MICRO INVASÃO
Poesia narrativa de Herman A. Schmitz
Ainda é difícil para mim acreditar
que a invasão começou no meu próprio quintal
num domingo fim de tarde tranquilo
por volta das cinco horas
e que é pior
foi de dentro de mim
usaram o meu próprio corpo
para localizarem a terra e a invadi-la
Tudo começou quando
Estava cortando as unhas do meu pé esquerdo
e avistei na ponta do dedão a minha frente
umas manchas esbranquiçadas
que logo tomaram a forma de algo metálico
de diminutas embarcações girando no espaço
e saindo do dedo em formação alinhada
ordenada de duas em duas
o que era visivelmente artificial
A princípio duvidei daquilo tudo
minha mente ociosa se recusava a aceitar
aquelas naves minúsculas
como sendo algo mais que uma
agradável ilusão de ótica
provocada pelos raios oblíquos do sol
Mas a insistência daquele voo de insetos
sem nenhum zumbido
me fez sair lentamente da minha letargia
para dar um piparote ao acaso
em uma das naves mais próximas
Imediatamente
recuei horrorizado pela dor lancinante em meu dedo
e pela constatação de que a nave
não se movera com o esperado recuo de um inseto abalado
e ainda
se abriram umas escotilhas na fuselagem
e delas emergiram pequeninas
canhoneiras negras
que logo abriram fogo
me fazendo estremecer de dor
ao ser atingido por agulhadas
em diversos pontos do meu corpo
Levantei-me depressa e ainda tonto pela surpresa
quando percebi que as naves
se reposicionavam
me cercando por todos os lados
e tendo ao nível dos olhos
aquela que me atingira tão duramente
Havia tensão nessa abordagem
pareciam esperar só mais um passo meu
para ativarem novamente seus canhõezinhos
- Leve-nos ao seu líder
pensei eu sem saber porque
e a frase se repetia salmodiada
em minha mente como se fora implantada
por aquela diminuta nave de guerra
e por seus misteriosos ocupantes
Dei um passo para trás
e as naves o acompanharam
agora sim estou frito, pensei
prisioneiro de alienígenas
em meu próprio planeta
feche os olhos e respire fundo, me disse
e essa alucinação passará
mas no íntimo já sabia que não passaria
que havia sido abduzido da raça humana
ali em meu próprio quintal
Sim meus caros compatriotas
era eu mesmo aquele que chegou em frente ao congresso
na segunda feira de manhã
e provocou todas aquelas reuniões de emergência
a portas fechadas
Fui eu quem sofreu o descrédito dos militares
até verem seus charutos destroçados
pelos seus pequenos mísseis
seus tanques violados pelo laser alienígena
e suas frotas desbaratadas pelas pequenas
naves que se introduziam em qualquer fenda
se infiltravam nos controles e os destruíam
com facilidade e precisão
E hoje que acabamos prisioneiros desse exército
e trabalhamos sobre a guarda
dessas micro naves
aqui nessas minas de urânio e cobalto
de onde são retirados os elementos para a fabricação
da sua ponte interestrelar
por onde virão os verdadeiros conquistadores
ainda penso naquela tarde domingueira
e vejo que minhas unhas precisam
novamente de corte…
________________________
(c) 2010 Herman Augusto Schmitz
Ilustração: Marcelo Galvan
________________________
A poesia de ficção científica deve ser essencialmente narrativa, pois se faz necessário uma ambientação física, uma adequação ao espaço-tempo diegético de uma inventividade científica através da qual se identificará o leitor, enquanto ao gênero e à causa em questão. Em Micro Invasão, Herman A. Schmitz mobiliza os elementos centrais da ficção científica — como a miniaturização tecnológica, a invasão alienígena e a dominação extraplanetária — em uma estrutura discursiva que parte da introspecção cotidiana e progride para o absurdo verossímil, típico do fantástico científico. A narrativa em verso constrói um percurso de estranhamento gradual, que transita do corporal ao geopolítico, explorando com ironia e crítica as fronteiras entre o individual e o coletivo, o biológico e o tecnológico, o real e o imaginado. O poema opera assim como alegoria do poder invisível e da colonização silenciosa, atualizando o gênero com humor e densidade simbólica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário