quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

O Tocador de Atabaque — Eduardo Alves da Costa (poema)

O TOCADOR DE ATABAQUE de Eduardo Alves da Costa  


Querem o meu verso  
de nariz para o ar,  
equilibrando a esfera,  
enquanto alguém bate com a varinha  
para me por no compasso. 
Pedem-me que não seja violento  
e me mantenha equilibrado  
entre a forma e o fundo, 
porque a platéia não deve sofrer  
emoções fortes.  

Mas eu, nascido num tempo de sussurros,  
tenho a voz contundente  
e por mais que me esforce  
não sirvo para cantar no coro.  

Sei apenas tocar meu atabaque. 

Assim, que me perdoem  
os amantes dos saraus 
e os arquitetos de labirintos,  
que as senhoras se protejam com o xale  
e os corações delicados  
se encostem à parede  
para fugir às correntes de ar.  

Bato no atabaque
até estourar os tímpanos fracos  
e chamo num grito de gozo  
as almas bravias 
para dançarmos juntos  
mordidos pela mentira do mundo  
com os nervos envenenados  
e a jugular aos pinotes.
  
     Escutem, eu vou lhes contar a história  
     do leão que tinha um espinho na pata…  

Bato no atabaque e me consumo  
como se o sangue fugisse  
por um rio subterrâneo.  

     Vamos, o senhor não pode enganar todos  
     Durante todo o tempo.  

Bato no atabaque  
quem quiser cantar  
que me dê um tom.  

     Por que ao sair do trabalho 
     a gente não volta para casa  
     de montanha-russa?

Bato no atabaque…  

     Matou o patrão com cinco tiros  
     porque foi despedido
     sem aviso prévio.

Bato no atabaque… 

     Izabel, acho que meu pai,  
     quando souber,  
     vai me bater.  

Bato no atabaque… 

     Moço, compra uma flor
     pra namorada? 

Bato no atabaque…  

     Você acha que eles bombardeiam a China? 

Bato no atabaque
e o furacão me arranca pela raiz 
e eu sou um baobá atravessando os céus da Flórida 
para cair em Nova York,  
sacudindo a Bolsa de Valores 
como um enfarte.  

     Não sei… pra mim
     quem matou Kennedy
     foi a reação. 

Bato, bato, bato no atabaque  
Até consumir o terceiro estágio
de minha alma de astronauta
e ficar girando,
fora de órbita,
para sempre. 

Eduardo Alves da Costa. No caminho, com Maiakóvski. 1985.