que escreveu.
A tecnologia era uma enorme
paixão de Douglas Adams, que provavelmente possuiu e usou mais computadores da
marca Apple do que qualquer outra pessoa, a não ser talvez o próprio Steve
Jobs. Ele era um tanto peculiar nesse ponto, pois achava que a tecnologia
poderia ser usada para salvar nosso planeta de quase todos os males, incluindo
o tédio e a extinção da espécie. Essa noção o colocava em franca oposição com
muitos conservadores mais prosaicos, os quais ansiavam pelo retorno das
carroças puxadas a cavalo, talvez para que o ruído agradável dos cascos batendo
ao longe os distraísse do aumento exponencial nas emissões de gases que causam
o efeito estufa. Ele lutou até o fim pela visão de que as novas tecnologias são
a extensão mais natural da mente humana.
Como um todo, Douglas Adams era
um indivíduo extraordinário, que deixou um enorme vazio nesta dimensão quando
morreu subitamente de um ataque cardíaco, no dia 11 de maio de 2001. Muitas
pessoas sentem uma enorme falta dele, mesmo aquelas como eu que nunca apertaram
sua mão. Depois de ler este livro você entenderá o porquê.
Esta edição da Editora Sextante
do Guia do Mochileiro das Galáxias tem sido esperada por um longo tempo.
Contudo, dentro de umas 100 páginas, estou certo de que você concordará comigo
que a espera valeu a pena. A genialidade de Douglas Adams e a forma como ele
usa as situações mais absurdas para nos fazer rir certamente encontrarão ecos
no amor pela vida e no bom humor que meus amigos brasileiros têm de sobra.
Divirta-se!.
BRADLEY TREVOR GREIVE
¹ Richard Dawkins. The Guardian, 14
de maio de 2001.
² John & Mary Gribbin. Richard
Feynman: Uma vida na ciência, Viking, 1997.
³ Nicholas Wroe. The Guardian, junho
3, 2000.
***
Tradução de: Paulo Fernando
Henriques Britto e Carlos Irineu da Costa
Editora Sextante
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