AH, MEU PAI!
Charles Beaumont
Para Pollet, o tempo nada mais era do que uma
grande rodovia: uma rodovia deslumbrante e deserta esperando para ser usada.
— Existem atalhos, sem dúvida — ele costumava
dizer — e também curvas que são muito fechadas, excessivamente perigosas, mesmo
para a velocidade mais lenta. Contudo, não é impossível que um homem realmente
inteligente consiga um dia enfrentá-los.
É evidente que o Sr. Pollet esperava ser este
homem. Ele dedicou 37 dos seus 57 anos a esse projeto, com dedicação e fé
monomaníacas. Ele tinha poucos relacionamentos... e nenhum amigo. Sua esposa
tinha medo dele. E ele era persona non grata nos círculos científicos, pois
quando não estava murmurando seu jargão favorito sobre o “continuum
espaço-tempo” e o “nó do passado”, ele tinha o hábito de bater nas pessoas com
o cotovelo pontiagudo enquanto defendia seu ponto de vista, com a pergunta
famosa e irritante:
— Então, qual é a sua opinião? Se eu voltasse
no tempo e matasse meu pai (antes da minha concepção, é claro), o que você acha
que aconteceria?
— Talvez isso transforme meus desejos em
realidade — respondeu um dia um colega exasperado — mas minha opinião é que
você desapareceria imediatamente.
Entre outros defeitos, o Sr. Pollet tinha o de
ser incapaz de apreciar sutilezas.
— Oh sério? — respondeu ele, massageando seu
nariz enorme. — Você realmente acredita nisso? — perguntou. Aqui está uma
teoria interessante. No entanto, não me parece muito plausível. Apesar de tudo…
Na verdade, foi apenas para revelar este enigma
eterno que ele trabalhou na sua máquina do tempo. Ele não se importava nem um
pouco com a História, muito menos com a glória que necessariamente lhe adviria
por ser o primeiro homem a cruzar a barreira do tempo. O futuro? Não tinha o menor
interesse para ele.
O Sr. Pollet ficava satisfeito com pouco.
Simplesmente, a resposta à sua pergunta: O que aconteceria se…?
*
Certa tarde, no final do verão, o indivíduo magrelo,
de bochechas encovadas e cabelos pretos e ásperos, entrou pela oitocentésima
terceira vez no grande cilindro de metal instalado nos fundos de seu
laboratório no subsolo, acionou um interruptor, esperou e, pela oitocentésima
terceira vez, saiu. Outro fracasso, repetiu o Sr. Pollet para si mesmo. Foi
como desencorajar Jó.
Embora não fosse um sujeito dominado por excessos
emocionais, cedeu a um impulso absolutamente impensado: proferiu um juramento
vulgar, e bem rude, pegou uma pesada chave inglesa e jogou-a na máquina do
tempo.
Uma fileira de luzes se acendeu. O cilindro de
metal começou a ronronar suavemente.
As pupilas do Sr. Pollet se arregalaram. Foi
possível? Ele deu um passo à frente. Sim, era inegável… o impacto da chave
lançada com toda a sua força havia conseguido o que ele havia tentado mil vezes
em vão conseguir através do raciocínio. O delicado equilíbrio foi finalmente
alcançado: a máquina do tempo estava pronta para agir!
O Sr. Pollet irradiava felicidade.
Agora, seu projeto precisava ser executado
metodicamente. Ele não deveria correr nenhum risco.
Ele subiu a escada para o interior da casa, de quatro
em quatro degraus, empurrou a esposa para o lado e tirou uma fotografia
desbotada na cômoda de seu quarto, colorida à mão, e que representava um homem
de meia-idade, com olhos claros, queixo forte, traços marcantes e possuidor de
uma opulenta massa de cabelos ruivos.
— Pai — murmurou respeitosamente o Sr. Pollet,
colocando a foto no bolso e depois carregou um revólver calibre .38, vestiu um
terno adequado às circunstâncias, desceu de volta ao porão e entrou no cilindro.
Ele ajustou cuidadosamente os controles e puxou a alavanca principal. As
engrenagens clicaram. Algo estalou. A máquina saltou, esfumaçou, rosnou,
assobiou. O Sr. Pollet ficou atordoado. Um véu negro passou diante dele.
Até que tudo se acalmou.
Saiu do cilindro.
Era sem dúvida o Vale do Ohio, reconheceu
imediatamente a paisagem pois lá estava o lugar onde passara a sua infância.
Mas a missão do Sr. Pollet não poderia sofrer atrasos sentimentais. Ele olhou
em volta e então, certo de que ninguém o estava observando, levou a máquina do
tempo para o abrigo de uma pequena mata e trancou-a prudentemente.
Atravessou o campo de alfafa; logo surgiram as
primeiras casas da cidade e ele teve certeza de que seus cálculos estavam
corretos: ele estava em Middleton.
Mas… e a data? Havia de verificar este ponto.
Não lhe serviria de nada matar o pai depois de ele, Pollet Júnior, ter sido
concebido, pois então o que conseguiria ele?
Olhou para a foto mais uma vez. Pollet era um
homem severo e sombrio. Lembrava-se vagamente dele como um fanático por
disciplina, rígido, frio e distante, muitas vezes taciturno…, mas não se
lembrava de mais nada do pai, pelo menos nada em particular. Claro, a verdade é
que Pollet Sênior morreu em 1922, quando Pollet Junior tinha apenas cinco anos.
— Papai verá seu filho se tornar adulto...
apenas para ser assassinado por ele... — Disse o Sr. Pollet para si mesmo,
caminhando com dificuldade.
Tendo nascido fraco e assim permanecido durante
toda a vida, o Sr. Pollet nunca desfrutou de energia superabundante. Ele
diminuiu o passo. Na entrada da cidade parou, verificou o funcionamento de sua
arma para ter certeza de que não falharia e seu coração começou a bater mais
rápido. Ele sorriu fracamente. Então entrou na Main Street em Middleton (Ohio).
A cidade zumbia como uma colmeia. As crianças
jogavam basebol ou futebol. Os homens conversavam nas ruas e as mulheres iam às
compras. Alguns olharam para o Sr. Pollet com curiosidade, e entre eles um
indivíduo grande e envelhecido olhou para ele com atenção incomum; mas foi
apenas a curiosidade despertada pela chegada de um estrangeiro à pequena
cidade, claro.
O Sr. Pollet baixou a cabeça cortesmente e
continuou a caminhar pela rua principal. Ele parou em frente à farmácia. Havia
um calendário na janela. 19 de fevereiro de 1916, leu.
O Sr. Pollet franziu um pouco a testa. Chegou
simplesmente, muito justo. Mas apesar de tudo era o momento certo. Na verdade,
não poderia nem ser o indício de um projeto nos testículos de seu pai.
Chegou à Avenida de Los Olmos, virou à direita
e caminhou mais trezentos metros. Diante de uma enorme casa amarela ele parou…
e algumas lembranças surgiram e logo se apagaram.
Ele se dirigiu a ela. Nunca sentiu tanta
excitação, tanta febre. Ele bateu na porta.
Foi aberta por um indivíduo de meia-idade, com
olhos claros, queixo forte, traços fortes, possuidor de uma opulenta massa de
cabelos ruivos.
— Sim? — ele disse.
— Senhor
James Agnew Pollet?
— Exatamente — disse o homem. Pollet Júnior
avistou uma mulher magra, alta, extremamente loira e moderadamente atraente,
sentada na sala. Era a mãe dele. Ele sentiu seu coração apertar.
— Você quer alguma coisa? James Agnew perguntou
bruscamente a Pollet.
— Não exatamente — disse o Sr. Pollet Junior,
exibindo o calibre .38.
— O que isso significa…?
O revólver latiu uma vez. Um buraco muito
redondo apareceu na testa de James Agnew Pollet. Ele engasgou, caiu para trás e
não se moveu.
Houve um grito na sala.
O senhor Pollet guardou a arma de volta no
bolso, virou-se e saiu para a rua. Enquanto corria notou com atenção, que até
aquele momento, nada havia acontecido com ele.
As pessoas se viraram para olhar para ele. O
senhor Pollet voltou a ver aquele personagem que antes o olhava com tanta
insistência. Desta vez o homem estava boquiaberto, com os olhos bem abertos.
Havia algo familiar nele…
Ofegante, o Sr. Pollet atravessou o campo de
alfafa. Os carros não conseguiam acompanhá-lo, ainda eram muito primitivos. Os
homens conseguiriam fazê-lo, mas ainda estavam imobilizados pelo estupor. Deu o
tempo justo para correr até as árvores e entrar no cilindro. Ele fechou a porta
e subiu uma alavanca do painel.
*
Depois de um minuto, ele abriu a porta
novamente e se viu de volta ao laboratório no porão. Sua esposa estava
esperando por ele. Ele parecia medroso e louco.
—Você… terminou? — ela perguntou.
O Sr. Pollet baixou a cabeça sobriamente. Ele
percebeu que o revólver ainda estava quente.
— Eu o matei — declarou ele. Eu o vi morrer.
— Que horrível! exclamou a Sra. Pollet, — empalidecendo.
— Talvez você não o conhecesse bem, ou talvez ele tenha sido muito cruel com
você na sua infância… mas matar seu próprio pai! Isso não está certo.
— Ridículo — disse Pollet. Foi uma ação
impessoal e puramente científica. Eu o matei… para investigar. E nada
aconteceu. Absolutamente nada. Ele bateu o pé no chão e afastou uma mecha de
cabelo dos olhos. — Você entende? — ele gritou furiosamente.
Ele estendeu a mão, pegou uma barra de ferro e
liberou sua fúria nas fileiras de instrumentos, que foram pulverizados (assim
como os anos dedicados à sua fabricação) em um milhão de fragmentos brilhantes.
— Impossível — ele olhou furioso. Algo tinha
que acontecer!
A Sra. Pollet observou-o destruir a máquina.
Quando ele terminou completamente, ele perguntou:
— Em primeiro lugar, você tem certeza de que
ele era seu pai?
O Sr. Pollet , com o braço levantado, congelou.
Piscando, ele abaixou a barra de aço.
— O que você quer dizer? — ele questionou
lentamente.
— Nada — disse sua esposa. Só que sempre pensei
que você não se parecia em nada com aquela fotografia. Claro que já que é tão
antiga…
— Cale a boca — ordenou o Sr. Pollet. Devo
refletir.
Ele refletiu.
A observação da Sra. Pollet… na miríade de
diferenças que existiam entre ele e o homem da foto.
E ele pensou com mais cuidado naquele
personagem alto e de bochechas encovadas que o observara tão atentamente em
Middleton…
O Sr. Pollet deixou cair a barra. Ele olhou
para os restos do dispositivo que nunca poderia reconstruir.
—
Filho da p…! — disse.
Foi a coisa mais precisa que ele poderia dizer.
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Título original: O Father Mine, 1963
Tradução: Herman A. Schmitz
Charles Beaumont foi um autor essencial na ficção especulativa das décadas de 1950 e 1960, conhecido por misturar fantasia e crítica social de maneira única. Seus contos, repletos de temas como alienação e distopias, combinam uma prosa criativa e envolvente que o coloca entre os grandes nomes do gênero. Mas Beaumont não parou na literatura: ele também brilhou como roteirista de cinema e TV, deixando sua marca em séries icônicas como *The Twilight Zone* (*Além da Imaginação*), onde ajudou a moldar histórias que ainda hoje impressionam pelo impacto emocional e pela inteligência narrativa. Influenciando contemporâneos como Ray Bradbury, ele desafiava as convenções de sua época, abordando de forma instigante as angústias e os desejos humanos. Seu legado, tanto na literatura quanto no audiovisual, segue vivo como uma referência para quem explora os limites do fantástico e da condição humana.
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